Por: André | 17 Setembro 2013
“Devemos elogiar o Ratzinger”. Perdão? Você não é o ex-franciscano Leonardo Boff, adversário histórico do cardeal Joseph Ratzinger? Não foi você quem, quando ele foi eleito Papa, disse que com Bento XVI chegava “o inverno da Igreja”? Desenha-se um sorriso entre a barba branca de Boff e não se precisa de muita perspicácia para entender que na Igreja de Francisco estão se evaporando inclusive os conflitos teológicos nos quais o Vaticano se viu envolvido desde os anos 1970.
Fonte: http://bit.ly/1aLn5i2 |
Claro, o escritor brasileiro faz uma homenagem ao Papa emérito, sobretudo, porque soube saber a hora certa para sair de cena. De qualquer maneira, suas palavras sobre Ratzinger são somente palavras de apreço. E não é a única surpresa que um dos protagonistas da Teologia da Libertação reserva, recostado em uma das poltronas do hotel, depois de ter participado da iniciativa “Torino Spiritualità”. Não muito tempo atrás, teria sido difícil imaginar que um autor com o perfil de Leonardo Boff pudesse ser considerado “assessor” do Pontífice. No entanto, é justamente o que o Papa Francisco está fazendo com ele, segundo indica o próprio Boff: escrevem-se e conversam mediante uma amiga em comum da Argentina.
A entrevista é de Marco Bardazzi e publicada no sítio Vatican Insider, 15-09-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Você disse que Bento XVI merece ser elogiado. Por quê?
Quando leu o relatório sobre os escândalos na Igreja, entendeu que já não tinha a força física, psicológica nem espiritual para enfrentar um problema desta gravidade. Humilde e sinceramente, com coragem, na minha opinião, renunciou. Quis pensar mais na Igreja do que em si mesmo.
Vocês tiveram uma relação difícil no passado, sobretudo desde que o cardeal Ratzinger, em 1984, abriu um “processo” contra você...
Éramos amigos, é uma pessoa extremamente elegante, fina, nunca levanta a voz. Sempre mostrou um grande respeito para comigo. O problema é que, quando se converteu em prefeito, revelou-se muito “alemão”. Eu pregava uma Igreja que promove a liberdade na sociedade. Ratzinger entendeu isso como um discurso protestante. Me dizia: “Assim fala Lutero”. E eu respondia: “Pois bem, escutemo-lo: há 500 anos a Igreja não escuta Lutero com suficiente atenção”.
Você agora deposita muitas esperanças no Papa Francisco? Por quê?
Porque antes de fazer a reforma da Cúria fez a reforma do papado. Normalmente, alguém é eleito Papa e assume todos os ritos do poder. Ele fez todo o contrário, continuou sendo o que era e está acostumando a todos a mudar segundo sua tradição pessoal.
O que lhe sugere o nome que Bergoglio escolheu?
Muito mais que um nome, Francisco é um projeto de Igreja e de mundo. Uma Igreja na pobreza e humildade humana. A atenção que o Papa tem pelos pobres vem desta intuição, própria da América Latina. Devemos recordar que vem de outro tipo de Igreja e de teologia, ele é da tradição da teologia do povo argentina. Ele se define como um Papa peronista e justicialista.
Você pede a convocação de um Concílio Vaticano III para reformar a Igreja. Este Papa conseguirá fazer a mudança que você espera?
Ele é muito inteligente. Não quer presidir a Igreja monarquicamente, mas colegiadamente. Por este motivo, escolheu oito cardeais de todos os continentes que farão com ele a reforma da Cúria e que dirigirão a Igreja colegiadamente. Creio que chegou o momento, como escrevi a ele, porque ele me pediu uma opinião.
Conversa com o Papa? Como?
Temos uma amiga em comum na Argentina. Eles se falam todos os domingos, se comunicam com frequência. Eu mando algumas coisas para ela e ele me pede outras.
O que você aconselhou ao Papa?
Por exemplo, que todas as Igrejas, sobretudo a católica, são ocidentais e serão cada vez mais acidentais. Caminhamos para uma nova fase da humanidade que será globalizada. A Igreja não encontrou um lugar neste processo, mas é hora de defini-lo com as outras Igrejas. As diferenças doutrinais são pequenas e inclusive as Igrejas Protestantes aceitam um Papa que não domina, mas que se converte em referência simbólica do cristianismo, como fenômeno histórico e memória de Jesus.
Quando pensa em sua relação com a Igreja, nos confrontos, na saída da ordem franciscana, arrepende-se de algo?
Deixei a função institucional de sacerdote, mas não a de teólogo. Troquei de trincheira, mas não de luta. E no Brasil nunca tive conflitos com a Igreja. Sigo sendo teólogo nas comunidades de base. E eu celebro, faço batizados, casamentos, celebro todos os sacramentos quando não há sacerdote. Os bispos sabem disso e me dizem: “Continue”. Me sinto bem neste papel de leigo. Afinal de contas, Jesus não era sacerdote.
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“Com Francisco, diálogo contínuo embora a distância”. Entrevista com Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU