Uma saia justa nas mudanças climáticas. Artigo de Marco Antonio Fujihara

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23 Julho 2013

"O anúncio feito pela China em relação à intenção de limitar, a partir de 2016, as emissões de gases efeito estufa (GEEs) representa uma reviravolta na ordem mundial das mudanças climáticas. Até agora, a resistência chinesa em assumir um teto para as emissões era apontada por outros países, entre os quais o Brasil, como a principal razão para não aceitarem metas obrigatórias", assinala Marco Antonio Fujihara, consultor do Banco Mundial, em artigo publicado no jornal Valor, 22-07-2013.

Segundo ele, "é urgente que as demais nações aprendam com o exemplo chinês, aceitando discutir metas de redução de emissão".

Eis o artigo.

O anúncio feito pela China em relação à intenção de limitar, a partir de 2016, as emissões de gases efeito estufa (GEEs) representa uma reviravolta na ordem mundial das mudanças climáticas. Até agora, a resistência chinesa em assumir um teto para as emissões era apontada por outros países, entre os quais o Brasil, como a principal razão para não aceitarem metas obrigatórias. O discurso da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, sempre foi de que se manterá firme na luta contra o aquecimento global, porém, há uma forte resistência da sociedade brasileira em relação ao estabelecimento de metas obrigatórias.

O principal argumento do Brasil (e também de outros países) era que, se saísse na frente, a China teria uma grande vantagem econômica. Esse entrave - entre diversas nações e o país asiático - vinha inviabilizando um acordo global sobre o tema e frustrando diversas conferências climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU).

Embora a notícia sobre a decisão chinesa tenha tido repercussão limitada na imprensa brasileira, na Europa e na Austrália reverberou com intensidade, um aspecto revelador do grau de envolvimento da sociedade com o tema.

O governo brasileiro assumiu, em 2009, durante a Conferência das Nações Unidas em Copenhague, uma meta voluntária de reduzir entre 36% e 39% as emissões de GEE até 2020. Aquela conferência, aliás, foi a última ocasião em que ocorreu uma tentativa de acordo entre os países desenvolvidos e os emergentes.

De lá para cá, a redução das emissões brasileiras ficou restrita ao setor de florestas, enquanto a quantidade de gases lançado na atmosfera continua crescendo nos demais setores. No começo de junho, foi anunciado com alarde que as emissões brasileiras de gases de efeito estufa caíram 38,7% entre 2005 e 2010 e, com isso, o país teria cumprido 65% da sua meta de redução voluntária de GEE até 2020. Esse resultado só foi alcançado graças à queda de 76% no desmatamento da Amazônia. As emissões cresceram 21,4% no setor de energia, 5,3% nos processos industriais, 5,2% na agropecuária, e 16,4% nos resíduos sólidos. Isso coloca o Brasil entre os maiores emissores do mundo.

A China, atualmente, é a maior poluidora do planeta, tendo liberado 9,7 bilhões de toneladas de GEEs para a atmosfera em 2012 - quase 25% do total das emissões mundiais. Sua proposta de limitar as emissões, anunciada no final de maio, ainda precisa ser aprovada por Pequim, mas tem grandes chances de aprovação, pois conta com o apoio do presidente Xi Jinping. Além disso, o governo prometeu investir 100 bilhões de yuan (o equivalente a R$ 30 bilhões) nos próximos três anos para diminuir a poluição.

Um desafio que se impõe a todos os países que decidirem limitar as emissões é a escolha do instrumento mais adequado para viabilizar um acordo, sua implantação e execução. Os dois instrumentos mais utilizados são a tributação das emissões - taxar as empresas pela quantidade de gases de efeito estufa lançada no meio ambiente - e o comércio de emissões.

A taxação das empresas poluidoras é o meio mais utilizado, por ser de aplicação relativamente simples. Mas no Brasil, onde as empresas já convivem com uma carga tributária elevada, seria um custo a mais, com impactos negativos, sob a ótica política, para o governo. É preciso ressaltar ainda que, na maioria dos casos, a punição apenas não significa um avanço se não for acompanhada de uma política de incentivo à redução das emissões.

O outro instrumento, o comércio de emissões via mercado de carbono, é mais complexo e apresenta custo maior do que a taxação. Por outro lado, mostra-se mais atraente e dinâmico e é visto por alguns especialistas como o futuro do mercado global de carbono, pois capacita as empresas tecnologicamente a reduzir as emissões e a negociar créditos dentro de um mercado pela troca de permissões de emissão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2 equivalente).

Como parte da estratégia de reduzir as emissões, a China criou um mercado interno de negociação de carbono. A experiência começou na cidade de Shenzhen, na província de Guangdong, a primeira das sete áreas incluídas no projeto piloto de comércio de emissões, e uma das zonas econômicas especiais do país. Numa primeira etapa, o programa da cidade de Shenzhen incluirá 635 empresas. Até agora, a Bolsa de Emissões de Shenzhen já negociou 21.112 toneladas de carbono, num total de oito operações. A meta do projeto é reduzir, até 2020, a quantidade de dióxido de carbono emitida por unidade de produto interno bruto em 40% a 45% dos níveis de 2005.

As primeiras licenças chinesas de CO2 equivalente foram negociadas a preços entre 28 e 30 yuans (em torno de US$ 4,80) por tonelada métrica, cerca de 22% menos do que o preço das licenças europeias, que hoje custam o equivalente a US$ 6,65 na bolsa ICE Futures de Londres, a maior do mundo no mercado de carbono em volume negociado.

Qualquer que seja o instrumento escolhido, é urgente que as demais nações aprendam com o exemplo chinês, aceitando discutir metas de redução de emissão. E, claro, é urgente que o programa chinês realmente dê certo.