29 Junho 2013
Bispo emérito da Diocese de Duque de Caxias (RJ) e presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, dom Mauro Morelli, 77 anos, é um dos principais ativistas contra a fome no país. A vitória nessa batalha, afirma, não está em iniciativas assistencialistas. A estratégia correta, prega dom Mauro, reside em medidas que diminuam a desigualdade de renda, como a aposta na educação. A ampliação de programas de alimentação na escola, o que fortaleceria agricultura familiar brasileira, é uma das prioridades.
A entrevista foi publicada pelo jornal Zero Hora, 28-06-2013.
Eis a entrevista.
Como o Brasil pode acabar com a fome?
A fome é um problema social grave, de matriz econômica e solução política. Não existe nada que desfigure tanto o ser humano quanto passar fome. A pior corrupção é um país concentrar riqueza e gerar exclusão e fome. O que nós produzimos no país deve se reverter em bens repartidos. A comida é um exemplo. Precisamos que haja um ajuste na distribuição dos bens. Com tudo que já se fez, e foi feito muito, acabou que foi pouco, dada a amplitude do problema. Estou falando da política do governo (de combate à fome). O enfoque é assistencial. O Bolsa-Família é uma exigência dos direitos de natureza assistencial. Mas temos de defender medidas estruturais e estruturantes que entrem na causa.
Quais seriam essas mudanças estruturais e estruturantes?
A revisão do modelo de desenvolvimento e de concentração de riqueza. A disparidade dos salários no Brasil é imensa. Isso tem de ser resolvido pelo Congresso. É preciso taxar grandes fortunas, rever essa estrutura. É uma questão de segurança nacional. Como as pessoas vão se alimentar se não têm recursos? Outra coisa que é importante é de natureza da política agrária e agrícola. Reforma agrária é um projeto capitalista, não socialista. Os Estados Unidos fizeram, o Japão fez, e o Brasil, não. A FAO (órgão das Nações Unidas para alimentação e agricultura) reconhece que quem mais produz alimento é a agricultura familiar. Outra solução para repartir a riqueza é a escola de tempo integral. A criança passa oito horas na escola e estuda. Não é possível educar ninguém sem alimentação. Pobres e ricos deveriam comer na escola.
Como a agricultura familiar pode ser apoiada?
Hoje, você tem algumas políticas interessantes, como o Programa de Aquisição de Alimentos, que é uma concessão do tipo “vamos ajudar esse sujeito, dar um apoio para ele”. Mas é mais do que isso. O Brasil conquistou um grande programa de alimentação escolar. Não é apenas um lanche, é uma alimentação completa. A alimentação é determinante para o Brasil ser um país de primeira linha. Trinta por cento deve ser abastecido pela agricultura familiar, produzido no município. O alimento mais saudável é aquele produzido mais próximo da escola, por aquele que come o que produz.
E qual seria o papel do Rio Grande do Sul, que tem uma agricultura familiar muito forte?
Acho que a agricultura familiar gaúcha deve ser sujeito de um grande processo de transformação cultural por meio da sua organização, de sua competência, e promover aquilo que se chama de economia solidária. Governos deveriam apoiar e investir na agricultura familiar. Isso significa apoiar o que é vida nos seus municípios. A vocação do Brasil é ser um grande produtor de alimentos. Mas alimentos saudáveis.
Os senhor sente as suas causas contempladas nos protestos que estão ocorrendo no país?
Estamos vendo uma sociedade consciente de que há muitas coisas acontecendo e não está satisfeita. Fico feliz de ver a juventude indo para a rua. É um processo de grande valor pedagógico. Ajuda as pessoa a ter maturidade. É um processo de maturação do exercício da cidadania.
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“A pior corrupção é gerar exclusão e fome” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU