29 Junho 2013
A decisão da Suprema Corte dos EUA de anular a lei federal em "defesa do casamento" – que vetava o casamento gay – reflete uma profunda mudança na vida norte-americana.
A reportagem é de Alexander Stille, publicada no jornal La Repubblica, 27-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa lei havia sido assinada há menos de 20 anos por Bill Clinton, um presidente democrata com o apoio bipartidário. A lei foi aprovada com 342 votos a 67 na Câmara e 85 contra 14 no Senado, refletindo a realidade política dominante do momento. Era 1996, houve eleições à vista, e muitos democratas, mesmo não gostando da lei, haviam sentido a exigência de votá-la por medo de serem massacrados nas urnas.
Teoricamente, a Suprema Corte não deveria prestar atenção nem às pesquisas nem às urnas, mas não é por acaso que essa decisão foi tomada quando, pela primeira vez, a maioria dos norte-americanos aprovam o direito dos homossexuais de se casarem.
Em apenas cinco anos, desde que o presidente Barack Obama foi eleito pela primeira vez em 2008, o percentual de norte-americanos que apoiam o casamento gay passou de uma clara minoria, 44%, para uma clara maioria, 55% hoje.
Se voltarmos no tempo, a mudança é ainda mais radical. Em 1965, 70% dos norte-americanos consideravam a homossexualidade um fato nocivo, e estava na pauta do dia ver pessoas, descobertas na sua homossexualidade, expulsas do seu posto de trabalho (prática que continua sendo legal em muitos Estados dos EUA).
Em 2004, os republicanos promoveram um referendo contra o casamento gay, juntamente com as eleições presidenciais em vários Estados-chave para estimular o voto conservador, uma medida que, segundo alguns cientistas políticos, garantiu a vitória mínima de Bush em dois ou três Estados precisamente graças a um forte voto antigay. Somente oito anos depois, em 2012, Obama (lendo atentamente as pesquisas) decidiu apoiar abertamente o casamento gay e conseguiu usá-lo como ponto forte na sua reeleição.
O que mudou, portanto, na sociedade norte-americana? O movimento pelos direitos gays "normalizou" a homossexualidade e soube usar sabiamente a linguagem dos direitos civis pela sua batalha. Deslocando o debate de um plano moral-religioso a um plano jurídico, os gays apelaram a sentimentos de justiça muito sentidos. O movimento pelos direitos gays encorajou milhões de homossexuais a sair a público. Celebridades muito queridas revelaram ser gays, e personagens abertamente homossexuais se tornaram cada vez mais presentes na cultura popular.
Assim, os Estados Unidos descobriram que (grande surpresa) os homossexuais estão presentes em todos os Estados (azuis e vermelhos), em todas as classes econômicas e em (quase) todas as famílias. Portanto, até mesmo políticos ultraconservadores como o vice-presidente Dick Cheney e Newt Gingrich viram a filha (no caso de Cheney) e a irmã (no caso de Gingrich) sair das sombras, pondo um problema político.
Inclusive um político "superduro" como Cheney teve que se demonstrar um pouco mais suave com relação aos direitos homossexuais para não perder a filha. O ex-chefe da campanha eleitoral de George Bush e de Dick Cheney em 2004, Ken Mehlman, se declarou gay em 2010 – sinal dos tempos – e apoiou a causa do casamento gay.
No mundo do esporte profissional – por muito tempo baluarte da homofobia –, muitos também começaram a professar tolerância aos gays. Quando um fã do grande jogador de basquete Kobe Bryant tuitou a palavra "bicha", a estrela dos Lakers rapidamente respondeu: "Not cool".
Não é por acaso, portanto, que o apoio aos direitos gays aumente nos dois principais partidos, enquanto a política racial se torna uma questão cada vez mais polarizada. Em alguns Estados do Deep South, 90% dos brancos votaram contra Obama em 2008 e também em 2012. Quanto iniciativas para o casamento gay tiveram sucesso em Estados bastante moderados como Iowa e Maryland. Talvez porque muitas famílias conservadoras descobriram ter filhos e primos gays, o que não acontece muito frequentemente com relação à cor da pele.
Isso ajuda a explicar por que a Suprema Corte desmantelou um dos pilares dos direitos civis para os negros (o Voting Rights Act) na mesma semana em que anulou a lei em defesa do matrimônio tradicional. Em 1901, o renomado escritor satírico Finley Peter Dunne escreveu que "a Suprema Corte segue as urnas". Isso ainda é verdade.
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''Os norte-americanos entenderam que a defesa dos direitos é uma conquista de civilização'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU