O porquê do retorno da teologia da libertação

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14 Setembro 2013

O encontro do pontífice com Gustavo Gutiérrez e o espaço que lhe foi concedido nos últimos dias pelo L'Osservatore Romano mostram que o clima mudou.

A reportagem é de Aldo Maria Valli, publicada no jornal Europa, 13-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O Papa Francisco que recebe em Santa Marta Gustavo Gutiérrez, o pai da teologia da libertação, é uma notícia. Uma visita de algum modo antecipada pelo L'Osservatore Romano que tinha falado longamente sobre o sacerdote peruano.

É verdade que o dominicano, ao contrário de outros expoentes desse filão teológico, nunca foi condenado por Roma, e também é igualmente verdade que o atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o arcebispo Gerhard Ludwig Müller, é também um aluno de Gutiérrez, além de seu amigo íntimo.

Mas o espaço que o jornal da Santa Sé recentemente dedicou ao livro escrito por Gutiérrez e Müller (Dalla parte dei poveri. Teologia della liberazione, teologia della Chiesa, Edizioni Messaggero – Emi) marca, portanto, uma reviravolta e é também um índice de um clima modificado.

A edição italiana do livro escrito por Gutiérrez e Müller (publicado na Alemanha em 2004) foi apresentada nos últimos dias em Mântua, na presença dos dois autores, e também a esse encontro o L'Osservatore Romano deu espaço graças a uma bela entrevista do padre Ugo Sartorio com o teólogo peruano.

No livro, o teólogo Müller coloca os pingos nos "is": "O movimento eclesial e teológico da América Latina, conhecido como teologia da libertação, e que, depois do Vaticano II, encontrou um eco mundial, deve ser contado, a meu ver, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX". E ainda: "Só por meio da teologia da libertação a teologia católica pôde se emancipar do dilema dualista do aquém e do além, de felicidade terrena e salvação ultraterrena".

O Papa Francisco está nessa mesma linha. O que certamente não autoriza defender que o papa argentino está se tornando um defensor da teologia da libertação. Ele, no máximo, está relacionado à chamada teologia do povo, que tem em Lucio Gera (imigrante italiano que chegou à Argentina quando criança) o seu fundador e que recupera a religiosidade popular e acolhe a opção preferencial pelos pobres, recusando, porém, a doutrina marxista da luta de classes e o risco de reduzir a Igreja a uma espécie de agência social. No entanto, sem dúvida, em outros tempos, o jornal da Santa Sé não teria dedicado tanta atenção a Gutiérrez.

O Papa Francisco sabe muito bem que o debate com a cultura ateia, campo privilegiado por Joseph Ratzinger e em geral pela teologia europeia, não pode ser o único para se engajar. Certamente, ele continua sendo um campo importante (como demonstra a carta enviada pelo papa a Eugenio Scalfari), mas, ao lado dele, é preciso recuperar aquele outro grande desafio representado pelas velhas e novas pobrezas. Um desafio que a Igreja só pode acolher de modo credível e frutífero se, por sua vez, vive a pobreza.

Nesse sentido, a experiência do teólogo Müller é significativo. O atual prefeito do ex-Santo Ofício conheceu Gutiérrez e a teologia da libertação nos anos 1980, durante uma estadia no Peru. Eles viveram duas semanas com os agricultores dos Andes e com os pobres das favelas, e só depois tiveram uma semana de reflexão e de estudo. Foi assim que Müller entendeu que a teologia da libertação não nascia de uma disputa teórica, mas tinha a ver concretamente com a vida dura e com o sofrimento dos pobres e com as causas que provocam a pobreza.

O Papa Bergoglio passou por uma experiência análoga. Ele também, na Argentina, tocou com a mão a pobreza e foi ao encontro dos pobres e, assim como Müller, também acredita que, se o marxismo foi o grande problema do século XX, o neoliberalismo selvagem é o grande escândalo do século XXI.

É por isso que Francisco, embora condenando um certo "progressismo adolescente" que ainda faz incursões nos corações de alguns católicos, não hesita em recuperar o que, do seu ponto de vista, pode haver de bom e de válido na teologia da libertação. E é por isso que, como explica o padre Sartorio no L'Osservatore, "com um papa latino-americano, a teologia da libertação não podia permanecer por muito tempo no cone de sombra em que foi relegada há alguns anos, ao menos na Europa".

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