10 Mai 2013
O papa Francisco verbalizou em sua homilia do 1º de maio o que certamente muitos haviam pensado: "Impressionou-me um título do dia da tragédia em Bangladesh: 'Viver com € 38 por mês'. É o que pagavam aos que morreram... isso se chama trabalho escravo!"
A reportagem é de Naiara Galarraga, publicada no jornal El Pais e reproduzida pelo Portal Uol, 08-05-2013.
Após o primeiro impacto, todos os olhares se voltaram mais uma vez para as grandes marcas que vendem elegantes calças jeans por € 19,95, biquínis na última moda por € 14,90 ou vestidos de festa por € 39,99. Companhias com enormes lucros que correram para Bangladesh quando os custos da mão-de-obra na China começaram a subir.
Porque o negócio da confecção se transfere a toda velocidade. Bastam alguns trabalhadores, suas máquinas de costura e um teto. Bangladesh, tão atraente, com o pior salário mínimo do mundo (29 míseros euros por mês, várias vezes menos do que uma ONG calculou como necessário para ter uma vida decente no país), transformou-se em problema porque o desmoronamento da semana passada - com mais de 500 mortos e 2.500 feridos, incluindo muitos mutilados - vem depois de outra tragédia em novembro, em Dacca, e reabre o debate sobre as condições em que as empresas fabricam a roupa que vestimos.
Eva Kreisler, coordenadora na Espanha da rede internacional Roupa Limpa, preocupa-se especialmente porque o edifício Rana Plaza, que desmoronou um dia depois da descoberta de rachaduras, tinha passado por duas auditorias de empresas ocidentais. Não é a primeira vez. "Isso demonstra que o sistema não funciona, que as auditorias e os códigos de conduta são insuficientes." A responsabilidade social corporativa (RSC) tem há anos um lugar de destaque em todas as grandes marcas. E em seus relatórios anuais.
"O essencial é ser coerente. Não pedir milagres. O segredo é que a relação com o fornecedor se consolide com o tempo", afirma Macarena Gross, coordenadora de RSC da Hoss Intropia.
A Roupa Limpa insiste nessa ideia: "As empresas devem abordar a lógica conflituosa de buscar preços menores e ao mesmo tempo pretender o cumprimento de padrões mínimos de trabalho."
Fontes das grandes empresas de confecção espanholas, Inditex (que fabricou 835 milhões de peças em 2011) e Mango (105 milhões), afirmam que só trabalham com prazos e volumes razoáveis e que é taxativamente proibido que seus fornecedores subcontratem sem autorização. Mas também é verdade que os fabricantes, pressionados pelos prazos, terceirizam com o fim de cumprir os pedidos, como foi revelado em várias tragédias.
Walt Disney, a empresa que mais vende por meio de licenças no mundo, anunciou que abandona Bangladesh. Outras pensam em segui-la, mas as ONGs querem que fiquem, deem trabalho e salários dignos e exerçam pressão - elas sim, que têm o poder - para que as leis sejam aperfeiçoadas e aplicadas.
A corrupção é cotidiana em Bangladesh, e suas autoridades estão ansiosas para atrair estrangeiros para o setor têxtil, que transformou muito político em empresário. É o caso de Sohel Rana, o dono do edifício, já detido.
É um negócio de € 15 bilhões por ano, que dá trabalho (precário ou mesmo escravo, mas trabalho) para 3 milhões de pessoas, representa 70% das exportações e 17% do PIB.
"As empresas que se abastecem aqui e conhecem as condições têm que fazer muito mais para garantir que as fábricas onde se abastecem cumpram as normas, estejam bem construídas, corretamente inspecionadas, tenham saídas de incêndio e tratem seus trabalhadores corretamente", declarou à BBC Peter McAllister, diretor da Ethical Trading Initiative, uma aliança de empresas, sindicatos e ONGs que busca reduzir o impacto social e ambiental da indústria de bens de consumo.
Fontes de Inditex, Mango e El Corte Inglés se gabam de transparência, destacam seu trabalho de auditoria social, os cursos de formação para trabalhadores e outras iniciativas enquadradas na responsabilidade corporativa. Afirmam que só começam a trabalhar com um fornecedor depois de uma inspeção independente. Costuma ser feita por empresas externas com pessoal local. Quando o ateliê em questão já costura para eles, chega a auditoria.
Revisam que não haja trabalho infantil ou forçado - por isso não passam, salientam -, os salários, horas extras, insalubridade, saídas de emergência e, essencialmente, o direito à sindicalização e à negociação coletiva.
Embora fosse útil para enfrentar os poderosos capatazes, muitas vezes é papel molhado. Só 1% dos bengaleses estão organizados, segundo a ativista Kreisler. Uma fonte do setor menciona que as disputas entre os departamentos de responsabilidade social corporativa e de compras são com frequência ferozes. Gross explica que "a auditoria é um guia, uma foto da situação".
El Corte Inglés, que admitiu que tinha "relação comercial com uma das quatro fábricas" do edifício que desabou - como a irlandesa Primark e a canadense Loblaw - e já anunciou ajudas de emergência ainda sem detalhar, fez em 2011 13% de suas auditorias em Bangladesh. O ateliê em questão passou por uma inspeção da Business Social Compliance Initiative (BSCI), outra aliança envolvida em responsabilidade corporativa. Uma das medidas que empresas, sindicatos e ONGs contemplam para evitar futuros desastres é incorporar inspeções das infraestruturas em suas auditorias, segundo concordaram esta semana na Alemanha.
As empresas do setor salientaram, desde que os oito andares do Rana Plaza despencaram, que carecem de capacidade técnica para avaliar o estado dos edifícios. A Human Rights Watch lembra que só há 18 inspetores para cuidar das 100 mil oficinas da capital. Depois da tragédia anterior - cem mortos -, as ONGs promoveram um pacto de segurança que só duas empresas assinaram.
A Mango, que ligou as etiquetas encontradas entre os escombros a "algumas amostras" para a empresa que "ainda não haviam começado", fabricou em Bangladesh 4% dos 105 milhões de peças feitas em 2011 mediante 250 fornecedores. Seu relatório anual destaca que trabalha com uma firma de auditores recomendada pela ONG Setem, promotora da rede Roupa Limpa na Espanha.
Fontes da Inditex explicam que no ano passado saíram de Bangladesh 6% de suas peças e que fizeram nesse país 250 auditorias, das 3.500 totais. As fontes acrescentam que diante dos descumprimentos, exceto os gravíssimos, aplicam-se planos corretivos aos fornecedores, com um prazo depois do qual se repete a auditoria.
Têm cerca de 1.400 fornecedores, dos quais 70% trabalham para eles (nunca com exclusividade) há mais de três anos; 91% dos fornecedores examinados tiraram em 2012 nota A ou B, as melhores em uma escala que inclui C e D, indicam na sede da companhia. O relatório de 2011 incluía "os últimos pagamentos ao fundo de pensões para as vítimas no desabamento da fábrica Spectrum [ocorreu em 2005, em uma terceirizada não autorizada]." A Roupa Limpa quer que o sistema de indenizações daquele caso seja agora o modelo.
E Kreisler, a representante dessa rede de 300 organizações, entre ONGs e sindicatos, afirma que depois de duas décadas de trabalho na chamada responsabilidade social, "em termos muito gerais, sem entrar em empresas e países concretos, as condições laborais não melhoraram em absoluto". O que mudou, explica, "é que não mais se eximem [em caso de tragédia]". Assumem certa responsabilidade.
A Roupa Limpa fez há alguns anos um duríssimo relatório, intitulado "Buscando um remendo", que criticava as auditorias anunciadas - agora são feitas de surpresa - ou que os capatazes instruíam os trabalhadores sobre o que deviam responder - inclui o comentário de um chefe da Romênia que exclama: "Quem disse isso? Vou demiti-lo!". Um trabalhador de uma fábrica que produzia para Walmart e Sears no Quênia descreveu assim as visitas de inspeção: "As auditorias [sociais] têm mais a ver com garantir pedidos do que com a melhora do bem-estar dos trabalhadores, por isso os gerentes só fazem mudanças cosméticas para impressionar os auditores e não melhoram nossas condições." O relatório afirmava que as marcas mais conhecidas desenvolviam sistemas de auditoria mais exaustivos e participativos.
O sindicato IndustriALL, que representa 50 milhões de trabalhadores em todo o mundo, lembra que em uma camiseta fabricada em Bangladesh que é vendida a € 20 os custos laborais representam € 0,015. Dado que impressionaria o papa.
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O preço social da roupa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU