29 Abril 2013
Preocupados com a falta de planejamento urbano nas grandes metrópoles, os integrantes do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS) desenvolveram um documento com dez pontos essenciais para o desenvolvimento sustentável e com igualdade social nas metrópoles. Com sede e forte atuação em Porto Alegre, a entidade critica a falta de um planejamento das ações da prefeitura municipal. O presidente do IAB-RS, Tiago Holzmann da Silva, diz que um projeto de cidade não pode ser feito apenas por um prefeito. “É algo a ser construído com o conjunto da comunidade, reunido em condições igualitárias de discussão. De forma que os diversos interesses, dos diferentes grupos, possam resolver suas contradições”, fala.
A entrevista é de Rachel Duarte e publicada por Sul21, 29-04-2013.
Na avaliação do arquiteto, parte significativa da sociedade está sendo excluída dos processos de construção de políticas públicas para o interesse coletivo na capital gaúcha. Entre os exemplos, Tiago Holzmann cita a privatização dos espaços públicos, o atropelo das ocupações por obras relacionadas à Copa do Mundo e a visão da mobilidade urbana voltada para a ampliação de vias e privilegiando os automóveis. “O próprio entendimento contemporâneo que exige ciclovias e transporte público de qualidade parece estar sendo percebido em Porto Alegre dentro da ideia de atender a um modismo, para acalmar ânimos e logo poder seguir construindo asfalto”, avalia.
O IAB-RS é uma das entidades de arquitetos do Brasil que lutou pela aprovação da Lei de Assistência Técnica à Moradia para Famílias de Baixa Renda, para reformar moradias populares sem a necessidade de reassentamento das famílias. Há cinco anos em vigor, a luta agora é para conseguir executá-la, afirma. “Esta lei foi atropelada pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Por questões eleitorais de resultados mais rápidos e giro maior de recursos. Não podemos criticar completamente este programa, mas há muita coisa que precisa ser corrigida. Hoje há poucos recursos para os governos cumprirem a lei porque o governo federal não a prioriza”, defende o presidente da entidade.
Eis a entrevista.
O IAB-RS desenvolveu uma contribuição ao trabalho das administrações municipais citando 10 pontos fundamentais para a construção de um Projeto de Cidade. Quais são?
Este documento foi elaborado pela Comissão Cidade do IAB-RS e é uma tentativa de sintetizar o pensamento dos arquitetos sobre uma transformação das cidades. Um projeto de cidade é planejar as ações que queremos para construir o futuro das cidades antes de executá-las. Não é um documento-tese, com muitas páginas. É um resumo que busca abrir caminho para o planejamento urbano com participação popular e de arquitetos. Prevê a realização de concurso público para arquitetos, elaboração de projetos urbanos e fala da importância do espaço público, da assistência técnica à moradia, do patrimônio público e da mobilidade urbana. Todos estes pontos não podem ser feitos de maneira isolada. Existe a necessidade de integração de todos para um projeto bem elaborado. Este projeto de cidade quem faz não é o prefeito ou alguém contratado. Quem cria esse projeto é o conjunto da comunidade, reunido em condições igualitárias de discussão, de forma que os diversos interesses, dos diferentes grupos, possam resolver suas contradições.
Qual a avaliação do IAB-RS sobre capacidade técnica e política em planejamento urbano nas cidades gaúchas, em especial, na capital Porto Alegre?
A recuperação do papel da administração municipal como mediadora de conflitos e indutora do desenvolvimento é, no nosso entendimento (IAB-RS), a realidade de Porto Alegre. Não é possível que apenas um grupo execute um projeto de cidade, porque ele fará à sua maneira. Este documento que desenvolvemos é a visão dos arquitetos. Outros grupos terão outras propostas. E o que falta ao município de Porto Alegre, claramente, é uma vontade construir coletivamente este processo. Os incorporadores imobiliários têm o seu projeto e alteraram o Plano Diretor para executá-lo. Os grupos ligados aos transportes e obras públicas, principalmente viárias, têm um projeto sendo executado. E uma grande parcela da população está de fora, porque não há um espaço em comum de discussão. Em vários casos, a população só vem a saber dos projetos na medida em que eles já estão sendo executados e começam aparecer a problemas de alguma ordem. Portanto, a maneira com que está sendo feito o projeto de desenvolvimento da capital é no atropelo e atendendo a interesses específicos.
Porto Alegre não tem um Plano Diretor de Mobilidade Urbana e os problemas na convivência no trânsito são cada vez mais recorrentes. Qual a perspectiva da capital para o próximo período?
Este é um setor muito sensível da cidade. Percebemos diariamente a piora nas condições de transporte público, na circulação dos carros, serviços de táxis, entre outros. As ações que estão sendo feitas para melhorar isto não respondem a uma demanda coletiva. Qual a necessidade de um alargamento, um viaduto ou uma trincheira nos lugares onde estão sendo feitas?
As obras viárias, em geral, estão sendo questionadas pela população porque não houve uma discussão prévia e clara com a comunidade. A mobilidade urbana está sendo percebida com uma premissa de projeto de valorização do carro privado. Isto é ultrapassado. Duplicar e triplicar ruas e avenidas não resolve o problema da mobilidade. Nos EUA, onde a devoção ao automóvel é presente, já estão desenvolvendo projetos para substituir pista de rolamento de automóveis por calçada e ciclovia, e demolindo elevadas e viadutos para resolver de outras formas.
A maioria dos países caminha na busca de alternativas em outro sentido. O próprio entendimento contemporâneo que exige ciclovias e transporte público de qualidade parece estar sendo percebido em Porto Alegre dentro da ideia de atender a um modismo, para acalmar ânimos e logo poder seguir construindo asfalto. Temos ciclovias com projetos técnicos de baixíssima qualidade e BRTs concebidas de arremedo. Não adianta Porto Alegre ser moderna se as alternativas adotadas não vão resolver os problemas da cidade.
Há um entendimento de que a Copa do Mundo está sendo uma oportunidade de desenvolvimento para as cidades brasileiras. Em Porto Alegre, por exemplo, há a previsão dos BRTs, do Metrô e de um Aeromóvel. Qual a opinião do IAB-RS sobre isso?
Esse crédito fácil para as obras da Copa é um financiamento. Apesar das boas condições de juros, nós vamos ter que pagar esta conta. Muitos estados e cidades estão se endividando a ponto de inviabilizarem o seu desenvolvimento em até cinco anos depois da Copa. Não terão recursos para fazer mais nada que não pagar esta conta. É um dinheiro fácil, uma oportunidade que tem que ser aproveitada, mas está sendo mal aproveitada.
Falta consenso sobre projeto de cidade. Nem todas as obras que foram escolhidas para serem feitas em razão deste evento são as mais necessárias para o conjunto da sociedade. Além do que, há escolhas de obras com baixa qualidade e projetos muito mal feitos. A consequência poderá ser obras com deterioração rápida ou obras que custarão muito e não resolverão o problema. Essa é a nossa principal preocupação nos fóruns em que discutimos este tema.
A construção de um Metrô em Porto Alegre já poderia ter sido feita em conjunto com o governo federal por muito menos do que custará a obra prevista hoje. É uma discussão antiga. Uma licitação que era para ser de R$ 3 bilhões está sendo feita por R$ 9 bilhões agora. Porto Alegre abriu mão de ter o seu metrô e está entregando ele para uma empresa privada. É a empresa quem irá definir o traçado, o local das estações e o valor das passagens porque a Prefeitura não tem um projeto.
Não se definiu o que se queria antes de ver quem iria oferecer a melhor proposta. (A cidade vai) largar (o projeto do metrô) na mão de uma empresa que disse que custará R$ 9 bilhões. Não sabemos a tecnologia de construção que será utilizada, como serão as linhas. Foi uma licitação absolutamente aberta na qual não importava muito o valor que oferecessem, porque sem projeto não tem como saber qual seria a proposta mais razoável.
O IAB está auxiliando o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) na disputa jurídica contra a Prefeitura de Porto Alegre para suspensão dos cortes de árvores na Avenida Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio). A suspensão está, até o momento, sendo mantida, mas como estão as negociações sobre os projetos do Executivo e a preservação das árvores naquela região?
Não avançaram as negociações, mas o projeto está sendo executado. Da Avenida Beira-Rio, no trecho do estádio, até a ponte da Avenida Ipiranga já está quase pronto. Serão três pistas em cada direção com uma perspectiva de ciclovia jogada para Orla do Guaíba, com finalidade de lazer e não de alternativa para a mobilidade urbana. O trecho da Rótula das Cuias até o Gasômetro também está em fase de implantação. Temos insistido que o projeto está equivocado. A Prefeitura defende que a obra está prevista no Plano Diretor Municipal. É verdade.
Nós defendemos que este plano seja executado. Mas entre o Plano e a obra existe um projeto equivocado que parte da premissa de retirada de vegetação de porte para colocar asfalto para veículos privados. Isto é indefensável. O projeto técnico das vias pode estar correto, mas a premissa não está. Tem que ser buscada uma alternativa. Como está, (a obra) diminuirá a área do Parque Gasômetro e a circulação de pedestres e bicicletas na Orla para dar condições de mais veículos no trânsito. Se a obra for executada desta forma, será um erro muito grave do qual nos arrependeremos em bem pouco tempo.
O argumento da Prefeitura sobre o projeto de Revitalização da Orla do Guaíba, do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, contemplar o Parque Gasômetro com o corte de menos árvores é uma alternativa?
O convite do MP-RS ao IAB-RS foi justamente para elaborar soluções mais técnicas a esta obra. Não foram apresentados até agora dados para comprovar a ampliação de pistas naquela região. Um projeto de circulação viária exige uma série de estudos, desde capacidade de volume, demanda, origem e destino da mobilidade, e previsão de caminhos alternativos. Isto não foi demonstrado. O que existe é uma intransigência da Prefeitura, que busca executar o projeto e pronto. A demanda de circulação para a Zona Sul foi construída a partir de uma alteração no Plano Diretor (em 1999) que permitiu a densificação na Zona Sul e que não era a intenção original do plano.
Hoje a Zona Sul está em franca expansão. A construção civil está trabalhando de forma intensa nesta região, que é carente de acessos. As duas vias de acesso (Avenida Cavalhada e Wenceslau Escobar) já estão congestionadas e agora se buscam alternativas para algo que já sabíamos que iria acontecer. Corrigiremos os erros com o que, quem sabe, será outro erro com este alargamento das vias? Se teremos o BRT para ligar a Zona Sul ao Centro, esta já seria uma alternativa.
O BRT é um transporte de qualidade que substitui o automóvel, não é uma demanda extra. Mas, se aumentar as vias, não vão usar o BRT porque é mais cômodo usar o carro. Estamos propondo duas soluções para um mesmo problema e gastando muito nisso.
Outro grande problema da capital e das grandes metrópoles é a habitação. A carência de novas moradias em Porto Alegre soma 38.572 unidades, enquanto a necessidade de regularização fundiária para vilas e núcleos irregulares é de 75.656 domicílios. E ainda temos o agravante de algumas ocupações estarem sendo atropeladas pelas obras da Copa do Mundo. Qual a solução na visão do IAB-RS?
Temos visto em todas as cidades-sede da Copa que a exigência nos contratos dos municípios junto ao governo federal e a Fifa é a mobilidade urbana. A logística dos aeroportos, os estádios e o projeto viário são as prioridades do mundial. Não está previsto investimentos em urbanização de áreas degradadas, por exemplo. O tema da habitação, dentro desta lógica, se torna algo menos importante e que está atrapalhando as obras da Copa. As sub-habitações têm que ser eliminadas rapidamente para dar condições ao evento.
Outro aspecto que se evidencia é a mudança de política do governo federal dentro deste tema (habitação). Desde a criação do Ministério das Cidades (2005), o governo federal vinha reconstruindo uma política nacional de habitação. Houve um grande financiamento para que os municípios fizessem a revisão do Plano Diretor e criassem uma política de habitação.
Esta política acabou sendo atropelada pelo programa Minha Casa, Minha Vida. É um programa elogiável sob vários aspectos, principalmente pelo volume de recursos para se construir habitações para pessoas sem acesso, mas é um programa de governo e não uma política de governo. A política era que cada município tivesse que fazer um levantamento do déficit habitacional e a partir daí se definisse prioridades para cada região. O plano que organizava o financiamento para enfrentar este problema foi atropelado por um programa que tem outra lógica, dentro de questões eleitorais, de resultados mais rápidos e giro maior de recursos. Não podemos criticar completamente este programa, mas tem muita coisa que precisa ser corrigida.
A grande maioria dos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida são construídos nas periferias, em locais isolados das áreas urbanas, com poucos equipamentos necessários para um bairro, como creches, saneamento, linhas de ônibus. Resolvemos o problema da casa para as famílias, mas criamos novos problemas para as famílias e para as cidades. Isto cria uma demanda nova que gera dificuldades para os municípios. Isso porque quem escolhe os locais são as construtoras e a relação é feita diretamente entre a Caixa Econômica Federal e as empreiteiras. Não se pode criticar o programa como um todo, mas há uma clara prioridade ao mercado imobiliário.
As entidades de arquitetos buscam junto aos governos o cumprimento da Lei de Assistência Técnica a Moradia para Famílias de Baixa Renda. Ela existe há cinco anos e ainda assim foi preciso criar o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, para garantir moradia digna a esta população. De que modo esta lei poderia auxiliar na política habitacional?
Enquanto o Minha Casa, Minha Vida tira as pessoas de uma área para levar para outra, esta lei mantém as pessoas no mesmo lugar onde estão. O ideal é que, em áreas que não são de risco, haja reurbanização nos mesmos lugares. Temos dois casos assim em Porto Alegre: a Vila Planetário e o Condomínio Princesa Isabel. Foram áreas reurbanizadas, com os moradores permanecendo no mesmo local. A Vila Planetário, em minha opinião, não é uma boa inclusão desta comunidade na urbanística da cidade. Melhor é o caso do condomínio Princesa Isabel. Hoje se vê o condomínio de prédios de classe média baixa, no Centro da cidade, que está incorporado na vida da cidade. A Vila Planetário continua sendo um gueto.
A Lei de Assistência Técnica à Moradia é de 2008 e deriva da luta dos técnicos da Engenharia e Arquitetura – e também foi atropelada pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Hoje há poucos recursos para que os governos cumpram esta lei, infelizmente. No entendimento dos arquitetos, estas duas ações poderiam coexistir. A assistência técnica atente a outra demanda, no local onde as famílias moram. Não é a mesma coisa que o Minha Casa, Minha Vida. Ela funciona como uma espécie de ‘SUS da moradia’. As pessoas precisam, acionam o serviço e têm a solução do seu problema. A família tem um barraco na favela e quer qualificar no seu terreno. Ela já está inserida com a vizinhança, os filhos já estão nas escolas – então, não se retira ela de lá. Os arquitetos fazem a reforma aos custos do estado.
Este assessoramento para melhorias da casa e das condições de vida é universal para qualquer família com renda de até 3 salários mínimos. As entidades de arquitetos fazem cadastro dos arquitetos aptos a prestar este serviço, as prefeituras fazem o cadastro das famílias e entra em contato com elas. A contratação do serviço dos arquitetos é paga pelos recursos de habitação da Caixa Econômica Federal. É um sistema bem eficiente, mas não avança por falta de interesse do governo federal. As prefeituras têm interesse, mas não conseguem implementar porque não há recursos. As entidades de arquitetos têm interesse porque sabem que as famílias de baixa renda não têm condições de pagar um arquiteto, mas o nosso serviço garante economia de recursos porque evita construções feitas por leigos e que vão gerar futuros problemas. É como evitar a automedicação.
Tiago Holzmann: Minha Casa, Minha Vida não leva em conta as necessidades estruturais para a constituição de bairros habitacionais | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Essa política foi adotada nas favelas cariocas. Funciona bem no RJ?
Tiago Holzmann – No Rio de Janeiro começou há tempo este processo, com o programa ‘Favela-Bairro’, criado pelo (ex-governador Leonel) Brizola. Até tem um aspecto curioso neste processo. As favelas não existiam no mapa da cidade antigamente. Apareciam como um espaço verde-claro no mapa. O governo então fez concurso para montar equipes de arquitetos e projetistas para fazer melhorias nas favelas. Não resolveu o problema do RJ, que é muito complexo, mas onde ele foi aplicado funcionou muito bem. Hoje, o ‘Morar Carioca’ (nova versão do programa) funciona da mesma forma. Por meio de concurso contratam os profissionais e recursos são capitaneados para isso. É a urbanização sendo construída junto com a política de segurança e ações sociais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Ou seja, não é só moradia: é casa, ruas, quadras de esportes, praças… Enfim, o que tem que ser. Hoje esta política avança em São Paulo também.
“Os movimentos sociais estão se dando conta de que reivindicar funciona. O episódio do aumento das passagens evidencia isso”
Porto Alegre tem o caso do Utopia e Luta, na Borges de Medeiros, como exemplo da ocupação de prédios ociosos para resolver o problema da falta de moradia. Alguns arquitetos defendem o uso destes prédios para funções sociais. Qual a sua posição?
Nós (IAB-RS) concordamos. A área central de Porto Alegre é composta por muitos edifícios vazios ou abandonados e por outro lado há uma lógica de funcionamento, com muita gente de dia e pouca gente à noite. Qualquer iniciativa de recolocar moradia na área central é bem-vinda, ainda mais se for para atender a demanda que surge da carência de moradias na cidade. O caso do Utopia e Luta foi uma construção na marra. Eles ocuparam, resistiram e tiveram sucesso na instalação das moradias. Temos outros exemplos em Porto Alegre, como a Vila Chocolatão e o Chapéu do Sol, que demonstram que muitas vezes esperar ou se conformar com as soluções do poder público não resolve o problema da habitação. Porque em geral, as soluções para a questão habitacional são precárias.
O Chapéu do Sol está favelizado e com qualidade baixíssima de moradia, e é uma obra que não tem dez anos. Já a Vila Chocolatão, em que os moradores tinham uma atividade econômica que dependia da região central, foram jogados na periferia, em um local bem distante. Mas estamos vivendo um momento em Porto Alegre em que os movimentos sociais estão se dando conta de que reivindicar e questionar funciona.
Vivemos uma lógica de tanta arbitrariedade do poder público municipal que qualquer reação um pouco organizada acaba tendo resultado. A argumentação frágil do “fazer o nosso projeto porque não queremos outro” não é mais aceita pela sociedade. No episódio do aumento das passagens ficou evidente isso.
Existe o Movimento Chave por Chave, que também está reivindicando habitação para os moradores da Avenida Tronco que serão atingidos pela obra da Copa. Apenas oferecer um aluguel social e deixar as famílias por conta própria depois disso não está sendo aceito.
Sociólogos e cientistas políticos ouvidos pelo Sul21 avaliaram que a intensidade dos protestos contra o aumento da passagem sinaliza uma revolta crescente contra políticas de restrição dos espaços públicos em Porto Alegre. Como o senhor vê a política de utilização dos espaços públicos na cidade, já que este também é um dos pontos do documento feito pelo IAB-RS?
Não tem uma política para isso em Porto Alegre. O município abriu mão de construir e manter os espaços públicos da cidade. Faz isso de forma muito precária. Não existe uma intenção de qualificação destes espaços. Existe uma privatização deste uso pela Coca-Cola, por exemplo, que assume a responsabilidade de administrar o espaço com viés mercantil, para valorizar a sua marca.
No caso do Largo Glênio Peres isto ficou muito claro. A dificuldade gerada para os movimentos sociais fazerem eventos ou feiras que tradicionalmente ocorriam lá é muito grande. O espaço é um estacionamento aos finais de semana e no demais é para uso da Coca-Cola. O Largo Glênio Peres é um espaço nobre, que foi um importante espaço público da capital. Antigamente chegou a ser transformado em terminal de ônibus, mas voltou a ser um largo quando da revitalização do Mercado Público e do Chalé da Praça XV.
Hoje está se deteriorando nas mãos dos interesses da iniciativa privada e atende a uma demanda de estacionamento.
O mesmo acontece com o Auditório Araújo Vianna. Quando tem show, as áreas do Ramiro Souto e do auditório são liberadas para estacionamento. Se não há estacionamento lá, tem que haver outra foram de ir aos shows ou de deixar os carros. Na última semana, por razão de determinado evento no Araújo, a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) multou 80 carros. Vi esta notícia e liguei para a EPTC. A informação dada foi: “é que tem show no Araújo”. Isto é um absurdo.
Regulamentada no ano de 2011, a lei 10.036, condiciona o habite-se das novas edificações privadas com mais de 2.000m² à instalação de obras de arte em Porto Alegre. O que pode ser dito sobre esta lei?
É uma iniciativa dos artistas plásticos em parceria com algumas entidades, entre elas o IAB-RS. Por um lado, é triste que tenhamos que ter uma lei para obrigar (a valorização da) arte na cidade. Isso (valorizar a arte) geralmente acontece como regra em outros países.
No caso de Porto Alegre virou obrigação. Por outro lado é bom porque é a oportunidade que temos de qualificar as edificações com obras artísticas. Na história da arquitetura moderna temos uma relação muito próxima entre arquitetos e artistas plásticos, escultores e artistas muralistas. Se olharmos as obras do (Oscar) Niemeyer, (Affonso Eduardo) Reidy e (Roberto) Burle Marx, entre outros, se percebe esta tradição.
Até mesmo em Porto Alegre, no começo do século passado até meados dos anos 30, tivemos uma integração entre arquitetura e escultura.
No nosso entendimento, a resistência a esta lei se deve a um certo conservadorismo, que tende a ser substituído no momento em que os empreendedores perceberem que a arte pode valorizar os imóveis que eles estão querendo vender. É uma lei muito positiva e que tem a exigência da utilização de obras de artistas vivos, que ainda produzam. Isso também incentiva um mercado de arte na cidade. Apoiamos esta lei, valoriza a cidade e os edifícios. Apenas lamentamos que ela ainda não seja algo natural.
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“É indefensável cortar árvores para ter mais veículos”, diz presidente do IAB-RS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU