28 Agosto 2013
Há quase dois anos e meio, notícias tão alarmantes quanto deprimentes chegam da usina nuclear de Fukushima, que foi atingida por um tsunami no dia 11 de março de 2011. Alarmantes por suas consequências: no dia 22 de agosto, a operadora Tokyo Electric Power (Tepco) avaliou em 30 bilhões de becqueréis a quantidade de elementos radioativos (césio e estrôncio) contidos nas águas subterrâneas que vertem no Oceano Pacífico desde maio de 2011.
A reportagem é de Philippe Pons, publicada no jornal Le Monde, ereproduzida no Portal Uol, 27-08-2013.
No dia 21 de agosto, a Autoridade de Regulação Nuclear havia considerado como um "incidente grave" o desaguamento no Pacífico de 300 toneladas de água contaminada de um reservatório defeituoso. Saindo de sua inação, o órgão de vigilância de atividades nucleares por fim acusou a Tepco, dois dias depois, de não ter monitorado suficientemente seus reservatórios. Como primeira consequência disso, a pesca na costa de Fukushima, que havia recomeçado em junho, será suspensa em setembro.
E essas notícias são deprimentes pela falta de transparência que elas revelam. Em dezembro de 2011, as autoridades nucleares haviam afirmado que a usina estava "estabilizada"; seus reatores haviam sido declarados "em estado de desligamento a frio". Mas, desde então, vêm ocorrendo repetidamente problemas tão graves que é de se perguntar se, em sua gestão das consequências do acidente, a Tepco não estaria criando um novo desastre.
Às deficiências da Tepco, visivelmente assoberbada pela extensão da catástrofe, se soma a passividade do Estado, que parece mais preocupado com a volta do funcionamento das usinas (48 das 50 estão desativadas) e com os futuros contratos de exportação da tecnologia nuclear japonesa do que com o mais grave acidente ocorrido desde Chernobyl (1986).
Em viagem pelo Oriente Médio desde o dia 24 de agosto, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, tem exaltado junto a seus interlocutores as "lições" aprendidas com o acidente de Fukushima para promover a tecnologia nuclear japonesa... Considerando a situação da usina avariada, a argumentação parece um tanto fraca, se não deslocada. A inação do Estado na gestão da catástrofe e a falta de pulso da Autoridade de Regulação Nuclear, que foi criada em outubro de 2012 supostamente como uma instância mais preparada do que a anterior para se impor, "prejudicam a credibilidade do Japão no exterior", escreveu o jornal "Asahi".
Em outubro de 2012, a Tepco acabou reconhecendo que minimizou os riscos de tsunami por medo de ter de fechar a usina para realizar obras. Desde então vêm surgindo revelações sobre dissimulações, meias verdades ou simplesmente mentiras da operadora antes e depois do acidente. As autoridades se perguntam sobre as causas do acidente --atribuído a uma catástrofe natural que de fato foi seu desencadeador--, sem questionar as responsabilidades humanas por essa tragédia, sendo que a investigação de uma comissão parlamentar mostrou que era algo previsível; ou, pelo menos, que medidas poderiam ter sido tomadas para limitar seus efeitos.
O lucro é a regra para uma empresa, mas talvez não a ponto de colocar em risco vidas humanas, como fez a Tepco (e provavelmente outras operadoras que não tiveram o "azar" de sofrer uma catástrofe natural): 150 mil pessoas evacuadas de zonas contaminadas ainda estão vivendo em moradias provisórias.
Repreensível falta de transparência
A Tepco tem enfrentado problemas enormes, e a dedicação de seus funcionários e os das empresas terceirizadas no local, que correm riscos consideráveis, deve ser louvada. Mas a direção continua tentando tratar essa catástrofe "internamente", com uma repreensível falta de transparência.
Independentemente do julgamento que se faça sobre as vantagens ou não da energia nuclear e sobre a segurança que ela ofereça ou não, a catástrofe de Fukushima nos leva a questionar a gestão dessa ferramenta, no mínimo perigosa, por parte das operadoras e do Estado. Com Fukushima, o Japão é um caso tristemente exemplar. Mas não é o único.
A cumplicidade entre as operadoras, as instituições estatais, parte do mundo da pesquisa e da grande mídia (o que se chama aqui de "aldeia nuclear") não é privilégio do Japão.
Há duas semanas, as autoridades taiwanesas revelaram que uma das usinas da ilha havia registrado durante três anos vazamentos de água contaminada, abrindo um debate sobre a segurança da energia nuclear. Na Coreia do Sul, a opinião pública se mostra preocupada: no dia 21 de agosto, um dos seis reatores da usina de Yeonggwang parou de funcionar. Após um escândalo de certificados falsos de segurança de peças avulsas, que veio à tona em novembro de 2012, três reatores foram desligados para a investigação sobre as propinas que acompanharam essas falsificações. A Coreia do Sul, que dispõe de 23 reatores, está considerando construir 16 outros até 2030 para elevar a participação do eletronuclear de 30% para 59%. Mas o número de coreanos a favor da energia nuclear caiu de 71% para 35% este ano.
Reavivada pela catástrofe de Fukushima, a crise de confiança na energia nuclear --ou pelo menos na maneira como ela é gerida-- tende a se estender para além do Japão.
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Fukushima contamina a confiança na energia nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU