10 Julho 2013
Analistas examinam as manifestações que sacudiram o país nas últimas semanas. Pauta difusa, organização em rede, truculência policial e de grupos anarquistas, antipartidarismo e crítica ao modelo democrático representativo estão entre algumas de suas características
Os protestos que se alastraram pelo Brasil na segunda quinzena de junho desassossegaram o povo, inquietaram os intelectuais e sacudiram a pasmaceira instalada no país desde o impeachment de Collor, em 1992. Que soluções efetivas as reivindicações difusas irão receber? Que tipo e agenda o governo federal irá seguir na relação com os manifestantes daqui para frente? O que esperar dos protestos organizados em rede, descentralizados e notadamente antipartidários? O que essa recusa às siglas demonstra sobre a democracia representativa, duramente criticada por seu esvaziamento e distanciamento do povo? Como compreender a escalada de violência promovida por grupos minoritários, das mais diversas orientações ideológicas, responsáveis por depredações e por semear o medo entre as pessoas que protestam legitimamente? De que forma tudo isso impactará na corrida presidencial de 2014? Essas e dezenas de outras reflexões foram discutidas em cinco entrevistas realizadas pela equipe de jornalismo do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e publicadas em www.ihu.unisinos.br. Confira.
(Para acessar ao arquivo em PDF, clique na imagem)
Carnaval político
“Trata-se de uma onda juvenil, de classe média”, que forma uma força “irresistível que carrega de tudo junto. Algo como um carnaval político e acredito que esta é a melhor maneira de analisarmos o que ocorre”, diz Rudá Ricci em entrevista à IHU On-Line ao comentar as manifestações que tomaram as ruas brasileiras. Diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, e colunista Político da Band News, Ricci localiza o estopim de tudo na manifestação de São Paulo. “A violência da PM indignou a todos e já no sábado era visível pelas redes sociais que a onda emocional se alastrava pelo país, principalmente nas regiões onde há maior nível de instrução: centro-sul do país e litoral nordestino. No início da semana seguinte, na manifestação de São Paulo, a situação já era outra, e o Movimento Passe Livre – MPL perdeu o controle e liderança. Na quarta, teve início a disputa de pautas”.
Ricci observa que as polícias brasileiras “não estão acostumadas a este tipo de conflito de rua, de natureza democrática. Enfrentam o tráfico organizado e situações onde está nítido, para eles, onde está o divisor de águas de conduta moral. Alguns, por convicção ideológica, acreditam que se trata de baderna. Mas não duvido que tenham uma ponta de dúvida ao ver aquela massa de dezenas de milhares de pessoas que avançam pelas ruas, incluindo mães que seguram as mãos de seus filhos pequenos”.
As declarações podem ser lidas em seu conjunto nas Notícias do Dia 27-06-2013, disponíveis em http://bit.ly/1cpBU5h, na entrevista “A disputa política está nas ruas”.
Revoluções 2.0 e esgotamento representativo
Para o sociólogo Giuseppe Cocco, não estamos diante da “falência da política. Ao contrário, trata-se da persistência da política! Diante de tudo que os partidos de esquerda fazem para fornecer munições ao velho discurso antidemocrático e moralista da elite, esses movimentos mostram que a política está viva, apesar dos Felicianos, dos Aldos, da tecnocracia neodesenvolvimentista e da corrupção”. Na entrevista intitulada Mobilização reflete nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles, publicada nas Notícias do Dia 25-06-2013 e disponível em http://bit.ly/146Jm3i, Cocco recorre ao conceito de multidão, formulado pelo italiano Antônio Negri, e pondera que o ciclo de “revoluções 2.0”, com base na internet, “começa a ter uma duração consistente (de mais de 3 anos) e entrou no imaginário, na linguagem de gerações de jovens que não formam mais suas opiniões na imprensa, mas diretamente nas redes sociais”.
Outro aspecto importante é o fato de jovens brasileiros só terem conhecido “o Brasil de Lula”. E dispara: “No Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais (a eleição de Haddad, a reeleição quase plebiscitária do Paes, no Rio), por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do ‘novo modelo’ econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo”. Cocco situa, ainda, o esgotamento da representação política em nosso país, fenômeno “subavaliado” pela esquerda, e sobretudo o PT, que não o compreendeu e continua sem entendê-lo.
Ideologia anarquista
O cientista político e jornalista Bruno Lima Rocha, professor na Unisinos, destaca que há 10 anos temos um governo de centro-esquerda, “vivemos melhor no mundo do consumo, mas estamos desorganizados como povo. Setores inteiros do movimento popular estão desarticulados ou têm relações complicadas – subordinadas – para com o governo”. Em seu ponto de vista, é visível a presença da ideologia anarquista, “tanto em sua forma mais difusa como na mais orgânica, vinculada a Coordenação Anarquista Brasileira, sendo que no RS esta Coordenação tem a Federação Anarquista Gaúcha – FAG como membro. Digo isso por ter total certeza deste dado e afirmo que, para ampliar a democracia direta e a defesa dos direitos coletivos, tal presença é fundamental. Todos os elementos apresentados: horizontalidade, identidade e independência de classe, sentido popular, democracia direta, profunda democracia interna, exercício do direito das maiorias, todas estas categorias estão presentes e constituem a ideologia anarquista em si”. A entrevista “Não é mais possível admitir que uma luta popular tenha como meta a eleição de algum representante” pode ser conferida na íntegra nas Notícias do Dia 21-06-2013, disponível em http://bit.ly/11Rp3DM.
Sinais das ruas
O sociólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, Luiz Werneck Vianna, disse na entrevista por telefone à IHU On-Line que o que ocorre nas manifestações de rua no Brasil é um recusa. “Ao longo desses anos, essa geração cresceu vendo e se confrontando com uma situação em que os partidos e a classe política em geral se desmoralizavam a cada dia (...). Tudo isso foi distanciando a população, especialmente os jovens, da vida institucional. Eu insisto: o problema todo é auscultar de forma correta os sinais que estão vindo e agir da forma mais tempestiva possível, pois há o risco de não haver mais tempo”.
E acrescenta: “se nas ruas não há vestígios de organização, as redes sociais estão absurdamente dominadas por um diálogo interminável a respeito da situação da geração atual, que tomou forma a partir de um episódio que podia ser entendido como algo de menor expressão. O fato também de terem sido rechaçados por uma repressão muito forte, após seus primeiros movimentos, incendiou a imaginação. Enfim, essa geração se pôs no mundo e está aí a sua marca”.
Werneck Vianna pondera que o tema do reconhecimento e o da participação política serviram como “combustível dessa movimentação”. Contudo, ele não acredita que isso esteja vinculado diretamente a causas econômicas. As declarações podem ser conferidas na íntegra na entrevista A busca por reconhecimento e participação política: o combustível das manifestações, publicada nas Notícias do Dia 19-06-2013 e disponível em http://bit.ly/15iYqZr.
Contexto das mobilizações
Manifestação jovem de Porto Alegre. Uma crítica à instrumentalização da vida é o título da entrevista de Carlos Gadea, na qual ele reflete que as mobilizações, “como a dos jovens em Porto Alegre, são resultante de uma crítica a um presente que, paradoxalmente, supõe maior interconexão entre os indivíduos, mas também uma concomitante ‘despersonalização’ e ‘instrumentalização da vida’”. O material foi publicado em 11-03-2013 nas Notícias do Dia, disponível em http://bit.ly/10Yi239.
De acordo com o sociólogo, docente na Unisinos, apesar de os protestos recentes por causa do aumento do preço das passagens em Porto Alegre terem semelhanças com as manifestações do 15M e Occupy Wall Street, eles têm “uma ‘energia’ particular, motivações concretas e uma complexidade própria do seu contexto de aparição”. E completa: “Considero que mais do que em relação direta com essas mobilizações, a ação coletiva de jovens (e que, no decorrer da sua experiência, foi somando a não tão jovens) contra o aumento do valor das passagens de ônibus se vincula muito mais com um contexto de mobilizações recentes (em nível nacional e local) que abordaram diversas temáticas: as ações contra o racismo e a homofobia no país, a ‘Marcha das Vadias’, o ‘ativismo em rede’ no espaço virtual, a mobilização em torno ao Museu do Índio de Rio de Janeiro e, não esqueçamos, o ‘ensaio’ mobilizatório em torno ao ‘Tatu Bola’ e a sua presença no espaço do centro de Porto Alegre, simbolizando uma ‘privatização’ do espaço público e uma violação ao direito à circulação”, explica.
As cinco entrevistas estão publicadas nos Cadernos IHU ideias número 191, intitulado #VEMpraRUA: Outono brasileiro? Leituras. Clique aqui para download em formato PDF ou acesse clicando na imagem acima.
A versão impressa pode ser adquirida escrevendo para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
#VEMpraRUA: Outono Brasileiro? Leituras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU