03 Setembro 2013
No momento em que seu novo coordenador, José Carlos Dias, tenta levar à frente os trabalhos de investigação da Comissão Nacional da Verdade, os desentendimentos que envolvem o órgão parecem ainda não estar superados. Há duas semanas, em evento no Rio, o ex-ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, sem perceber a presença da reportagem do Valor, criticou a interlocutores a postura da advogada Rosa Maria Cardoso nos meses em que esteve à frente da comissão. Rosa foi advogada da presidente Dilma Rousseff na repressão e é a integrante da comissão mais próxima do Planalto. Vannuchi, que integra a direção do Instituto Lula, foi eleito para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.
A reportagem é de Guilherme Serodio e publicada pelo jornal Valor, 03-09-2013.
Na ocasião, Vannuchi afirmou que Rosa queria que os familiares das vítimas "fizessem uma devassa em tudo o que a comissão já produziu". Disse ainda que as discussões sobre o tema desgastaram as relações dentro da CNV durante "meses horríveis", tempo em que ele teria se arrependido "enormemente" de atuar junto ao órgão.
Ex-preso político, Vannuchi não pôde integrar a comissão, mas foi um dos seus maiores incentivadores. Foi ele quem sugeriu sua criação, ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva, do qual foi ministro. A proposta inicial da comissão fez parte do Programa Nacional de Direitos Humanos de 2009, lançado pela secretaria que Vannuchi comandava à época.
No centro do debate está outra crítica recorrente à comissão criada pela presidente em 2012 para apurar as violações aos direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988: a pouca visibilidade que seus trabalhos alcançaram no primeiro ano de atividades.
Nos seis meses em que esteve à frente da comissão, Rosa Cardoso fez questão de aproximar-se das vítimas da ditadura e de seus familiares. A advogada afirma que esta é uma forma de aproximar a CNV da sociedade.
"Nunca propus devassa alguma. Isso pode ter sido até enunciado por quem defende o secretismo da comissão", rebate Rosa. "Trata-se de considerar o trabalho conjunto com as vítimas para que elas possam se reconhecer no que estamos fazendo", afirma Rosa, que trouxe representações das vítimas para trabalhar em conjunto com os pesquisadores.
"Queremos pensar juntos para que, no final, não haja uma estranheza com o que estamos produzindo. As vítimas conhecem muito bem esse material. Muitas estão há muito tempo pesquisando isso. A participação é muito importante e de forma alguma pode ser vista como devassa", diz. Procurado pela reportagem, Vannuchi não respondeu aos pedidos de entrevista.
Escolhido na segunda-feira da semana passada para ocupar o posto rotativo na coordenação da CNV, José Carlos Dias defende a comissão. Segundo ele, exageram-se os conflitos internos. "Nós não somos um grupo de jograis. É claro que pode haver diferenças, mas existe entrosamento sim".
Ligado ao PSDB, o ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso afirma que as iniciativas de Rosa, como as audiências com as vítimas da violência do Estado, terão continuidade. "Temos um compromisso perante a sociedade e as novas gerações para mostrar que aquilo que aconteceu não pode acontecer mais".
Nos últimos meses a CNV estreitou o diálogo com as vítimas da repressão e com organizações da sociedade civil, mas os desentendimentos levaram ao esvaziamento do órgão. Dois de seus integrantes deixaram a comissão. Um deles, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, assumiu que sua saída deveu-se ao desgaste interno. Próximo de Rosa, ele teria se desentendido com Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl. Antes, em abril, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp deixou a comissão alegadamente por problemas de saúde. Muitos pesquisadores também saíram.
A apenas oito meses do encerramento dos trabalhos- o prolongamento das atividades precisa ser determinado por Dilma - organizações dos direitos civis e pesquisadores mostram preocupação com os resultados que a comissão pode apresentar. Para eles, as discussões atrapalham as pesquisas.
"Rosa é a pessoa que mais tem procurado esse diálogo com as entidades dos direitos civis", afirma Maurício Santoro, assessor da Anistia Internacional. Ainda que veja como saudável o debate interno na comissão, ele diz que nem sempre é fácil entender o que é uma posição dela ou da CNV.
"O que nos preocupa é que o nível de conflito está dificultando o próprio trabalho da comissão", diz Santoro. "Vários assessores saíram, muitos por desentendimentos internos. Esse nível de conflito é preocupante".
Para o historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Fico, a CNV vive o pior cenário possível. Sem passar uma imagem de credibilidade por conta das brigas internas, a comissão tampouco foi capaz de despertar o interesse da sociedade e nem tem trazido à tona fatos históricos novos. Na sua perspectiva, os trabalhos correm o risco de fracassar.
"A sociedade brasileira não está interessada nos trabalhos da comissão e eu atribuo a responsabilidade à própria comissão", diz Fico, um dos historiadores brasileiros mais debruçados sobre o período da ditadura militar. "Nós vamos perder uma grande oportunidade de interessar a sociedade brasileira por esse passado, por essa história que não se concluiu".
O novo coordenador da CNV rebate as críticas. Dias afirma que o interesse da sociedade é cada vez maior e que não há compromisso com o ineditismo. "Passaram-se 40 anos e muita coisa já foi revelada. Nós vamos reunir tudo que foi revelado, mas sem a obsessão de só apresentar fatos inéditos".
Ao Valor, Dias afirmou que já debateu nomes com a presidente Dilma para as cadeiras vagas na coordenação da CNV e frisou a tendência de que prevaleçam pessoas ligadas à área do direito. A CNV ainda deve contratar até 100 pesquisadores para reforçar o quadro atual de 50 pessoas e acelerar os trabalhos na direção do relatório final. Mas, segundo ele, a volta de Dipp e Fonteles à comissão está fora de cogitação: "Se saíram, saíram", disse. "Estou aguardando para os próximos dais a indicação dos novos membros pela presidente.
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Vannuchi critica gestão de Rosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU