02 Julho 2013
Com uma pitada de malícia, se poderia até pensar que, instituindo a comissão sobre o IOR, o Papa Francisco deu uma espécie de "luz verde" em código para a magistratura italiana. Naturalmente, trata-se de um exagero, mas a revolução no Vaticano de Jorge Mario Bergoglio e os defeitos que os juízes tentam descobrir do outro lado dos Sagrados Muros legitimam o cenário de uma aliança de fato.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 29-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ninguém pensa que as prisões do monsenhor Nunzio Scarano, de um dirigente do serviço secreto, Giovanni Maria Zito, expulso há três meses da AISI, e do financista Giovanni Carenzio se destinam a permanecer isoladas. O caso é surpreendente porque é o primeiro depois do conclave, mas representa apenas uma etapa de uma série de procedimentos que poderiam provocar muito mais barulho: começando por medidas contra uma parte da cúpula do Instituto para as Obras de Religião.
"Está acontecendo algo extraordinário", comenta um dos conhecedores mais profundos do IOR. "A estratégia do papa é obstaculizada pela velha Cúria e apoiada pelos magistrados. Quem está ajudando a renovação da Igreja Católica hoje é a magistratura".
Certamente, a coincidência temporal entre a iniciativa da "comissão referente" tomada por Francisco e a medida da Procuradoria de Roma a 48 horas de distância levam a pensar em investigações e conclusões de resultados semelhantes. E reforçam a tese daqueles que destacam a urgência de uma reforma radical e a vontade do pontífice de promovê-la. Além disso, certificam a obrigação de acelerá-la, porque esse é o mandato dado pelo conclave de março.
Basta se perguntar quais seriam as reações se as prisões de ontem não tivessem sido precedidas pelo "rasgo" de Bergoglio. No mínimo, o Vaticano teria aparecido atordoado. Mas, desta vez, ele se movimentou antes, e não depois.
As declarações do diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, o jesuíta Federico Lombardi, refletem a consciência de ter agido a tempo. "Como se sabe, o monsenhor Scarano havia sido suspenso da APSA há mais de um mês", disse o padre Lombardi. E, embora as autoridades italianas não tenham feito nenhum pedido, o Vaticano "confirma a disponibilidade a uma plena colaboração".
As palavras de um oficioso "porta-voz do IOR" revelam que também foi iniciada uma investigação interna: "Em linha com a política de tolerância zero promovida pelo presidente do IOR, Ernst von Freyberg", acrescenta-se, enfatizando a estranheza do banqueiro alemão diante das investigações que levaram às prisões de ontem.
Mas o pano de fundo obscuro que está surgindo acaba ampliando as responsabilidades daqueles que, na Cúria, não perceberam nada, permitindo transferências de dinheiro ilegais e, em todo caso, não vigiaram suficientemente, nem denunciaram irregularidades.
Reafloram antigas perplexidades e suspeitas sobre o comportamento de personagens próximos ao secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone. Seja porque Mons. Scarano era um dirigente da APSA (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica), presidida pelo cardeal Domenico Calcagno, nomeado por Bertone; seja porque o secretário de Estado ainda preside a comissão cardinalícia de vigilância do IOR: o órgão que deveria vigiar as atividades do "banco vaticano".
Se Scarano foi capaz de movimentar milhões de euros entre a Itália e a Suíça durante meses, e se ele havia sido apelidado de "monsenhor 500 euros" porque sempre tinha grandes notas na sua carteira, isso significa que ele gozava de uma fama controversa. No entanto, ele agiu sem que ninguém o parasse na APSA. E isso explica por que o pontífice decidiu desautorizar os órgãos já existentes, criando outro de sua confiança exclusiva.
Dos cinco membros da velha estrutura de vigilância do IOR, apenas o cardeal francês Jean-Louis Tauran foi inserido por Francisco na nova "comissão referente". E o único italiano é o salesiano Raffaele Farina, que goza de uma estima unânime por rigor e independência de julgamento. Surpreendentemente, nem Attilio Nicora teve encargos: talvez porque ele ainda seja o presidente da AIF, a Agência de Inteligência Financeira do Vaticano.
"Agora assistiremos a uma disputa dos curiais para defender que sempre pediram transparência", prevê um dos guardiões dos segredos do IOR. "E talvez se tentará reorientar a comissão referente ao longo do eixo Vaticano-Itália. São esses os verdadeiros jogos da Cúria". Na filtragem dos venenos cruzados, os adversários já amaldiçoam Calcagno porque, na hora do almoço, ele é visto cada vez mais frequentemente em Santa Marta, a residência onde o Papa Francisco vive e almoça.
Trata-se de misérias, no entanto, em comparação com a incerteza e o pânico que estão provocando os transtornos em andamento. O problema é entender o que o baú do IOR contém, como refundá-lo e quais italianos referentes ter no futuro. Os primeiros rumores falam de uma longa lista de testemunhas que a "comissão Bergoglio" se prepara para convocar nas próximas semanas: começando pelos velhos líderes do "banco vaticano". Incluído, parece, Ettore Gotti Tedeschi, presidente do IOR de 23 de setembro de 2009 a 26 de maio de 2012.
Gotti Tedeschi foi desmoralizado unanimemente por uma cúpula com a qual as relações haviam se deteriorado, disse-se, até mesmo no plano pessoal. Mas a explicação está se revelando insuficiente. A sua brusca carta de demissão veio depois de um longo e surdo conflito interno, que também tinha como objeto a reforma do Instituto e as normas sobre a lavagem de dinheiro sujo.
Os movimentos do papa e, agora, as primeiras medidas tomadas pela Procuradoria de Roma reabrem de modo traumático uma história que alguém tinha se iludido de fechar apressadamente, continuando a se comportar como antes. Mas a renúncia de Bento XVI e o conclave posterior são um divisor de águas impossível de remover.
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Por que Bergoglio decidiu uma reforma radical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU