21 Junho 2013
À despeito de sua origem, o PT não foi capaz de assimilar novos movimentos sociais que surgem no País a partir das conexões virtuais e redes sociais, um ato completamente desconectado das esferas formais sobre as quais o partido exercia certo domínio, como centrais sindicais, MST, movimentos de moradia, entre outros. Um claro mea culpa e alerta foi feito ontem pelo presidente do PT de São Paulo, Edinho Silva, em texto divulgado a dirigentes e políticos do partido.
A entrevista é de Malu Delgado e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 21-06-2013.
O PT, segundo o dirigente, precisa encontrar logo uma agenda, sobretudo à juventude, para dialogar com esses movimentos que surgem. "A juventude não se satisfaz mais com ganhos materiais. Temos que construir uma agenda que dialogue com essa manifestação, inspirada na rebeldia, legítima." Ele disse que não tomou conhecimento da decisão da direção nacional do partido, comandada por Rui Falcão, de convocar os petistas às ruas, e evitou opinar sobre a decisão do colega.
Eis a entrevista.
O sr. divulgou nota em que avalia os movimentos das ruas e há um ar de mea culpa do PT. Por que afirma que o partido errou ao fazer leitura das transformações sociais recentes?
O texto foi elaborado para discussão do diretório que ocorre na sexta-feira (hoje). Na minha avaliação, o PT não esteve atento ao que estava acontecendo na formação desses movimentos sociais que estão nas ruas, que é um fenômeno que já havia ocorrido na Primavera Árabe, em países da Europa, nos Estados Unidos e também na América Latina. O PT não deu a devida atenção a essa nova forma de construção de movimentos sociais que é na interação virtual, pelas redes sociais. Nem o PT, nem as centrais sindicais, nem as centrais que trabalham com movimentos sociais deram a devida atenção. E o fato de não ter dado a devida atenção gerou tanta surpresa. Surpresa não só dos partidos e de entidades mais tradicionais ligadas aos movimentos sociais, mas de cientistas políticos, sociólogos, historiadores... Ninguém conseguiu dimensionar o nascedouro desses movimentos.
Uma das palavras de ordem do movimento é "O povo, unido, governa sem partido". Há clara rejeição a representação política formal, partidária. O PT tenta, perdido, descobrir uma nova agenda para ter interlocução social com esses grupos?
Pelo fato de nascerem no ambiente e na interação das redes sociais, esses movimentos não tem relação orgânica com as instituições consolidadas. Por isso têm um discurso forte que se aproxima da teoria anarquista. No meu entender, isso é o que mais preocupa, porque quando você nega o Estado, os partidos, as instituições, as mediações existentes frutos da construção democrática, aí tem um caldo de cultura que leva ao pensamento autoritário e a manifestações autoritárias. Agora, não adianta refutar. Muitas vezes os formuladores das palavras de ordem não têm a dimensão de que podem criar um caldo de cultura para que apareçam aventureiros que se colocam acima das instituições, acima do ambiente democrático. Mas é um risco e a história está cheia de exemplos. O que eu penso é que as instituições progressistas e democráticas têm que construir uma agenda que dialogue com essa manifestação, que está inspirada na rebeldia. Mas, em vez de negarmos essa manifestação, temos que trazê-la à reflexão para a construção de uma agenda. O que é urgente? Que os governos construam uma agenda de diálogo com esses movimentos e que as instituições democráticas disputem o ideário deste movimento para que não guinde para posições mais conservadoras e autoritárias. É o papel dos partidos, das instituições.
Em seu texto, enfatiza que o movimento é legítimo. Em outra nota, o presidente nacional do PT diz que o partido deve impedir que a 'mídia conservadora' e a 'direita' influenciem as pautas do movimento. São visões distintas.
É claro que num movimento de milhares de pessoas, ou milhões nas ruas, há reivindicações legítimas. Penso que uma reivindicação implícita que surge é uma reforma de Estado. Existe uma ansiedade da juventude que está nas ruas de ser sujeito do processo histórico. É uma juventude pós-Lula, pós-Dilma. Uma juventude que foi beneficiada por avanços de um crescimento econômico, distribuição de renda. Portanto, se beneficiou por ganhos materiais que são históricos e relevantes. Mas eles querem mais. Não se satisfazem apenas com ganhos materiais. Querem participar do processo político. Está implícito nesse movimento a necessidade de reforma do Estado para termos espaços permanentes de participação da sociedade civil. Mas um movimento com essa dimensão, tem de tudo. Tem a expressão de uma nova cultura política até pessoas que vão manifestar violência.
O PT teme que se transforme num protesto antigoverno?
Não há condições objetivas criadas para isso. A juventude que lidera esse movimento foi muito beneficiada pelos governos do PT. As forças de oposição ao nosso projeto podem tentar induzir para isso, mas não acredito que vá chegar a configuração como essa. Mas se houver uma leitura de que o movimento não é legítimo, não tenho nenhuma dúvida de que pode virar um movimento de enfrentamento ao Estado.
O PT nacional conclamou os petistas a irem às ruas. Não é um tiro no pé nesse momento tenso?
Não participei da reunião nacional. O dia todo ontem a bancada de SP agiu para colaborar com o processo aqui. Não sei como foi o debate, prefiro não opinar. Li a carta do Rui Falcão. É precisa, correta. Como ela foi interpretada e o que induziu não posso opinar.
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‘PT não deu atenção a essa nova forma de movimentos sociais’, diz petista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU