27 Mai 2013
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo diz que o Brasil está preso a um "trilema": administrar ao mesmo tempo a inflação, o mau desempenho da indústria e a dívida pública. Em entrevista ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, Belluzzo diz que não será possível escapar do "trilema" enquanto os investimentos em infraestrutura e na exploração do pré-sal não amadurecerem.
A origem do problema, segundo o ex-secretário de Política Econômica do governo Sarney (entre 1985 e 1987), está na valorização do real. Para Belluzzo, o câmbio está apreciado há 30 anos. E, por causa dos efeitos da valorização da moeda, o governo é forçado a adotar políticas em aparente descompasso.
A reportagem e a entrevista é de Ricardo Leopoldo e foram publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, 27-05-2013.
Ao mesmo tempo em que tem uma política fiscal expansionista, com aumento de gastos públicos para manter o ritmo da economia, também adota uma política monetária contracionista, com alta dos juros para conter a inflação.
Embora ressalte que a alta da taxa básica de juros (Selic) vai afetar o crescimento econômico, Belluzzo defende a atuação do Banco Central e diz que a autoridade monetária não será condescendente com a inflação.
Para Belluzzo, o câmbio está fora do lugar e deveria ter uma cotação ao redor de R$ 2,5, mas diz que não é possível implementar uma correção agora, por causa das pressões sobre a inflação. Ele espera que neste ano a inflação fique entre 5,6% e 5,9%, com a economia crescendo de 2,5% a 3%, na melhor das hipóteses.
Eis a entrevista.
O governo não vai entregar a meta do superávit primário de 3,1% do PIB neste ano, pois o resultado ficará em 2,3% do PIB. O aumento da força fiscal não causa pressão adicional sobre a inflação, que já está alta?
Em princípio, a ideia do superávit primário tem o foco de manter a dívida pública numa trajetória razoável. Temos uma situação complexa no Brasil, pois a indústria está com desempenho ruim, a economia cresce pouco, tem um déficit de transações correntes que está crescendo, deve ficar próximo a 3% do PIB neste ano, e um mercado de trabalho apertado. Além disso, apresenta pressões inflacionárias, especialmente em alguns setores, como serviços. Mas o que aconteceu nos últimos 30 anos com a indústria brasileira? Ela foi afetada seriamente por uma política cambial que não impediu a derrocada do setor manufatureiro nacional.
Mas como fica a coordenação da gestão da economia, se as políticas fiscal e monetária estão em direções opostas?
Quando o Banco Central vai numa direção e a política fiscal vai na outra há duas forças contraditórias. Há um descompasso entre a política monetária e fiscal. Se aumenta muito rapidamente a taxa de juros - não acho que esse seja o objetivo do Banco Central - isso vai introduzir um outro fator negativo à dinâmica da dívida pública e ao crescimento do País.
Mas na raiz disso há questões estruturais que tem a ver com uma economia que conseguiu melhorar na década de 2000 por uma condição externa muito favorável. Contudo, essa situação internacional se tornou menos positiva nos últimos anos.
No curto prazo, os preços de commodities não vão subir mais como ocorreu na década passada e que facilitou o ajuste no balanço de pagamentos. Agora, as consequências da taxa de câmbio valorizada por muitos anos começam a se manifestar. Então, estamos numa situação complicada mesmo. Não adianta buscar soluções de curto prazo. É preciso tratar isso com muito jeito.
Qual a avaliação do sr. sobre a inflação e o PIB para este ano?
A inflação teve uma pequena evolução no IPCA-15 de maio, que subiu 0,46%, depois de ter avançado 0,51% em abril. A inflação deve ficar entre 5,6% e 5,9% neste ano. Por outro lado, há um desempenho muito ruim da indústria e talvez o crescimento do PIB deve atingir de 2,5% a 3%, numa projeção otimista.
Quando vai acabar a fase difícil da indústria brasileira, que apresenta resultados fracos há alguns anos?
A indústria no Brasil tem um problema de desequilíbrio profundo. Com o aumento da demanda, como ocorre neste ano, melhora o nível de atividade e a indústria perde para as importações. Isso é uma coisa que foi construída nos últimos 30 anos. A situação da indústria brasileira é muito mais séria e suas consequências mais graves só vão aparecer em 10 anos. A menos que tenhamos alguma outra forma de contrabalançar essa tendência. Talvez possam ser utilizados os projetos de investimentos em infraestrutura e os relacionados ao pré-sal, mas antes que isso entre em operação a economia vai ficar prisioneira desse "trilema": administração da dívida pública, inflação e mal desempenho da indústria.
O Banco Central tornou mais duro seu discurso desde a divulgação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de abril. Será que o Copom vai alterar o ritmo do aperto monetário na próxima semana?
O Banco Central tem sido prudente e cauteloso, pois tem que calibrar a política monetária. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, é suficientemente informado e qualificado para saber que há uma restrição: a tigrada que defende sempre a alta dos juros critica quando se faz qualquer coisa que não está no catecismo dela.
Caso o Banco Central altere o ritmo da taxa de juros na próxima quarta-feira, qual seria a mensagem que o Banco Central pretenderia passar para a sociedade?
O Banco Central estaria reagindo a uma interpretação que ele tem da expansão fiscal. Eu não acho que a redução do superávit primário tenha a ver com uma tremenda pressão sobre a demanda, mas está muito mais relacionada com o aumento da dívida pública. Mas é preciso destacar que não dá para ser condescendente com a inflação. E o discurso do Banco Central mostra que não terá nenhuma condescendência. Contudo, no passado o Banco Central usou abusivamente do câmbio para combater a inflação. Esse foi o maior erro de política econômica já cometido no Brasil.
Fora o endividamento externo maluco dos anos 1970, a valorização cambial adotada por Mário Henrique Simonsen quando foi ministro da Fazenda, que depois foi repetida nos primeiros quatro anos do Plano Real, quando o juro real atingiu 22% ao ano. E a valorização do câmbio também foi adotada pelo governo Lula a partir de 2003. O Brasil não pode abrir mão de jeito nenhum do superávit primário, muito mais por causa das expectativas dos formadores de preços. O ideal seria termos um superávit primário maior e uma taxa de juros menor.
Com o câmbio num patamar menos apreciado?
Exato. O câmbio efetivo hoje está ao redor de 30% apreciado ante junho de 1994, como aponta o Banco Central. Mas não é possível mexer nele agora por causa de pressões de alta da inflação. O Brasil está prisioneiro dos erros crassos do passado.
É por isso que o sr. avalia que o câmbio deveria estar num patamar próximo de R$ 2,50, caso a inflação permitisse?
Isso mesmo. Mas como o câmbio está muito apreciado vamos ter que carregar esse fardo por muito tempo.
O Brasil está numa transição de modelo de desenvolvimento, de pleno consumo, para aumento dos investimentos. Essa transição leva quanto tempo, 2 a 3 anos?
Leva mais tempo. Essa transição é complicada e leva tempo para se consolidar. Eu espero que ela não sofra um recuo. Pois o País não vai para frente se voltar às políticas insuficientes dos anos 1990, com um foco muito forte no consumo, baseada também em condições excepcionais externas. Se voltar atrás, o Brasil não vai voltar à cena do crescimento mais estável. Há um esforço do governo para fazer essa transição, mas ela é um pouco dolorosa. O País não tem investimento razoável em infraestrutura há mais ou menos 30 anos.
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'Não dá para buscar solução de curto prazo'. Entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU