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Por: André | 11 Setembro 2013

A república socialista que Allende acompanhou como estudante proclamou medidas que deixaram as classes dominantes com o cabelo em pé: relações com a URSS, cobrança de altos impostos sobre as fortunas, expropriação dos depósitos.

A reportagem é de Gustavo Veiga e publicada no jornal argentino Página/12, 08-09-2013. A tradução é de André Langer.

 
Fonte: http://bit.ly/14vtvyX  

Muitos anos antes que Salvador Allende fosse presidente e os esbirros de Augusto Pinochet bombardeassem o Palácio La Moneda, no Chile houve uma efêmera república socialista. Durou apenas 12 dias, de 04 a 16 de junho de 1932. A breve experiência política foi liderada por um militar de nome curioso e vida novelesca: Marmaduke Grove. José Santos González Vera, Prêmio Nobel de Literatura chileno 1950, definiu dessa maneira aqueles que o apoiaram: “Chegavam ao centro a cavalo, em carretas, em veículos inverossímeis adornados com guirlandas de papel. Os rostos não eram habituais. Estes homens pareciam a reencarnação daqueles que criaram a Comuna de Paris”. Um avião se adiantou ao avanço das massas sobre Santiago, jogando panfletos que anunciavam: “a revolução será feita mesmo com chuva”. Quarenta e um anos depois, em 11 de setembro de 1973, no mesmo lugar caíram bombas em vez de papéis.

A república socialista que Allende acompanhou como estudante proclamou medidas que deixaram as classes dominantes com o cabelo em pé: o estabelecimento de relações diplomáticas com a jovem União Soviética, a cobrança de altos impostos sobre as fortunas, a expropriação dos depósitos em moeda estrangeira e ouro, a nacionalização do comércio exterior, a devolução aos trabalhadores com menos recursos de suas ferramentas doadas pela Caixa de Crédito Popular e uma anistia dos presos políticos, entre outras.

Quando se aproxima o 40º aniversário do golpe de Estado de 1973 contra o governo da Unidade Popular, a revisão daqueles dias esquecidos de 1932, permite traçar analogias entre os dois acontecimentos. O mesmo acontece com os seus principais protagonistas. Grove fundou, junto com outros militantes, o Partido Socialista chileno em 19 de abril de 1933 e foi seu primeiro secretário-geral. Em uma fotografia tirada nesse dia, ele é visto sentado posando junto com a direção do PS. Atrás e de pé, aparece o jovem médico Allende, de camisa branca e gravata preta com pintas brancas. Uma bandeira do partido serve de pano de fundo.

Anos depois, entre 1939 e 1941, Allende chegaria a ser ministro da Saúde da Frente Popular, um governo de centro-esquerda presidido por Pedro Aguirre Cerdá. Nessa época, Grove era senador por Santiago e apresentou um projeto de reforma agrária que nunca foi aprovado. Propunha a divisa: “Nem terra sem homens, nem homens sem terra”. Os encontros entre os dois eram frequentes, como provam vários documentos e fotografias.

Os acontecimentos de 1932 que os uniram, começaram com a sublevação de uma unidade da força aérea no município de El Bosque, Santiago. Grove, nessa época comandante em chefe dos aviadores de guerra, liderou um grupo heterogêneo de civis e militares que combinavam ideias de esquerda e sua participação na maçonaria. Um deles, Eugenio Matte, era presidente dos estudantes de Direito da Universidade do Chile.

Dos claustros surgiu um movimento que convocou a formação de sovietes de estudantes, operários e camponeses durante a primeira república socialista da América do Sul. Chamava-se Grupo Avance. Outro líder da junta socialista de governo foi o jornalista e advogado Carlos Dávila Espinoza, que havia sido embaixador chileno nos Estados Unidos durante a primeira presidência do general Carlos Ibáñez del Campo (1927-1931). Era a ala direita do grupo que havia tirado da presidência a Juan Esteban Montero. Nos papéis, o general Arturo Puga completava, como presidente, a junta revolucionária. Seu papel era meramente formal.

A instabilidade política da época. As consequências da grande depressão de 1930. As notórias diferenças entre Grove e Dávila, que seria presidente provisório do Chile entre junho e setembro de 1932. As constantes conspirações militares das quais Grove era um emergente estranho. E o estado de óbito que a oligarquia chilena havia aplicado à breve experiência socialista – contra a qual conspirou desde o primeiro dia –, terminaram por convertê-la em uma caricatura. Diversos registros históricos da época, como a publicação gráfica Sucesos, assinalam que 100.000 trabalhadores precipitaram-se sobre o Palácio La Moneda para acompanhar a revolução com a qual se haviam iludido no sábado, 04 de junho de 1932. Mas viram esfumaçar-se diante de suas retinas a efêmera tomada do Palácio de Inverno chileno. A república socialista acabou quando mal havia começado a dar seus primeiros passos.