11 Mai 2013
Uma nova leva de textos do integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV) Claudio Fonteles foi divulgada ontem e perpassa episódios decisivos na ascensão, auge e queda da ditadura militar brasileira.
Da reunião em que o marechal Arthur Costa e Silva apresenta a ministros e chefes das Forças Armadas seu desejo em implantar o Ato Institucional nº 5, espécie de "golpe dentro do golpe", os textos, baseados em documentos da época, mostram a paranoia do regime em controlar tudo à sua volta, o auge do poderio militar que buscou esmagar os guerrilheiros resistentes na região do Araguaia em 1972 e o declínio desarticulado daquele governo, marcado pelo frustrado atentado no Pavilhão Riocentro, em 1981.
A reportagem é de Vandson Lima, publicada no jornal Valor, 10-05-2013.
Constrangido pela decisão da Câmara de negar-lhe licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves, que questionara em discurso atos de tortura impetrados por integrantes do Exército, o então presidente Costa e Silva argumentou, em reunião no Palácio da Laranjeiras registrada em ata, que a situação chegara a ponto de me comprometê-lo junto a seus pares. A resposta que pretendia dar - e oferecia 20 minutos aos ministros presentes para considerá-la - era o AI-5, que suspendia a Constituição via Estado de Sítio e fechava o Congresso Nacional.
Foi o que Costa e Silva fez, com especial aplauso do chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), Emílio Garrastazu Médici, que posteriormente ocuparia o mesmo cargo. A conversa registrada mostra toda a discussão em relação à legalidade da ação, com plena ciência de que a partir dali se instaurava uma ditadura no país. O então ministro Delfim Neto considerou: "Creio que a Revolução, muito cedo, meteu-se em uma camisa de força que a impede de realizar esses objetivos (...) institucionalizando-se tão cedo possibilitou toda a sorte de contestações".
A partir dali, o regime avança sobre todo modo de veiculação de informação, vedando a divulgação de notícias referentes a prisões e atividades políticas contrárias ao governo. Na "Instrução para Execução de Censura", o general Itiberê do Amaral ordena: "A censura deverá ser contínua, durante as 24 horas do dia".
As operações contra guerrilheiros do Araguaia são o auge do poderio repressivo. Mesmo cientes da situação precária dos resistentes, que em 1972 eram por volta de 60, precariamente armados e carentes de munição, o Exército não poupa forças: 2.453 soldados foram enviados à área ao longo do ano, no que o Exército define como "exercício de adestramento da tropa", para efetuar, "a título de exercício, operação de limpeza na referida área". Por limpeza, entenda-se "eliminar terroristas que atuam na região", conforma consta em carta de instrução, com timbre de secreta. "Os mortos inimigos serão sepultados na selva, após identificação".
Os desaparecimentos de Eduardo Collier Filho e Fernando Santa Cruz, em 1974, também são objetos de um relatório. Mesmo diante da solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que o Estado brasileiro esclarecesse o episódio, em 1980, os documentos apontam que o SNI sabotava o trabalho a todo instante, informando não ter notícias sobre o paradeiro de ambos. Entretanto, Fonteles os compara com outros papéis, também do acervo do SNI, que comprovam que os jovens eram monitorados pelo Cisa, o serviço secreto da Aeronáutica, até uma semana antes do desaparecimento. O objetivo da missão era eliminar pessoas ligadas a Jair Ferreira de Sá, líder da Ação Popular.
Concebido e orquestrado para ser apresentado como ato terrorista dos opositores ao regime, o atentado à bomba frustrado no centro de convenções do Rio, em 1981, virou uma marca do declínio do regime ditatorial. Os documentos analisados, encontrados na casa do coronel Júlio Miguel Molinas Dias, assassinado no Rio Grande do Sul no ano passado, demonstram o desastre da ação.
O ataque que seria perpetrado no Pavilhão Riocentro, durante um show comemorativo do Dia do Trabalho. O "técnico em explosivos" destacado para a missão, sargento Guilherme Ferreira do Rosário, não tinha formação para tal, comprova manuscrito de Molinas datado de maio de 1981. "Qual o curso ou estágio que fez? Nenhum. É auto-didata", diz, em comunicação com outros militares. Rosário morreu durante a ação, com a bomba explodindo em seu colo.
Os documentos que estavam com Molinas trazem anotações detalhadas sobre as atividades que ele, comandante do DOI-Codi do Rio, tomou sobre o caso, com reiteradas tentativas de manipulação e acobertamento. Em nenhum momento, procuram elucidar o envolvimento de opositores na ação, já que era sabido que os próprios militares armaram o episódio.
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Comissão Nacional da Verdade.Textos trazem auge e declínio da ditadura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU