16 Setembro 2013
Fotos: Ricardo Machado |
“A produção de liberdade se torna uma estratégia de controle, a comunicação tornou-se imperativo e talvez tenhamos que criar vácuos nesse processo. Se a gente escapa da comunicação podemos escapar das formas de poder, pois nas nossas ‘andanças’ deixamos rastros e as empresas não controlam nossas vidas, mas controlam nossos desejos”, argumenta a professora e pesquisadora Karla Schuck Saraiva, ao proferir a conferência “Sociedade tecnológica e a defesa do sujeito”, no dia 11-09-2013, às 19h30, na Sala Ignácio Ellacuría e Companheiros, no IHU.
O evento integra o II Seminário preparatório para o XIV Simpósio Internacional IHU: Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea.
Para a professora, cabe-nos pensar o que a atual sociedade tecnológica nos oferece em termos de nossa racionalidade enquanto sujeitos. “As antigas lealdades a identidades perdem força. As redes sociais exibem um show do ‘eu’. Me parece que há, nesse caso, formas de experimentação de si, sujeitos que em exposição experimentam novos modos de constituir-se”, avalia Karla.
Sujeito
Para pensar a questão do sujeito, Karla chamou atenção para duas concepções. Para os pensadores modernos, o sujeito estava contido na substância, ou seja, precisava buscar em si mesmo aquilo que o torna sujeito. Já na contemporaneidade, o sujeito é constituído por meio do discurso, em uma perspectiva foucaultiana, da construção de si mesmo. “Se tirar todas as máscaras não resta nada atrás. Somos constituídos a partir de práticas discursivas”, avalia a professora.
Poder
“Não se pode possuir o poder, ele é um exercício e se dá por práticas discursivas e não discursivas. Para Foucault o poder é ação sobre ações e tão mais eficaz quanto mais invisível”, considera. Karla lembra que não existe relação humana que não seja permeada pelo poder e que governar demanda conduzir as condutas. “Nós temos que pensar o intolerável e dar conta de ultrapassá-lo. A diferença de poder e violência para Foucault não é de grau, mas de natureza. Poder e saber estão sempre juntos, são diferentes, mas inseparáveis. A principal característica do poder é ser produtivo, não repressivo, reprimir é um efeito colateral”, explica.
Para a pesquisadora, as práticas de poder colocam em movimento a norma – padrão instituído pelo grupo. Quanto mais estruturada em termos morais – regras de conduta – uma sociedade, menor a possibilidade de criação de si. “A produção de subjetividade ocorre nas frestas do poder”, diz.
Sociedades
“O que a sociedade tecnológica nos oferece de possibilidade de subjetivação de si?”, provocou a professora. Antes de responder a pergunta, Karla lembrou que todas as sociedades foram tecnológicas, mas que se distinguem ao longo do tempo. “Não há razão para pensar que só a nossa sociedade é tecnológica. Na história da humanidade as tecnologias sempre ajudaram a potencializar as capacidades humanas”, ressalta Karla.
Para exemplificar tal afirmação, a conferencista recorreu à classificação de Gilles Deleuze sobre as sociedades. “Na Idade Média surgiu a tecnologia mecânica, na Modernidade a termodinâmica caracteriza a tecnologia e em nossas sociedades contemporâneas somos marcados pela cibernética”, aponta.
Cinema
Considerando a sociedade atual, Karla ressaltou que as tecnologias inspiram ao mesmo tempo medo e esperança, pois parecem capazes de tornar nossa vida melhor. Ela recorreu ao cinema e dá dicas de filmes para pensarmos tais questões, mas salienta. “Há quatro filmes – dos muitos que poderiam ser referidos – para discutir algumas questões, embora eles coloquem a problemática de uma maneira exacerbada. São eles: Gattaca, Minority Report, 1984 e Matrix”, indica. Dois dos filmes indicados pela professora integram o Ciclo de Filmes - II Seminário do XIV Simpósio Internacional IHU.
Os Filmes
Gattaca – Conta a história de um mundo dominado pela genética. O filme trata de questões da bioética, clonagem e as transformações que os fármacos podem trazer à subjetividade. A vida nua como um destino sem redenção nos desafia a pensar nos limites bioéticos.
Minority Report - A trama se passa em um futuro onde existem os “pré-cocs”, videntes que preveem o que vai acontecer e prendem potenciais culpados antes de os crimes acontecerem. A temática abordada na obra dá conta da crescente obsessão por segurança e o riscos que isso representa para a autonomia. Põe em debate o quanto estamos dispostos a abrir mão de nossa liberdade em nome da segurança.
1984 – Baseado na obra literária de George Orwell, 1984 conta a história de uma sociedade que é vigiada 24 horas por dia. O nome de um dos mais famosos reality shows do mundo, Big Brother, é comumente associado a Orwell. Na ficção, o grande irmão era temido; na sociedade contemporânea, essa vigilância passa a ocorrer de forma voluntária, considerando a exposição nas redes sociais.
Matrix – A série é composta por três filmes, mas o exemplo trazido pela professora foi a primeira filmagem. Em Matrix, as diferenças entre o ser o agir aparecem por meio da realidade virtual, um simulacro, onde os corpos são apenas avatares, como, por exemplo, no Second Life.
Quem é Karla Schuck Saraiva
Karla Schuck Saraiva é graduada e mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Doutorou-se em Educação também pela Ufrgs. Atualmente é professora e pesquisadora da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra, atuando em disciplinas de graduação ofertadas para cursos da área de tecnologia e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Participa do Grupo de Pesquisa Currículo e Pós-modernidade – GCPOS. Seus interesses de pesquisa estão focados na articulação entre educação e sociedade contemporânea, em especial temas ligados a cibercultura e currículo. Desenvolve suas investigações em uma perspectiva pós-estruturalista.
Para ler mais:
- Software livre, blogs, TV digital. E o que tudo isso tem a ver com a sua vida. Entrevista com Karla Schuck Saraiva.
(Reportagem Ricardo Machado)
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Sociedade tecnológica e a defesa do sujeito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU