18 Mai 2013
O Instituto de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas), em conjunto com Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e as Redes D e Plataforma Política Social, realiza, entre os dias 7 e 9 de maio, o seminário Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento Brasileiro – Aspectos Sociais.
O evento será transmitido online pela internet pelos sites do Instituto de Economia da Unicamp (www.eco.unicamp.br), do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (www.cgee.org.br), pela Rede Desenvolvimentista (www.reded.net.br) e pelo núcleo Plataforma Política Social (www.politicasocial.net.br).
O seminário dá sequência a uma série de oficinas de trabalho setoriais que serão desenvolvidas posteriormente visando à construção de uma agenda para o desenvolvimento na perspectiva da proteção social. Um dos organizadores do evento, o professor da Unicamp Eduardo Fagnani, comentou as perspectivas sobre o encontro na entrevista.
A entrevista é de Paulo Daniel, economista e editor do blog Além de Economia, reproduzida pelo portal Envolverde, 07-05-2013.
Eis a entrevista.
Podemos afirmar que, nos últimos dez anos, o Brasil está em um novo processo de desenvolvimento?
Os últimos dez anos não deveriam ser tratados como um período homogêneo. O primeiro mandato de Lula foi marcado por uma difícil transição. Os mercados especulavam contra o país e a condução geral da política macroeconômica seguiu, em essência, os parâmetros adotados anteriormente. Esse quadro foi parcialmente alterado no segundo mandato. O governo optou por políticas fiscais e monetárias menos restritivas, sobretudo após a crise financeira internacional de 2008. Atualmente, a gestão de Dilma Rousseff procura aprofundar a opção mais desenvolvimentista, ao reduzir os juros básicos, desvalorizar o câmbio e utilizar os bancos públicos para reduzir o spread dos bancos privados, por exemplo. Contudo, creio ser prematuro afirmar que construímos um “novo processo de desenvolvimento”. De todo modo, esse tema é controverso no meio acadêmico.
Alguns especialistas acreditam que houve mais “continuidade” que “ruptura”. A estabilidade da moeda continuou a ser a meta prioritária, perseguida pelo receituário clássico imposto pelas finanças internacionais: câmbio valorizado, juros altos, metas de inflação, superávit primário e autonomia do Banco Central. A permanência desses traços revela a dominação financeira sobre o setor produtivo e estaria ocasionando a desindustrialização, a desnacionalização e exportações de produtos primários de baixo valor agregado.
Em parte, isso é verdade. Mas tendo a concordar com a corrente que defende que, apesar da manutenção de regras da ortodoxia, a partir do segundo mandato de Lula foram realizados “ensaios” de formulação de nova estratégia de desenvolvimento. Não há como negar que houve mudanças na condução da estratégia macroeconômica. O crescimento voltou para a agenda após 25 anos de completa marginalização. O papel do Estado na coordenação dos investimentos tem sido reforçado. Os bancos públicos ampliaram a oferta do crédito. Políticas fiscais e monetárias menos restritivas foram adotadas. O comércio internacional favorável na última década contribuiu para a redução da vulnerabilidade externa. O crescimento teve reflexos positivos sobre as receitas públicas, melhorando a situação fiscal e ampliando o gasto social.
Como consequência, tivemos elevação na renda das famílias, mobilidade social ascendente e redução das desigualdades. A geração empregos formais e a valorização do salário mínimo foram fatores determinantes para o progresso social, complementados pelas transferências monetárias da Seguridade Social e, em menor escala, pelo programa Bolsa Família.
O que de fato pode ser conceituado como desenvolvimento?
No chamado “velho desenvolvimentismo”, o principal objetivo era completar o processo de industrialização com a introdução dos setores de bens de capital e bens de consumo duráveis. A construção dos “estágios superiores da pirâmide industrial verticalmente integrada” era pressuposto para a Incorporação dos trabalhadores urbanos e para a distribuição da renda. Com a industrialização, o “centro dinâmico” da economia passaria a ser endógeno. Nesse sentido, o desenvolvimento era associado ao projeto de nação. Os valores do nacionalismo e da soberania nacional faziam parte desse ideário.
Num país de capitalismo tardio, cabia ao Estado desempenhar papel central de coordenação e financiamento dos investimentos públicos e privados na base produtiva e na infraestrutura econômica. O processo de substituição de importações dependia de políticas industriais e ações estatais específicas voltadas para esse objetivo.
A crise do Estado Nacional Desenvolvimentista nos anos de 1980 encerrou um ciclo iniciado na década dos 30, no qual o Estado cumpriu suas tarefas fundamentais. Todavia, esse padrão de desenvolvimento alcançou seu limite nos anos 1980. Com o neoliberalismo, o Estado perdeu o comando da política macroeconômica e da iniciativa do crescimento.
Após um longo período de hegemonia do mercado e desmonte das bases técnicas e financeiras do Estado, atualmente os desafios são maiores e mais complexos. O êxito de uma agenda desenvolvimentista depende do fortalecimento do Estado e de mudanças estruturais nos rumos da economia e da política num contexto em que prevalece a hegemonia do mercado ante os interesses da sociedade. Esse cenário é agravado pela crise financeira internacional que acentua a concorrência capitalista no contexto da globalização. Velhas e novas questões –têm de ser incorporadas – como, por exemplo, a concentração da renda e a sustentabilidade ambiental.
Como as políticas sociais podem contribuir para a busca ao desenvolvimento?
A construção da agenda de desenvolvimento deve se assentar na defesa do crescimento econômico. Mas somente o crescimento é sabidamente insuficiente. A experiência de diversos países revela o aumento da desigualdade social mesmo em contextos de crescimento da renda per capita.
Além do crescimento, o desenvolvimento requer ações específicas voltadas para enfrentar a questão social. De forma correta, a corrente “social-desenvolvimentista” defende a ideia de a política social deve ser um dos “eixos do desenvolvimento”. Ricardo Bielschowsky, alinhado com essa visão, apresenta um desenho conceitual para a elaboração de uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil. O ponto central da sua análise é que o país possui três frentes de expansão do crescimento. Duas dessas frentes estão ligadas ao campo social: a) um amplo mercado interno de consumo de massa; e, b) perspectivas favoráveis quanto à demanda estatal e privada por investimentos em infraestrutura (econômica e social).
A ampliação do consumo de massas requer ações específicas que reduzam a concentração da renda e da riqueza. O desafio é complexo na medida em que a desigualdade no Brasil permanece entre as 15 piores do mundo. A distribuição da renda requer geração de emprego de qualidade, valorização do salário mínimo, realização das Reformas Tributária e Agrária e construção de um sistema educacional que universalize o acesso e garanta um ensino de qualidade para a sociedade do conhecimento. Também requer a sustentação financeira da Seguridade Social, um dos núcleos da proteção social brasileira – cujo papel na elevação do mercado de consumo de massas e na distribuição da renda não tem sido sublinhado no debate atual, mesmos pelos “social-desenvolvimentistas”. Hoje, as transferências monetárias da Seguridade beneficiam mais de 37 milhões de pessoas (ou mais de 100 milhões de brasileiros, se adicionarmos os membros da família). Cerca de dois terços dessas transferências equivalem ao piso do salário mínimo. A valorização do salário mínimo ampliou a renda das famílias em mais de 70% acima da inflação nos últimos anos.
O outro “motor” do desenvolvimento – investimentos na infraestrutura – aponta para a necessidade de se enfrentar as deficiências estruturais da infraestrutura urbana acumuladas desde meados do século passado nos setores da habitação popular, saneamento ambiental e transporte público de massa. As áreas de saúde e educação também podem ser campos promissores do investimento público. Nesses 25 anos do SUS, os governos democráticos não priorizaram investimentos na ampliação da oferta pública de saúde, especialmente nos sistemas de média e alta complexidade. Da mesma forma a universalização da educação está longe de ser completada. Ainda temos deficiências no ensino infantil, médio e superior. Os desafios da educação de jovens e adultos são enormes. As desigualdades sociais e regionais do acesso à educação ainda estão presentes em diversos níveis de ensino. A superação desse quadro também abre uma enorme frente para os investimentos públicos.
Finalmente, não se pode falar em desenvolvimento em uma sociedadeem que seus cidadãos não tenham acesso digno a bens e serviços básicos. Nos países de capitalismo tardio é um engodo acreditar que essas tarefas serão supridas pelo setor privado
Na Constituição brasileira de 88 há vários artigos que nos mostra os caminhos para o chamado bem-estar social. Como estamos caminhando?
De fato, a Constituição de 1988 representa um marco da cidadania social. Esse processo ganhou impulso a partir de meados de 1970 pela ação das forças que lutavam pela redemocratização do país. A rota forjada pelo movimento social tinha como destino a Assembleia Nacional Constituinte. Após uma árdua marcha, a Constituição da República restabeleceu a democracia e consagrou as bases de um sistema de proteção social inspirado no Estado de Bem-Estar Social e ancorado nos princípios da universalidade, da seguridade e da cidadania. Nessa quadra foi possível caminhar na contramão do neoliberalismo. O movimento social queria acertar as contas com a ditadura e não havia campo fértil para o projeto liberal germinar.
Este cenário mudou radicalmente a partir de 1990. A força do movimento social esgotara-se e nossas elites abraçaram, tardiamente, o consenso favorável às políticas de ajuste e às reformas propugnadas pela agenda liberal. Nesse contexto, a destruição das conquistas sociais da Carta de 1988 era um alvo a ser atingido, dado seu profundo antagonismo com a agenda liberalizante: seguridade social versus seguro social; universalização versus focalização; prestação estatal direta dos serviços sociais versus privatização; e, direitos trabalhistas versus desregulamentação e contratos de trabalho flexíveis.
A agenda do Estado Mínimo prega que o “desenvolvimento social” pode ser alcançado por uma única estratégia: políticas de transferência de renda para os pobres. O teto da linha de pobreza arbitrada pelo Banco Mundial é quem recebe menos de US$ 2 por dia. Nessa visão, o “bem-estar” prescinde do crescimento econômico e da valorização do salário mínimo. As políticas universais (como o seguro-desemprego e previdência social, por exemplo), cujos benefícios são equivalentes ao piso do salário mínimo, não são “focalizadas” e precisam ser reformadas.
Assim, entre 1990-2002, sob a hegemonia do projeto liberal, a proteção social passou viver as tensões entre dois paradigmas antagônicos: Estado Mínimo versus Estado de Bem-Estar Social. É verdade que a inflação foi controlada. Mas o custo da estratégia de estabilização foi alto. Houve antinomia entre a estratégia macroeconômica e as possibilidades do desenvolvimento social. A estagnação econômica desorganizou o mercado de trabalho. Juros estratosféricos minaram as contas públicas e limitaram o gasto social.
Esse é o pano de fundo para se compreender o retrocesso dos direitos trabalhistas e previdenciários; o abandono da reforma agrária; a ausência de política nacional de habitação popular; a opção pela privatização do saneamento e do transporte público; e o paradoxo das políticas de saúde, assistência social e educação fundamental, nas quais os avanços institucionais foram minados pela macroeconomia e pelo avanço da mercantilização. A focalização ganhou status de “estratégia única”, sobretudo, após o acordo com o FMI em 1998.
Embora com menor intensidade, essas tensões entre os paradigmas do Estado Mínimo e do Estado de Bem-Estar, presentes desde 1990, mantiveram-se entre 2003 e 2005. A disputa entre “focalização” exclusiva e “universalização” foi um dos temas dominantes no debate da política social.
Esse quadro de tensões e antinomias foi parcialmente abrandado a partir de 2006. Aproveitar as possibilidades dinâmicas do mercado de consumo de massas era um dos núcleos do “programa alternativo” do PT formulado entre 1999 e 2002. A ideia de eleger “o social como eixo do desenvolvimento” pressupunha a elevação da renda das famílias, vista como componente da demanda agregada na ativação do mercado interno. Em alguma medida, esse eixo estratégico foi recuperado. Após 25 anos, a questão do crescimento voltou a ter espaço na agenda econômica. Em relação ao passado, houve maior convergência entre objetivos econômicos e sociais e entre ações universais e focalizadas.
Passada esta longa fase de tensões, o núcleo da Constituição de 1988 foi parcialmente preservado. Hoje, uma das tarefas que se impõe para a agenda de desenvolvimento é cumprir a Constituição da República. É preciso restabelecer o caráter público das políticas universais e encontrar mecanismos para barrar o avanço da mercantilização que ocorreu (e continua a ocorrer) em muitas áreas. A agenda de desenvolvimento também deve debater o restabelecimento dos mecanismos de financiamento dos direitos sociais assegurados pela Constituição da República que foram desfiguradas nas últimas décadas. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) e a captura de recursos do Orçamento da Seguridade Social são exemplares. A realização de reforma tributária progressiva e socialmente justa é fundamental para financiar a proteção social. O pacto federativo foi esvaziado a partir da década de 1990 e precisa ser revisto. Enfim, esses são alguns exemplos dos enormes desafios que devem ser enfrentadas pela agenda de desenvolvimento.
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Os aspectos sociais do desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU