01 Outubro 2013
Revelações impactantes em revistas raramente são uma boa notícia para as pessoas ou para as instituições nelas retratadas. Isso provavelmente é verdade especialmente para o conturbado banco vaticano, que ao longo dos anos tem sido o principal ímã da Igreja para teorias da conspiração e escândalos de todos os tipos imagináveis. Na última sexta-feira, no entanto, o banco finalmente teve uma pausa.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 28-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tratava-se de mais um artigo fofoqueiro em uma revista italiana, neste caso a L'Espresso, apresentando uma sinistra imagem de tempestade, repleta de fontes anônimas que descreviam um "terremoto" relacionado ao banco. (O lugar chama-se tecnicamente "Instituto para as Obras de Religião", muitas vezes referido pela sigla IOR.)
Imediatamente depois que foi publicada, a reportagem fez com que as linhas telefônicas dentro do Vaticano tocassem, em parte porque, após o escândalo dos vazamentos de meados do ano passado, a percepção de que infiltrados estão vazando informações aos repórteres geralmente significa o sinal de alerta máximo.
No entanto, apesar dos floreios melodramáticos do artigo, o seu efeito geral provavelmente será de polir, ao invés de corroer, a nova imagem do banco.
Isso porque o "terremoto " ao qual o título se refere é uma crescente sensação de choque de que as autoridades do banco não estão apenas falando de transparência, mas realmente a implementando – começando com o fato de insistir para que o pessoal vaticano, incluindo aqueles que estão no topo da cadeia alimentar, expliquem de onde vem o dinheiro estacionado no banco e o que eles estão fazendo com ele.
"No Vaticano, o impensável está acontecendo", afirma a reportagem. "Um aperto mortal foi imposto (...) em nome da legalidade e da transparência absoluta".
Para a maioria dos forasteiros, a aplicação de controles mais rígidos provavelmente parece menos impensável do que em tempos atrás. Para além do seu complicado passado histórico, como os célebres escândalos envolvendo Roberto Calvi e o Banco Ambrosiano nos anos 1980, o IOR recentemente tropeçou em uma série de embaraços:
• Em 2010, os magistrados romanos congelaram 33 milhões dólares do IOR guardados em um banco italiano, acusando violações dos protocolos de transparência. O dinheiro foi liberado em junho de 2011, mas uma investigação criminal do presidente do banco e do seu diretor à época, ambos os quais saíram desde então, permanece em aberto.
• Uma avaliação de 2012 pelo Moneyval, a agência contra a lavagem de dinheiro do Conselho da Europa, aplaudiu o Vaticano por ter "feito um longo caminho em um curto espaço de tempo" em direção a uma maior transparência financeira, mas também levantou sérias questões sobre o que os avaliadores viram como uma falta de regulação externa do banco vaticano.
• Em janeiro de 2013, os serviços de cartão de crédito foram temporariamente encerrados no Vaticano depois que o Banco da Itália se recusou a processar os pagamentos com base em preocupações com controles inadequados de lavagem de dinheiro. Os serviços foram totalmente retomados em maio, o que significou que o Vaticano perdeu uma significativa receita potencial durante um período em que a chocante renúncia de Bento XVI e a popularidade do Papa Francisco criaram um pico de interesse em selos, moedas e outros tradicionais fazedores de dinheiro.
• Em julho, as duas principais autoridades do dia a dia do banco demitiram-se pouco depois que um ex-contador vaticano, o Mons. Nunzio Scarano, foi preso por suposto envolvimento em um complô para contrabandear 26 milhões de dólares em dinheiro para a Itália, em nome de uma família de magnatas do transporte. Scarano também enfrenta uma investigação criminal separada, relacionada a movimentos suspeitos de fundos em suas contas no banco vaticano.
Em um momento em que o Papa Francisco sinalizou um desejo de uma séria reforma nas estruturas vaticanas, o efeito cumulativo desses escândalos foi o de levar alguns proeminentes homens da Igreja a perguntar abertamente se o banco não é um anacronismo e deveria ser fechado.
Nesse contexto, a linha de fundo para a nova administração do banco sob o presidente alemão Ernst von Freyberg, um veterano empresário e financista, parece ser muito clara: reforma ou morte.
A julgar pela reportagem da L'Espresso, parece que eles abraçaram a primeira opção.
A base para a reportagem é a detalhada inspeção que atualmente está sendo realizada no banco pelo Promontory Financial Group, com sede nos EUA, uma empresa de consultoria em gestão de risco e em conformidade regulatória fundada por um ex-controlador financeiro dos EUA. Ele foi contratado por Von Freyberg com a ideia de terminar o trabalho de revisão dos dados de cada cliente até o fim do ano.
O Promontory atualmente tem cerca de 20 inspetores estacionados dentro do banco vaticano. Eles se estabeleceram no que costumava ser o cavernoso escritório do presidente, transformando o espaço no que parece ser à primeira vista uma sala de controle de tráfego aéreo – repleta de pessoas olhando fixamente para telas de computador, fazendo observações técnicas uns aos outros e ignorando qualquer outra pessoa que por acaso entre ou saia da sala.
A sua tarefa é filtrar os registros de cada um dos 18.900 clientes para se certificar de que a documentação adequada está arquivada e que o rastro das operações é claro, assim como sinalizar qualquer movimento suspeito de dinheiro – como por exemplo, hipoteticamente, um empregado do Vaticano cujo salário é teoricamente 20 mil euros por ano, mas que regularmente faz depósitos com seis dígitos.
Como parte desse projeto, foram enviadas cartas em agosto para os clientes do banco vaticano cujos arquivos, de uma forma ou de outra, estavam incompletos, ou onde havia dúvidas sobre a origem e o destino dos fundos, pedindo-lhes para fornecer as informações que faltavam. A ideia é construir um perfil completo para cada um dos 18.900 clientes, o que inclui cerca de 13.700 indivíduos e 5.200 instituições como ordens religiosas e dioceses. Cerca de 85% dos 9 bilhões de dólares em ativos que o banco tem sob gestão pertencem a essas instituições.
Em uma cultura dentro do Vaticano que há muito tempo é de confiança e de relações pessoais, a nova ênfase na responsabilização desencadeou ondas de choque e deixou alguns veteranos reclamando de uma "caça às bruxas".
A reportagem da L'Espresso está cheia de queixas internas de que as filas ficaram muito compridas no banco, por exemplo, porque as pessoas agora precisam preencher um formulário explicando o que farão com o seu dinheiro. Uma fonte se queixou que, se essa "mentalidade de polícia" se mantiver, algumas pessoas podem fechar as suas contas e movimentar o seu dinheiro para outros bancos.
Na verdade, há elementos de precisão duvidosa na reportagem.
Por exemplo, o texto afirma que os lucros do IOR podem ser menores neste ano porque o banco teve que contrair empréstimos para cobrir grandes perdas em duas dioceses europeias – Terni, na Itália, atualmente com um déficit de cerca de 27 milhões de dólares, e Maribor, na Eslovênia, onde a diocese enfrenta uma dívida de 50 milhões de dólares.
Os problemas em Maribor surgem da relação da diocese com algumas sociedades de investimento que especulavam no mercado imobiliário, telecomunicações e até mesmo em um canal de TV que transmitia pornografia soft. O buraco negro total deixado para trás depois do colapso dessas empresas é estimado em mais de 1 bilhão de dólares.
Nos bastidores, no entanto, as autoridades do IOR disseram ao NCR que parte da reportagem da L'Espresso não é verdade.
Primeiro, dizem eles, o banco efetivamente fez um empréstimo de 16 milhões de dólares para Terni, a pedido direto do Papa Francisco, mas eles dizem que não deram nenhum dinheiro para Maribor, porque, ao menos até agora, o papa não lhes disse para fazer isso.
Mesmo o empréstimo a Terni, dizem eles, não tem nada a ver com os lucros deste ano. É de conhecimento básico em nível bancário que um empréstimo não é relatado como perda no ano em que é feito; se não for recuperado dentro da vida especificada do empréstimo, digamos cinco ou dez anos, então ele vai para a coluna de débito.
O que é mais diretamente relevante para os lucros deste ano, dizem as autoridades, é o estado do mercado de títulos, principalmente títulos do governo, que é onde a maior parte dos ativos do banco está investido. Valores mais baixos dos títulos, especialmente na zona do euro, significam rendimentos mais baixos.
Deixando esses detalhes de lado, no entanto, a impressão geral apresentada na história da L'Espresso parece correta: um novo dia aparentemente está amanhecendo no banco, onde o antigo clima de confiança está crescendo juntamente com uma nova e forte dose de "é preciso verificar".
Isso pode criar ressentimento entre os veteranos acostumados a lidar com as coisas de modo informal, com uma piscadela e um aceno de cabeça, mas para a maioria das pessoas de fora essa pode ser a coisa mais animadora que elas já leram sobre o banco vaticano há muito tempo.
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Pela primeira vez, uma revelação que ajuda o banco vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU