08 Julho 2013
O tema da encíclica é a fé, e essa carta não só é emanada no ano a ela dedicado, mas também é a conclusão do ensinamento de Bento XVI sobre as virtudes teologais, depois das suas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Estamos em uma hora marcada pela crise de fé.
A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 06-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É altamente significativo que o Papa Francisco tenha querido acolher a herança de uma encíclica de Bento XVI e a tenha promulgado acrescentando ao texto novos conteúdos. Não é a primeira vez que isso acontece na Igreja, todavia essa encíclica é capaz de testemunhar a continuidade da ação de confirmar os irmãos na fé por parte do sucessor de Pedro e, ao mesmo tempo, de dar um sinal da fraternidade entre o bispo de Roma emérito e o atual.
O tema da encíclica é a fé, e essa carta não só é emanada no ano a ela dedicado, mas também é a conclusão do ensinamento de Bento XVI sobre as virtudes teologais, depois das suas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Estamos em uma hora marcada pela crise de fé: da fé em Deus, certamente, e, portanto, naquele que contou Deus, Jesus Cristo (cf. Jo 1, 18). Mas crise também da humanidade da fé, da fé como ato humano, fé-confiança como fundamento necessário para o caminho de humanização.
O Papa Francisco nos oferece um aprofundamento da fé, percorrendo para nós o caminho da história da salvação: a fé é aquela que apareceu entre os homens com Abraão, o pai dos crentes; foi a fé de Israel, o povo de Deus; foi fé realizada em Jesus Cristo, "origem e cumprimento" da fé cristã (cf. Hb 12, 2). Essa fé, que continua sendo um dom de Deus e sempre nasce da escuta (cf. Rm 10, 17), no ser humano se faz exercício e se conjuga de modo fecundo com a inteligência e a razão humanas, com o próprio coração do ser humano, e é a verdadeira luz para o conhecimento de Deus e da verdade que é Jesus Cristo (cf. Jo 14, 6), na medida do possível ao ser humano.
Mas a fé vivida, conservada e anunciada pela Igreja também é uma fé que diz respeito a toda a humanidade, é para o "bem comum" e é capaz de dar sentido à vida dos homens e das mulheres, vida frágil, devotada à morte, que na fé torna-se encontro com o Senhor na vida para sempre.
Se esse é o traço da encíclica, seria preciso muito mais espaço para destacar as passagens extremamente significativas e performativas das palavras do Papa Francisco. Mas quero evidenciar ao menos três aquisições decisivas.
Acima de tudo, a afirmação forte segundo a qual a fé não é o espaço vetado à razão, não é um salto no vazio, não é um sentimento cego, nem mesmo um fato subjetivo, uma concepção individualista. É verdade que ela sempre é um dom e consequentemente, um ato pessoal, mas ela é capaz de iluminar o caminho de cada ser humano, de fazer compreender a história do ser humano e do universo, de dar um sentido à dura tarefa de viver que coube como destino ao ser humano.
Outra afirmação forte refere-se ao conteúdo dessa fé: é o amor ou, melhor, é o "Deus" que "é amor" (1Jo 4, 8,16). Quem são os cristãos? Aqueles que "acreditaram no amor" (cf. 1Jo 4, 16). E quando não se acredita em amor, acaba-se acreditando nos ídolos, que são um falso antropológico antes de ser um falso teológico. A idolatria é o contrário da fé, é a idolatria alienante que "pede que um rosto humano se curve a um rosto que não é um rosto humano" (Martin Buber), mas sim o rosto de um senhor-patrão que não permite nem liberdade nem amor.
Por fim, justamente porque os cristãos foram definidos paradoxalmente como "os crentes" (At 2, 44), eles confiam em Jesus Cristo, o Deus-homem, confiável porque é fiel ao Pai e ao ser humano até a morte, até dar a própria vida pelos seres humanos, seus irmãos e amigos. A fé cristã não pode não ser amor por Jesus Cristo, porque "o próprio amor é conhecimento" (São Gregório Magno). Portanto, estando a fé estreitamente conectada ao amor, ela não pode ser imposta com a violência, não pode ser uma verdade que esmague o indivíduo, não será fé intransigente e nem mesmo arrogante, mas humilde. A verdade, de fato, nunca será possuída por ninguém, mas sempre nos possuirá e nos precederá, porque a verdade é uma pessoa, Jesus Cristo!
E para todos aqueles que não se dizem cristãos nem crentes em Deus, a mensagem da encíclica é de grande esperança: "Na medida em que se abrem ao amor de coração sincero (…) já vivem, sem o saber, no caminho para a fé". Sim, é preciso de fé-confiança para todos os seres humanos, e acima de tudo é preciso acreditar no amor. A quem crê no amor, Deus se dará a conhecer de um modo conhecido apenas por ele, e ele o associará ao mistério pascal de Cristo (cf. Gaudium et Spes, 22).
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Lumen fidei: o amor é o caminho. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU