Por: André | 09 Julho 2013
A Argélia já tem a mesma taxa de natalidade que a Noruega, e a Tunísia a mesma que a França. A demografia inverte o cenário de uma Europa islamizada. Philip Jenkins explica o como e a razão disso.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 08-097-2013. A tradução é do Cepat.
São Francisco iniciou sua missão beijando os leprosos e, do mesmo modo, o primeiro Papa que tem seu nome vai aos limites do humano no início do seu mandato.
Jorge Mario Bergoglio escolheu, como meta da sua primeira viagem, a pequena ilha de Lampedusa, perdida entre a Itália e a Tunísia. E quis fazê-la – explicou – porque estava “profundamente comovido pelo recente naufrágio de uma embarcação que transportava emigrantes procedentes da África, o último de uma série de tragédias análogas”, com a intenção de “rezar por aqueles quer perderam a vida no mar, visitar os sobreviventes e os refugiados, alentar os moradores da ilha e fazer um chamamento à responsabilidade de todos para que se ocupem destes irmãos e irmãs muito necessitados”.
Lampedusa é o símbolo de uma dramática fronteira geográfica e civilizacional. Boa parte dos emigrantes e dos refugiados que chegam a ela são muçulmanos que fazem parte dessa onda migratória que alguns temem que logo transforme a Europa em uma espécie de “Eurabia” islamizada.
Na realidade, este alarmante cenário não está apenas turvado há algum tempo, mas que é cada vez mais desmentido pelos fatos. Há até quem sustente que logo se dará o contrário: não uma Europa cada vez mais islamizada, mas um Magreb e um Oriente Médio cada vez mais “europeus”.
A chave desta interpretação é demográfica, mais que política e religiosa.
Um reconhecido estudioso na análise das grandes mudanças globais converteu-se em um de seus defensores: é o americano Philip Jenkins, membro da comunhão anglicana, professor de ciências humanas na Pennsylvania State University, e o fez num artigo publicado no último número da revista Vita e Pensiero, da Universidade Católica de Milão.
Reproduzimos o artigo na sequência. No mesmo número da Vita e Pensiero encontram-se as opiniões, que vão nesta mesma linha, de dois outros especialistas: Khaled Fouad Allam, muçulmano, professor de sociologia do mundo islâmico na Universidade de Trieste, e Giuseppe Caffulli, católico, diretor das publicações da Custódia Franciscana da Terra Santa.
Aplicando as teses de Jenkins aos cristãos que vivem no Norte da África e no Oriente Médio, Caffulli mostra que a diminuição na natalidade que aproxima cada vez mais estas regiões da Europa afeta também as populações cristãs que ali residem, que “poderiam converter-se numa minoria em vias de extinção” caso não fosse pela crescente chegada a essas mesmas terras de emigrantes cristãos do Extremo Oriente, sobretudo das Filipinas e da Índia do Sul.
A revolução europeia que chega ao mundo muçulmano, de Philip Jenskins
Uma revolução está alterando o Norte da África e o Oriente Médio. Não, não é a revolução conhecida por todos através dos meios de comunicação, ou seja, os protestos contra as ditaduras e as opressões que aconteceram no Egito, na Tunísia e, de maneira mais violenta, na Líbia. A revolução à qual me refiro diz respeito, certamente, a todos os países, mas seus efeitos prometem ultrapassar a mudança de regime ou, também, qualquer nova Constituição. Muitas sociedades muçulmanas estão experimentando uma transformação demográfica à qual o Ocidente presta pouca atenção, mas que as converterá em sociedades muito mais europeias: mais estáveis, mais abertas aos direitos das mulheres e, sobretudo, mais “laicas”. Esta mudança subsiste a todas as rebeliões políticas.
Nesta história, o número mágico é 2,1; este é o número que representa o índice de fertilidade que uma sociedade necessita para manter constante a própria população. Se cada mulher tiver durante a sua vida, em média, um número de filhos maior que 2,1, a população da sociedade à qual pertence poderá expandir-se e haverá uma comunidade cheia de jovens. Caso o índice for menor que 2,1, estas populações sofrerão primeiro um estancamento e, depois, um declive, e a sua idade média aumentará.
Segundo um estereótipo muito difundido, os europeus perderam a visão de longo prazo que lhes teria permitido ter famílias numerosas e a religião não necessariamente os estimula: quanto mais próximo de Roma uma mulher vive, menos filhos ela tem. Quando os analistas olham para a Europa moderna, preocupam-se com as perspectivas de longo prazo por causa do baixo índice de fertilidade em países como a Itália (1,39), a Alemanha (1,41) e a Espanha (1,47). Os especialistas estão preocupados, sobretudo, quando comparam estes índices europeus com os perfis demográficos notoriamente altos do Terceiro Mundo, que contagiaram também o Oriente Médio. Não é difícil imaginar um cenário em que os muçulmanos do Oriente Médio serão mais numerosos que os europeus, criando uma “Eurabia” islamizada.
Mas há um problema. Nos últimos 30 anos estes países do Oriente Médio, que normalmente tinham muitas crianças e adolescentes, começaram a experimentar uma impressionante transformação demográfica. Desde meados dos anos 1970, o índice de fertilidade da Argélia diminuiu de 7 para 1,75, o da Tunísia de 6 para 2,03, o do Marrocos de 6,5 para 2,21, o da Líbia de 7,5 para 2,96. Atualmente, o índice da Argélia equivale mais ou menos ao da Dinamarca ou da Noruega; o da Tunísia é comparável ao da França.
O que aconteceu? Tudo depende das mudanças nos comportamentos e nas especulações das mulheres nestas sociedades, antes muito tradicionais. Em toda a região, as mulheres estão cada vez mais envolvidas em atividades educativas de alto nível e em trabalhos de tempo integral. Esta mudança faz com que para as mulheres seja simplesmente impensável ter uma tribo de sete ou oito filhos. Além disso, as imagens que as mulheres têm do próprio papel na vida modificou-se devido ao contato com a Europa. Os imigrantes na França ou na Itália voltam para casa com os costumes mudados, ao passo que às famílias que permaneceram em suas casas fica difícil que consigam evitar os retratos midiáticos da vida ocidental que veem nos canais de televisão a cabo ou via satélite. Talvez a Europa e o Oriente Médio estejam emergindo como uma única “Eurabia”, mas estamos ainda longe de esclarecer que lado do Mediterrâneo está realizando o melhor trabalho para impor a própria opinião sobre o outro. No momento, parece que o Magreb está se tornando europeu.
Uma mudança tão profunda não pode deixar de ter implicações políticas. Em um país com um índice de fertilidade de Terceiro Mundo é bastante improvável que as mulheres procurem ter - ou que se lhes seja concedida - algum tipo de educação: indubitavelmente, está claro que sua carreira será o de serem mães. Enquanto isso, os adolescentes e jovens proliferam e se convertem em uma grande reserva a ser utilizada nos exércitos e milícias, visto que suas vidas têm um custo especialmente baixo (veja-se o Iêmen e a Somália, onde a fertilidade é respectivamente 5 e 6,4).
Mas tentemos imaginar uma sociedade que poderíamos chamar de mais “europeia”, na qual os homens e as mulheres estejam muito preocupados com seus núcleos familiares e que tenham investido seu amor e sua atenção somente em um ou dois filhos. Como cidadãos sempre mais instruídos, eles estarão preparados para não aceitar a corrupção demagógica e sistemática que foi praticada pelos governos nessas zonas. Ver-se-ão a si mesmos como membros responsáveis de uma sociedade civil, com aspirações que pedirão ser reconhecidas e sentirão o desejo de uma plena participação democrática. Daqui partem as rebeliões iniciadas, por exemplo, na Tunísia, país que tem um índice de fertilidade baixo e profundos vínculos com a França.
Parece que algumas mudanças demográficas tão rápidas estão vinculadas à secularização, um aspecto potencialmente muito significativo no Oriente Médio. Uma forma de família menor pode ser o resultado de uma diminuição das ideologias religiosas, mas também pode acontecer o contrário: que uma fertilidade em baixa leve a esse declínio, como aconteceu na Europa cristã. Quando havia muitas crianças, como nos anos 1950, pressões de uma certa importância mantinham as famílias próximas das instituições religiosas, desde o momento em que aquelas buscavam uma educação religiosa comum e ritos religiosos comuns. O prestígio da Igreja crescia notavelmente quando, anualmente, os sacerdotes se ocupavam de centenas de crianças para a crisma. Mas quando a partir anos 1970 as crianças começaram a diminuir, as igrejas gradualmente se esvaziaram. Ao mesmo tempo, os casais, muito preocupados com a própria realização pessoal e afetiva, começaram a se impacientar com relação a qualquer tentativa por parte do clero de fazer respeitar as leis morais. As mulheres, em particular, começaram a se afastar das igrejas.
Se um precedente do lado europeu pode funcionar como modelo, este poderia servir como hipótese para a evolução da religião no Magreb nos próximos 10 ou 20 anos. Uma sociedade tão dependente das mulheres na escola e no mundo do trabalho como a sociedade europeia simplesmente não pode suportar esse tipo de ortodoxia intransigente que os islamistas oferecem no campo da família. Os extremistas não podem desaparecer da noite para o dia, mas eles deverão adaptar ao presente de maneira substancial sua mensagem em uma sociedade civil que possui um poderoso sentido dos valores democráticos e da igualdade entre homem e mulher.
A demografia, evidentemente, não explica toda a questão; mas tem um papel importante em qualquer tentativa de entender as atuais revoluções políticas no Oriente Médio.