Por: Andriolli Costa | 24 Outubro 2013
De apenas um órgão do corpo humano a ator social, cada vez mais o cérebro humano vem sendo encarado como o centro das ações e percepções que definem alguém. Ao controlar as formas de ser, pensar e agir, o cérebro - e não mais a alma ou a genética, como se acreditava antigamente – definiriam o self. “Ainda hoje nunca foi realizado um transplante de cérebro, mas, se o fosse, seria como se o cérebro recebesse um novo corpo e não o corpo um novo órgão”, opina o filósofo espanhol Francisco Ortega, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Neurociências, saúde e sociedade foi o tema da conferência ministrada no dia 08-10-2013, durante o II Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções tecnocientíficas, cultura, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea. O evento ocorreu na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Filósofo por formação, nos últimos dez anos Ortega tem voltado sua atenção para a saúde coletiva e o campo da Neurociência, especialmente para a questão da bio-socialização. Seus últimos trabalhos tem se concentrado na questão da neurodiversidade e cérebro adolescente, autismo nas redes sociais e a transtorno de déficit de atenção.
Ciências humanas X Ciências duras
Para o professor, o diálogo transdisciplinar é fundamental para o avanço científico. Neste processo, é preciso ter uma “amizade crítica” com o campo, permitindo o diálogo e o questionamento em iguais proporções e em ambas as áreas. “Esta visão da neurociência, que tem a filosofia, como uma ciência que acaba com a ideia de liberdade e de livre arbítrio não me interessa”, pondera ele. “Hoje em dia a neuro e a própria genética trabalham com a ideia de plasticidade cerebral. O cérebro e o DNA não são marcados pelo determinismo, mas pela imprevisibilidade e subjetividade”. Todas características frequentemente vinculadas às ciências humanas.
Neuroculturas
Nas décadas passadas, com as pesquisas constantes com DNA, a genética tornou-se o grande paradigma das ciências e a resposta para todos os problemas. Hoje, segundo Ortega, este papel é ocupado pelo cérebro. Processo este pontuado pelo próprio presidente George Bush (pai), que nomeou os anos 90 como “a década do cérebro”.
É nesse contexto que começam a surgir diversas disciplinas de pesquisa científica, dialogando com outras áreas de conhecimento. São as neuroculturas. “Isto é reflexo da onipresença do cérebro como ícone em nossa cultura contemporânea”, afirma ele. “Os estudos tem em comum a disponibilidade de uma tecnologia mais ou menos recente: a neuroimagem. São os scanners de ressonância magnética funcional, que mostram como certas áreas do cérebro ficam ativas dependendo da atividade realizada”.
Ortega elenca algumas delas: A neuro-ética volta-se para a fundação neurológica da moralidade e em como nossas decisões morais tem uma base biológica forte. A neuro-antropologia estuda o cérebro em interação com a cultura, o chamado cérebro social. A neuro-historia da arte pesquisa como pensamento e processos sensoriais diferem em função da plasticidade neural manifesta na obra de cada artista. A neurocinemática compreende a ação do cinema na atividade cerebral do expectador, e assim por diante.
“É interessante como a mesma neurociência é utilizada para validar ou refutar um argumento”, relata o pesquisador. “Na neuroteologia, por exemplo, pode-se provar que qualquer experiência religiosa é, em certo sentido, um problema mental”. Assim, experiências de contato com o divino poderiam ser expliocadas como manifestações de epiléticos ou de neuróticos. “No entanto, também há uma corrente que justifica que os processos cerebrais se desenvolvem desta maneira justamente para permitir a experiência da noção de Deus”.
Contexto
Ortega não duvida de que estas disciplinas possam ter alguma contribuição importante em suas respectivas áreas. No entanto, para ele, muitas vezes a pesquisa voltada para os estudos do cérebro está ligada a uma lógica da sociologia do campo acadêmico. “É um debate polarizado pela própria estrutura da academia. Tradicionalmente as ciências humanas recebem pouco financiamento, enquanto as ciências duras recebem muito. Colocar um neuro na frente é uma forma de chamar a atenção e garantir maior apoio financeiro”, afirma ele.
No contexto da crise das humanidades, as neuroculturas possuem um apelo simbólico, que é frequentemente reiterado pela mídia. “Eles capitalizam na venda do temor e no hype, que seria este entusiasmo desmedido. Uma ilusão que não corresponde à realidade da pesquisa científica”, expõe.
Ortega exemplifica, mencionando notícias que envolvem uma neuroética capitalista que falam de tentativas do governo de controlar o homem através de chips ou de dilemas inexistentes envolvendo a neuroética nos tribunais. “Afirmam que no futuro vamos tratar todos os acusados de um crime como inimputáveis, como acontece hoje com quem é preso e justifica problemas mentais", alerta. "‘Não fui eu, foi o meu cérebro’. Isto nunca vai acontecer, é apenas fumaça. Você continua sendo responsável por ter um cérebro daquela maneira”, finaliza.
Quem é Francisco Ortega?
Francisco Ortega é professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. É responsável, junto com a professora Ana Maria Jacó Vilela, do Instituto de Psicologia da UERJ, pelo convênio com o Instituto Max Planck de História da Ciência de Berlim. Também é o coordenador brasileiro do projeto de pesquisa intercultural Brasil -Alemanha (PROBRAL/ DAAD – Capes) intitulado: O Sujeito Cerebral – Impacto das Neurociências na Sociedade Contemporânea.
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O cérebro que nos define - Instituto Humanitas Unisinos - IHU