19 Setembro 2013
A Cide - Combustíveis, em junho de 2012, foi zerada". "Em outras palavras, para evitar o aumento do preço da gasolina, beneficiando usuários de transporte individual, o governo abriu mão de cerca de R$ 20 bilhões que poderiam ser destinados à infraestrutura de transporte - quantia equivalente a um terço do valor disponibilizado à mobilidade urbana por meio dos projetos da Copa e do PAC Grandes e Médias Cidades", explicam Sérgio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace, e Bárbara Rubim, coordenadora da campanha de clima e energia, em artigo publicado no jornal Valor, 19-09-2013.
Segundo eles, "não existem soluções mágicas para problemas complexos. No caso da mobilidade humana, é preciso que os governantes parem de ignorar a necessidade de um planejamento que englobe e considere todos os atores da mobilidade e priorize os transportes não-motorizados e coletivos, feito de forma participativa e capaz de transformar efetivamente a forma como as pessoas se deslocam pela cidade".
Eis o artigo.
Desde que a qualidade do transporte coletivo e a necessidade de se reduzir sua tarifa viraram pauta nacional, um argumento se tornou lugar comum entre os governantes: faltam recursos para promover mudanças no setor. Numa tentativa de solucionar a questão, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) tem defendido a elevação da alíquota da Cide-Combustível (Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico) e um maior percentual de repasse aos municípios, que utilizariam a verba para subsidiar a tarifa.
Com parte de sua arrecadação destinada a investimentos em infraestrutura de transporte, o tributo - que incide sobre álcool, petróleo, gás natural e seus derivados - foi criado em dezembro de 2001. A transferência de um percentual dos recursos arrecadados pela União para os outros entes federativos foi determinada dois anos depois. No entanto, só em 2004 o montante arrecadado pelo governo federal foi efetivamente dividido. Hoje, de 29% desse total, 75% são destinados aos Estados e Distrito Federal, e 25% aos municípios.
Contudo, em 2008 o governo federal, tentando controlar a inflação e adiar o reajuste do valor da gasolina, iniciou a redução gradativa da alíquota da Cide - Combustíveis, até junho de 2012, quando foi zerada. Em outras palavras, para evitar o aumento do preço da gasolina, beneficiando usuários de transporte individual, o governo abriu mão de cerca de R$ 20 bilhões que poderiam ser destinados à infraestrutura de transporte - quantia equivalente a um terço do valor disponibilizado à mobilidade urbana por meio dos projetos da Copa e do PAC Grandes e Médias Cidades.
No entanto, e é bom que se diga, a Cide não é a única forma de se financiar melhorias no transporte coletivo. Existem outros benefícios concedidos ao usuário do transporte individual (como IPI reduzido e estacionamento gratuito ou quase gratuito nas vias da cidade) que precisam ser revistos e direcionados aos outros meios de deslocamento.
Essa revisão é uma das formas de se minimizar os custos gerados pelo uso do automóvel que não são arcados pelo usuário, mas sim pelo governo (cerca de 10% do total) e pela sociedade (aproximadamente 30%). Os principais custos que acabam sendo assumidos pela coletividade - de forma muitas vezes despercebida - são as chamadas externalidades negativas, decorrentes do uso constante do veículo individual, como a poluição, congestionamentos e os acidentes de trânsito.
Ademais, o subsídio às tarifas, apesar de importante, não deve ser encarado como a única necessidade da mobilidade urbana das cidades, sobretudo se considerarmos que seu alto valor decorre da própria ineficiência do sistema de transporte coletivo. A ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) estima, por exemplo, que em São Paulo o congestionamento encarece em cerca de R$ 1 o valor da tarifa para cada usuário: com a fluidez reduzida, os ônibus trafegam mais lentamente, aumentando-se os gastos com combustíveis e sendo necessários mais veículos, para garantir que a oferta nas paradas ocorrerá de acordo com o tempo previsto.
É essencial, assim, que eventuais verbas para o setor - como a volta da própria Cide-Combustíveis - sejam utilizadas também para se solucionar a causa dos problemas, e não somente suas consequências, sob pena de adentrarmos um círculo vicioso no qual estaremos subsidiando um sistema ineficiente, que demandará cada vez mais e maiores quantias, e que não necessariamente resultará em efetivas melhorias para os deslocamentos da população.
Nos últimos meses, as manifestações deixaram evidente que a sociedade civil não tolera mais gastos públicos injustificados - que invariavelmente recaem sobre ela na forma de tributos. É preciso, por isso, que se garanta, por meio de um processo rigoroso e regular de prestação de contas públicas, que as verbas disponibilizadas não sejam direcionadas a mais obras viárias que só objetivam a abertura de mais espaços para carros - o que é quase regra no país.
Apesar disso, a proposta da FNP continua sendo interessante por duas razões principais. A primeira é porque traz de volta uma fonte permanente de recursos para o transporte. A segunda, e mais importante, é o fato de trazer à baila a necessária discussão que os governantes têm, de maneira geral, evitado: a necessidade de se revisar o modelo de política pública há muito adotado pelo país, de priorização do automóvel como principal meio de deslocamento da população.
Essa política, alimentada por constantes subsídios e incentivos fiscais, levou ao modelo de cidade que temos hoje, composta por um sistema de transporte público sucateado, congestionamentos crescentes e a marginalização de uma parcela cada vez maior da população, que, excluída do transporte coletivo - seja pela alta tarifa ou pela extensão insuficiente do sistema -, não consegue ter acesso à cidade e aos serviços essenciais que ela guarda.
Se a soma desses fatores já leva a um resultado preocupante, a questão se torna ainda mais grave quando adicionamos a essa equação o fato de o setor de transportes ser o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do país (9%), ficando atrás somente do desmatamento e uso do solo. Na cidade de São Paulo, o setor responde por quase 60% das emissões do município.
Não existem soluções mágicas para problemas complexos. No caso da mobilidade humana, é preciso que os governantes parem de ignorar a necessidade de um planejamento que englobe e considere todos os atores da mobilidade e priorize os transportes não-motorizados e coletivos, feito de forma participativa e capaz de transformar efetivamente a forma como as pessoas se deslocam pela cidade.
Caso contrário, continuaremos a ter cidades abarrotadas de obras pontuais, que podem até melhorar os deslocamentos no curto prazo de um mandato. Mas que, no longo prazo, acabam se mostrando incapazes de aperfeiçoar a mobilidade e democratizar o uso e o acesso ao espaço público.
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Novos rumos para a mobilidade urbana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU