Por: André | 15 Junho 2013
A economia e a teologia podem dialogar? Qual é a opinião de um teólogo, de um economista e de um sindicalista sobre a liberdade, a fé ou os mercados? Há soluções éticas para a crise econômica? Quais? Viver em meio a “O amor em tempos de cólera... econômica” foi um dos eixos da apresentação-debate do último livro de José Ignacio González Faus, editado pela RD-Khaf, e que, na terça-feira passada, dia 11, reuniu cerca de 100 pessoas no Colégio Maior Chaminade.
A reportagem é de Jesús Bastante e publicada no sítio Religión Digital, 12-06-2013. A tradução é do Cepat.
“Não foi minha vocação, mas Cristo e os pobres que me meteram na economia”, apontou o autor, acompanhado na mesa pelo ex-secretário geral das CC.OO., José María Fidalgo, e pelo economista e pastoralista Pedro José Gómez Serrano. Iniciaram a conversa os editores, Juan Pedro Castellanos, por parte da Khaf, que recordou a “aposta arriscada e muito bem avaliada” do caminho empreendido entre a editora e o nosso sítio, ao passo que o diretor de Religión Digital, José Manuel Vidal, agradeceu o papel da editora marista, “uma lufada de ar fresco no panorama do livro religioso”.
Sobre o livro, Vidal destacou que “é uma maravilha, pelo que diz, como o diz e por quem o diz”, uma figura que “permaneceu na mística da resistência ativa durante estes longos anos de inverno” e cujo papel, como o de tantos outros, torna possível que “estejamos assistindo a esta nova expectativa que se abre na Igreja com o Papa Francisco”.
Teólogos que falam de economia
Pedro José Gómez Serrano, que abriu os debates, perguntou-se se os teólogos podem falar de economia, e destacou como o Concílio Vaticano II “acertou na Gaudium et Spes” ao assinalar os limites do capitalismo selvagem. “Na economia não vale qualquer coisa, nem apenas a intenção. As ações têm consequências positivas ou negativas, e, portanto, merecem um julgamento”.
Sobre o livro de Faus, Gómez Serrano destacou que “critica os fundamentos da ciência econômica, o dogma do egoísmo e os mercados. É um livro que expressa os protestos dos cidadãos contra o dogmatismo e a demagogia que existe entre os economistas e os políticos”. Faus grita por “uma oposição leal, que não seja uma fábrica de insultos e desqualificações, mas de alternativas”.
“O livro é escrito pensando nas vítimas e seus problemas, naqueles que foram reduzidos a poeira, desorganizados. E Faus expressa em voz alta, em sintonia com isso, protestos. O livro traz uma voz cristã crítica e propositiva”, acrescentou o economista, que destacou que o jesuíta “denuncia a idolatria que está obcecada em melhorar o bem-estar, e que converte as pessoas em desalmadas e trapaceiras”.
Sobre o papel dos cristãos, Gómez Serrano apontou que “a Doutrina Social da Igreja é muito radical, e aplicá-la significaria uma mudança revolucionária no mundo socioeconômico, e aí a Igreja tem muito a contribuir”. Com um problema: “há pouca presença, e a que existe está crispada, utilizando a condenação como arma de arremesso”.
Para finalizar sua intervenção, Gómez Serrano pediu para que a “Igreja gorda”, institucional, mas também os demais seguidores de Jesus, “tome consciência do caráter planetário de nosso mundo; aponte que, enquanto não mudarmos o sistema, nem todas as versões do capitalismo são iguais, e que, em boa medida, o capitalismo continua funcionando porque conta com a nossa cumplicidade”. “Somos dois bilhões de cristãos. Se nós levássemos a sério isso, a coisa poderia ser diferente. Por isso, a maior contribuição da Igreja é ‘produzir’ pessoas boas. Sem isso não há mudança”.
Do mesmo modo insistiu na necessidade de “ser aliados das vítimas e alimentar a esperança, a criatividade e a coragem”. “Não esqueçamos que o Evangelho de Jesus, compartilhando dois pães e cinco peixes, criou tendências. O Evangelho não criou soluções, marcou tendências”.
Amor é o que fazem os que querem que o mundo siga
José María Fidalgo, por sua vez, agradeceu a Faus “por escrever bem. Lê-se o livro com gosto, é um livro cheio de teses, e creio que tem razão”. O ex-secretário geral das CC.OO. elogiou o título, “engenhoso e atraente”, embora tenha sugerido outro: “O amor em Santo Agostinho, quando afirma que Amor é o que fazem os que querem que o mundo siga”.
Sobre a crise atual, Fidalgo destacou que se trata de “uma crise macroeconômica, social, política e moral”, e se mostrou bastante cético em relação à “nossa capacidade de aprender dos erros”.
“O oprimido corre um risco de passar a ser opressor”, e de se contagiar com os “vícios do clientelismo e do sectarismo”. Uma crise moral “de costumes. E quando já se veem e ouvem nas ruas coisas absolutamente abjetas e excêntricas... é porque algo muito grave está acontecendo”.
Diante disso, “devemos fazer um discurso ético, e fazê-lo para cima: pegar as elites e ler para elas a cartilha. E fazer muito discurso ético, porque estamos em uma sociedade de cegos”. Como faz Faus em seu livro. “Faus escreve muito bem porque acredita no que diz”, disse o líder sindicalista. “Estamos vivendo num mundo de descrentes. Devemos deixar de falar para todo o mundo, mas as vozes mais altas devem ser daqueles que acreditam nisso. Carecemos de vozes como esta, que trovejam. E cooperar entre os bons, e para sermos bons devemos ser muitos. Que ninguém fique em sua casa”.
Uma economia do Amor
Finalmente, José Ignacio González Faus SJ fez sua a expressão fundante da Gaudium et Spes, “As alegrias e as esperanças dos pobres da Terra são as alegrias e as esperanças dos discípulos de Jesus” para justificar o seu trabalho. E para denunciar: “É uma pena que as angústias dos mais pobres estejam enfiadas no congelador”. Qual é a alternativa? A mais simples e a mais difícil: “Uma economia do amor”.
O teólogo repassou as passagens em que a Bíblia fala de “economia”, que não é outra coisa que “a administração da casa. Economia é gerir o que há e o que diz a Bíblia é que deveríamos gerir a criação de Deus de modo que sirva para todos”.
Faus foi especialmente crítico com a moral da propriedade. “No cristianismo primitivo, a propriedade não é um direito primário. Quando satisfizeste tuas necessidades, tudo aquilo que sobra já não é teu. Dar esmola não é caridade, é um ato de justiça, de devolver ao pobre o que é dele”. Diante disso, “o nosso sistema econômico está baseado em um sistema de propriedade ilimitada”.
O teólogo jesuíta proclamou que “outro mundo é possível, mas só quando o queremos para todos”. “Este livro não quer criar ira, mas ela vai se acumulando por si só quando as pessoas estão mal”, acrescentou Faus, que profetizou que “o nosso sistema está criando diferenças que logo não serão suportáveis, porque ameaçam a Terra e, sobretudo, porque não nos tornam felizes”.
“Estamos em uma ordem mundial criminosa e canibal. Oxalá, mudemos esta desordem reinante”, concluiu o autor.
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“Cristo e os pobres me jogaram na economia”, afirma teólogo espanhol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU