Por: André | 28 Junho 2013
O Papa Francisco é um homem livre. Ele quer assumir a função suprema na hierarquia católica, mas não como prisioneiro da carapaça protocolar ou mundana que envolvia até então o trabalho. Talvez o exemplo mais forte desta liberdade papal seja o gesto de Francisco, no sábado, 22 de junho, não indo assistir a um concerto em sua homenagem por ocasião do Ano da Fé, fato com que contava o interesse midiático em torno dos 100 dias de seu pontificado. Enquanto no Vaticano 6.000 pessoas estavam esperando por ele na Sala Paulo VI, ele mandou comunicar que não poderia assistir devido a uma “tarefa urgente e impossível de adiar”, sem dar maiores detalhes, desprestigiando centenas de convidados e, sobretudo, a Orquestra da Rai. A 9ª Sinfonia de Beethoven foi tocada em sua ausência.
A reportagem é de Jean Mercier e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 25-06-2013. A tradução é do Cepat.
Um espetáculo de prestígio? O Vaticano sempre estava acostumado com este tipo de gênero de happening onde se reúne a nata de uma certa sociedade romana que gosta de misturar divertimento e mundanidades, ansiosa para se encontrar e acotovelar com os monsignori da Cúria, também eles ávidos por contatos e intercâmbios. Ora, a quintessência do que Jorge Mario Bergolio detesta acima de tudo é a mundanidade eclesiástica. Ele não deixou de fustigá-la, primeiro como arcebispo de Buenos Aires, depois como papa. Por trás desta mundanidade está o perigo da corrupção da hierarquia pelas honras ou pelas “generosas doações”. O Vatileaks revelou, no ano passado, que muitos indivíduos, desejosos para ter uma fotografia com o papa, ciscam em torno da Santa Sé, e pressionam em altas esferas por meio do talão de cheques.
Em vez de saborear Beethoven, o papa participou do encontro de todos os núncios apostólicos reunidos em Roma, o que não acontecia há anos, segundo Frédéric Mounier, do La Croix. Segundo o vaticanista italiano Giacomo Galeazzi, o papa teria confiado a pessoas próximas a ele a profunda razão da sua deserção: “Eu não sou um príncipe da Renascença que ouve música em vez de trabalhar”.
Mesmo se esta última frase não foi provada, e mesmo se comentaristas afilados como o vaticanista John Allen Jr. nos convidam a não sobrevalorizar esta “cadeira vazia” – este gesto muito sugestivo. O papa rejeita a mundanidade da Corte e a vaidade dos cortesãos. No entanto, ele aceita governar a cúpula: o que é mais realengo do que o encontro com toda a diplomacia vaticana?
A decisão de Bergoglio de não ir ao concerto confere todo o seu peso às suas palavras anteriores de denúncia da mundanidade. Ele não se contenta em falar, mas age, inclusive com uma forma de “violência” calculada. Pois o papa assumiu conscientemente o risco de desagradar profundamente os organizadores do concerto e fazer inimigos, mesmo se eles continuam a mostrar-se sorridentes na sua frente. Tanto mais que no dia seguinte, o papa não poupou seu tempo para acolher crianças que vieram de trem ao Vaticano. Assim, ele procura pressionar aqueles que, no Vaticano, têm interesses no sistema mundano.
Este risco mostra o preço que o papa está determinado a pagar para demonstrar a sua liberdade. Anteriormente, a sua decisão de não morar nos apartamentos pontifícios foi vista como uma forma de resistência ao sistema de corte que prevalecia no Vaticano, onde antes se falava do “palácio apostólico” com uma nuance de reverência sagrada, porque era habitado pelo papa. Na casa de Santa Marta, onde decidiu permanecer após sua eleição, o papa reúne muitos “simples mortais” ou bispos e sacerdotes que estão de passagem por Roma. O local manteve-se neutro.
O caso do concerto reforça, portanto, a escolha por Santa Marta: recusa da mundanidade, recusa da Corte, mas não recusa da “realeza” pontifical bem compreendido, isto é, como uma instância de governo a serviço dos outros (via núncios), e, em primeiro lugar, dos pobres, como se viu no dia seguinte, quando o papa ocupou seu tempo com as crianças pobres.
Ser livre é também a palavra de ordem que se encontrava na exortação que ele dirigiu aos núncios, às vésperas do concerto: “ceder ao espírito do mundo leva a agir em favor da sua própria realização e não para a glória de Deus. É uma espécie de conforto burguês do espírito e da existência que nos leva a nos adaptar a fim de conceder uma vida cômoda e pacífica... Ora, nós somos pastores, o que nunca devemos esquecer. Os representantes pontifícios são pastores que garantem uma presença sacerdotal...”.
E o papa acrescentou, em relação à seleção dos futuros bispos, o que é sua incumbência: “Estejam atentos para que os candidatos sejam próximos das pessoas, humildes, pacientes e misericordiosos, sensíveis à pobreza interior, entendida como liberdade para o Senhor, e exterior, como modo de vida simples e austero. Que eles não tenham uma mentalidade aristocrática, não sejam animados pela simples ambição de ser bispo”. De alguma maneira, homens livres, ao mesmo tempo da sua necessidade de reconhecimento, porque não é “negociável”, e, portanto, capazes de estar à altura da missão.
Ser livre é também a mensagem que ele manda aos jovens, no Ángelus de 23 de junho, ao evocar o martírio na vida cotidiana a serviço da verdade. “Não tenham medo de ir na contracorrente, quando lhes propõem valores estragados, como podem ser os alimentos; tenham este orgulho de ir na contracorrente. Avante!”.
Ser livre é também a possibilidade de denunciar verdades que incomodam e denunciá-las através da Igreja, o que o papa Francisco faz ininterruptamente... E podemos nos perguntar se a importância que o Papa dá à questão da pobreza da Igreja não é também uma clara vontade de pleitear por sua liberdade. Não foi Francisco de Assis que disse que o problema da posse dos bens é o medo que temos de perdê-los, a preocupação que temos para protegê-los? A pobreza da Igreja, se ela lhe permite atingir melhor as periferias existenciais e os pobres, concede-lhe também sua liberdade fundamental, básica. Sem dúvida, é a mensagem essencial dos primeiros 100 dias de pontificado.
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O Papa é um homem livre, segundo revista francesa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU