05 Agosto 2013
O homem por trás do marketing político do PSB de Eduardo Campos diz que é preciso quebrar as barreiras entre dois mundos: o real e o dos que se julgam donos do poder.
Ele não gosta de ser chamado de marqueteiro. Diz ter “um tom pejorativo”. Edson Barbosa prefere se apresentar como “profissional de comunicação”. Dono da agência Link, é responsável pelo marketing político do PSB de Eduardo Campos e do governo de Pernambuco. E também pela comunicação do Ministério da Educação desde a gestão Haddad.
A reportagem e a entrevista são publicadas na coluna de Sônia Racy, O Estado de S. Paulo, 05-08-2013.
Baiano de Irará – terra de Tom Zé –, o jornalista e publicitário diz que as manifestações que tomaram as ruas do País e a vinda do papa Francisco ao Brasil “produziram uma nova compreensão da sociedade em relação àquilo que ela quer para si” e que, inevitavelmente, terá reflexos nas eleições de 2014.
O eleitor, afirma, deseja, mais do que nunca, que “as coisas sejam postas às claras”. Mas quer mais: “A certeza de que aquele em quem votou ou votará está lutando pelo povo e coerência entre palavras e ações”. Edson Barbosa, que “mora no avião, entre Salvador, Recife e Brasília”, recebeu a coluna em seu QG na capital federal.
Eis a entrevista.
As manifestações trazem novo cenário para as campanhas eleitorais? O que muda?
Tudo muda o tempo todo. Mas é lógico que as manifestações, da maneira como irromperam, a intensidade e a força que tiveram, fazem com que a gente perceba um ponto de inflexão. E que é preciso lançar um novo olhar sobre o que está acontecendo. A grande função dessas manifestações é mexer com a percepção que todos têm de tudo. Não dá para ficar no raso dessa história, não se pode pensar apenas na questão conjuntural. É preciso olhar para a expectativa. O que sai disso? Para onde vamos?
É preciso ir além?
A sociedade tem de mostrar o que espera das coisas que diz faltar. A chegada do papa Francisco ao Brasil pós-manifestações mostrou um caminho. A questão do amor verdadeiro, do sentimento, da simplicidade. É muito importante juntar os dois momentos. Um velhinho vem aqui com uma mensagem samaritana dizendo “vamos nos tocar, vamos nos perceber de uma maneira mais simples e mais honesta; no que posso auxiliar você a caminhar um pouco mais?”.
As atitudes do papa criaram constrangimento para o mundo do poder?
Para quem não é cara de pau, deve ter criado. Para quem tem sensibilidade, para quem sabe qual é a sua responsabilidade, deve ter criado. Depois do papa, fica ridículo ter determinados níveis de ostentação e de distanciamento do povo. Se o político, se a autoridade pública tem verdade, compromisso, boa intenção na sua ação, ele é capaz de dialogar com qualquer setor da sociedade, seja qual for a crise instalada. A grande lição do papa foi mostrar simplicidade: sou assim, minha prática é essa, ando com minha maletinha de mão, vou ao barbeiro, sou amigo do rabino. Ele não é uma imagem, é uma essência. Por isso essa imensa aprovação.
Foi uma surpresa para um mundo tão ligado ao midiático?
Sim, esse mundo de efeitos especiais. Não teve uma coisa armada, aconteceu de forma espontânea, tranquila, natural. Quando o papa chegou ao Rio e saiu de carro com o vidro aberto pela cidade, as pessoas só queriam tocá-lo, sentir o contato com uma coisa boa. Não queriam agredi-lo. Quando o homem público é realmente verdadeiro, sua maior segurança é o povo.
O papa quebrou paradigmas.
Quando diz que não existe mãe por correspondência, que mãe pega o filho nos braços; quando fala do papel da mulher dentro dos dogmas e das limitações da Igreja católica; quando diz “quem sou eu para julgar os gays”; quando pergunta qual serviço aquele monsenhor que estava traficando 20 milhões de euros de um lado para o outro está prestando à Igreja. Ele tocou em pontos e fez críticas verdadeiras e substantivas à própria instituição que dirige. Quando fala de si e se expõe nesse nível, as pessoas o respeitam. Esse papa dá uma lição – sobretudo, para o mundo da política, para o mundo da relação das elites com o povo –, sintetizada numa frase: “Baixe o vidro, pessoal!”. Ele está dizendo: andem nas calçadas, vão ver as pessoas de perto, entendam que tem de quebrar essa separação entre o mundo real e o mundo fictício dos que se julgam donos do poder.
Como o marketing político vai lidar com tudo isso em 2014?
Mais do que para o ano que vem. Esses dois capítulos muito marcantes para o Brasil servem para produzir uma compreensão nova, em tempo real. O povo está querendo que as coisas sejam postas às claras. Não gosto da palavra transparência. Ela embute um falsete. O transparente pode ser fosco, pode ser deturpado. Prefiro a palavra clareza. Mas é preciso também que o movimento social tenha mais foco, senão corre o risco de ser apropriado pelas corporações, pelos grupos de interesse. O povo não foi para as ruas atrás de interesses mesquinhos. A pauta é mais aberta.
Existiu um repúdio à participação de partidos políticos. O que isso significa?
Implica uma nova linguagem, que não tem forma e objetivos definidos, mas está posto um princípio de ruptura cultural. É preciso que o Estado e a sociedade não entrem naquele movimento de um ficar jogando a culpa para o outro. A democracia é um paraíso? Longe disso, mas não conheço nada melhor. Não há, dentro do processo democrático, como se pensar em organização da sociedade sem partidos políticos, sem democracia representativa. É óbvio que precisamos avançar para que as relações sejam cada vez mais participativas e colaborativas. Hoje, temos uma coisa esquizofrênica: um presidencialismo que não age porque o Congresso trava; e um Congresso que não trabalha porque o governo mete medidas provisórias. Não precisamos de um freio de arrumação. Precisamos, sim, trocar os pneus com o carro em movimento.
Os partidos que estão usando os protestos em suas propagandas entenderam o movimento?
Entenderam e são oportunistas. É uma coisa ridícula, é picaretagem. E não funciona. Ao contrário, é um tiro no pé. O que mais as pessoas estão exigindo nas ruas é respeito. E alguns se apropriam dessa exigência de respeito para capitalizar isso em seu próprio benefício? O povo não vai comer essa conversa fiada. Quem acha que o povo é bobo está parado no tempo. Isso não quer dizer que podemos esquecer que o responsável pelo saneamento dessa coisa ruim da política é o próprio povo. Não se pode passar a mão na cabeça do povo, a sociedade precisa se ver também. Precisa entender que é a responsável. Quando chega no dia da eleição e dá seu voto, não está fazendo um gesto mecânico; é um aval e um investimento numa representação que é dela. Precisa exigir que essa representação, 24 horas por dia, responda às suas perspectivas. Para fazer isso, é preciso acompanhar o trabalho do seu parlamentar, do seu prefeito, do governador e do presidente. A sociedade faz pouco isso.
É possível dizer que nasceu um novo eleitorado?
O novo eleitorado sempre vem nascendo. Há hoje uma consciência do eleitor a respeito dos deveres da governança muito maior do que havia. Não podemos esquecer que saímos de um processo ditatorial apenas nos anos 80. Temos mais de vinte anos de prática democrática e, a cada dia, penso que melhora. Não tenho uma visão pessimista. Tem muita porcaria? Tem! Tem muita coisa que precisa melhorar? Tem! Mas a exigência da qualidade é muito mais substantiva. Hoje, em certa medida, o nível de representação política melhorou muito em relação ao que se tinha. Nossa memória é curta. É preciso que o Brasil dê um salto vigoroso e desmistificador dos velhos padrões para chegar a um lugar novo e de qualidade. Os que se propõem a liderar o processo político no Brasil precisam estar atentos.
De que forma?
É preciso ter um belo projeto, ter coragem de radicalizar, de meter a mão em questões profundas e sérias. É preciso ter coragem de extinguir a palavra imposto do dicionário da língua portuguesa. Ainda temos desigualdades absolutas convivendo no mesmo bairro. Imagina entre as regiões? Mas o X da questão está em como aproveitar positivamente as características e a singularidade do Brasil para dar esse salto. É preciso compreender isso para organizar um projeto de futuro que contemple a questão cultural, o saber e o fazer do povo brasileiro de uma maneira muito mais séria e consistente.
Qual será o perfil de quem ganhará as eleições de 2014 para a Presidência da República?
Os elementos estão dados. Quem entender que a coisa substantiva e qualificada precisa e pode ser feita e conseguir credibilidade para mostrar isso à sociedade, terá uma vantagem muito grande. Acho que 2014 significará um momento de avanço para o Brasil. Estamos em um ponto de inflexão. O governo de agora é de transição. Se vai conseguir se revisitar, se rever e, em si mesmo, fazer com que a sociedade compreenda que essa transição precisa prosseguir, ok. Do contrário, terá de ter a consciência de que é preciso avançar e surgir nova possibilidade de conduzir o bastão. Os políticos precisam ter humildade num momento como este.
Como?
O político tem de mudar sua visão do que é o poder. O poderoso, o inatacável, o que tem uma polícia para lhe proteger, dançou! Agora é o momento do “baixa o vidro, pessoal”, de expor suas fragilidades e sua autoridade. Fragilidade nem sempre significa perda de autoridade. Ao contrário, muitas vezes a fragilidade é uma força. Não é na arrogância que se conquista as pessoas. Queremos ver que ele anda na calçada como eu, que entra num ônibus como eu, vai a um posto de saúde como eu, usa a escola pública como eu. É preciso acabar mesmo com a hipocrisia.
Já existe alguém com esse perfil para 2014?
Existem, hoje, lideranças no Brasil que estão apontando para um futuro diferenciado. Mas não acho que a questão seja eleitoral. Adoraria que os políticos brasileiros fossem mais despretensiosos em relação ao poder e vissem que, muito mais importante do que chegar ao poder, é o que se vai fazer com aquilo. É o “para quê?”. Tenho uma inspiração política, um homem que respeito muito na história política do Brasil, que é o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes. Ele dizia: “Tem muito político que quer chegar ao poder, quer ser as coisas, mas não se perguntam para quê. Até porque a maioria quer o poder pelo poder, para se dar bem”. No governo federal, no governo de Pernambuco, por exemplo, há avanços muito grandes, mas é preciso saber qual a cenoura da hora. O que pode encantar o eleitor.
É possível falar qual será o grande tema da eleição?
Com a velocidade que as coisas acontecem, é muito perigoso falar sobre o que vai acontecer no ano que vem. É preciso que os governantes cuidem de seu roçado, façam o dever de casa e mostrem ao eleitor que cumpriram o que prometeram. Quem tiver isso como base e um projeto para o futuro vai estar muito mais preparado para enfrentar o que virá.
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‘O papa Francisco deixou grande lição aos políticos: baixem o vidro!’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU