17 Abril 2013
A Ação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), uma importante associação moçambicana de estudantes e jovens, na sua maioria provenientes do meio rural, filhos e filhas de camponeses e camponesas de todo o país, reconhecida pelo seu trabalho no engajamento democrático e inserção produtiva de diversos actores comunitários na luta pela construção de um poder popular e de uma agenda soberana de desenvolvimento sociopolítico, económico e cultural das comunidades rurais, manifesta a sua profunda e incondicional solidariedade e apoio a mais de 1365 famílias atingidas e reassentadas pela Vale no Bairro 25 de Setembro e região de Cateme, que desde às 14 horas de ontem, dia 16 de abril de 2013, tentam sem sucesso dialogar com os responsáveis desta empresa.
Uma vez mais, exortamos as autoridades governamentais locais e nacionais para uma intervenção urgente visando a resolução definitiva deste conflito, que já se alastra a mais de quatro (4) anos, cujo principal responsável é a Vale em conivência e cumplicidade com setores importantes do Governo moçambicano.
Informações colhidas pela ADECRU durante esta manhã junto das famílias atingidas, jornalistas, trabalhadores da Vale e fontes locais, indicam que por volta das 14 horas de ontem, 16 de Abril de 2013, mais de 500 pessoas, na sua maioria jovens oleiros, atingidas e reassentados em Cateme, 25 de Setembro e residentes do Bairro 4, concretamente na região de Nthibu, dirigiram-se ao escritório da Vale, cita no Bairro 9, mais conhecido por Carbomoc, nome da extinta empresa Carbonífera de Moçambique, na Vila de Moatize.
Junto dos escritórios da Vale, as famílias solicitaram um encontro urgente com os responsáveis desta empresa para negociação com vista ao cumprimento imediato dos acordos de indemnização e compensação firmados com a Vale. Porém, uma vez mais, com arrogância e desprezo, a Vale ignorou o pedido das famílias reassentadas, optando pelo silêncio e mais tarde por enviar funcionários subalternos e solicitar intervenção da Polícia.
“Diante da arrogância e atitudes inaceitáveis da Vale decidimos bloquear a principal via de entrada a Mina da Vale pelas 17 horas de ontem dia 16 de Abril de 2013. Entretanto, quando soubemos que os trabalhadores e a própria Vale estavam a usar a via alternativa de Benga que liga a Mina à Cidade de Tete, decidimos também bloquear a mesma estrada na manhã de hoje, dia 17 de Abril” disse uma fonte presente nos protestos contra a Vale.
As famílias atingidas e reassentadas pela Vale reivindicam uma indemnização e compensação
justa pela retirada da sua principal fonte de renda, relativa a actividade de olaria de fabrico de
tijolos (blocos) queimados e a disponibilização imediata de áreas e fontes alternativas de
geração de renda. Refira-se que durante o processo de consulta e participação pública, a Vale
comprometeu-se a indemnizar e compensar cada pessoa praticante desta actividade num valor
orçado entre 90 à 120 mil meticais, o equivalente à três e quatro mil dólares norteamericanos.
Entretanto, as famílias afirmam ter recebido apenas um valor de 60 mil meticais, o equivalente à dois mil dólares norte-americanos. Acusam também o antigo Administrador de Moatize e actual Secretário Permanente da Província de Nampula, Manuel Guimarães, de ter se apoderado dos restantes valores em causa. Não foi possível obter a reação do senhor Manuel Guimarães diante destas acusações.
Os protestos e a expressão pública de indignação das famílias atingidas pela Vale em Moatize, consistiram no bloqueo de todas as entradas e vias de acesso a Mina da Vale, forçando a paralisação de todas as actividades e da saída do comboio da Vale, já carregado de carvão, que devia ter partido esta madrugada para o Porto da Beira.
“A última notícia que tenho até agora é: na obra e na mina somos poucas pessoas. Mais de 15
autocarros, da extinta empresa Transportes Públicos de Maputo (TPM), que transportam os
funcionários não conseguiram entrar depois das 5h30 minutos” informou-nos uma das nossas
fontes que se encontra na Mina da Vale. Por outro lado, soubemos ainda que a Vale terá aconselhado a maior parte dos seus funcionários a se retirarem da Mina de emergência para as suas casas e evitarem entrar na mesma, até que sejam dadas novas ordens.
Sabe-se ainda, que desde ontem, a Polícia da República de Moçambique - PRM está presente
no local dos protestos, porém não há registo até agora de confrontos e violência entre as
famílias e a própria PRM. Informações de última hora que nos chegam das famílias em protestos avançam que vários contingentes policiais, incluindo unidades da FIR e de agentes dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) foram destacados para o local, onde a qualquer altura pode vir a registar-se confrontos e repressões violentas.
“Há problemas sérios neste momento. Ainda não fomos recebidos pela Vale que evacuou todos os seus funcionários do escritório do Bairro 9 para junto dos escritórios principais da Mina. Pedimos urgentemente o vosso apoio e a presença de jornalistas porque há um forte ambiente de tensão. Já chegaram seis (6) carros cheios de forças policiais de todas as especialidades fortemente armados em cerca de 50. Tememos que se repita a violência e a repressão que ocorreu em Cateme em janeiro do ano passado”, contou-nos um dos participantes das legítimas reivindicações.
Ainda não há uma reacção oficial das autoridades governamentais do Distrito de Moatize e da
Província de Tete, muito menos da própria Vale. Estes protestos acontecem num dia em que
prevê-se que esteja a ocorrer a Reunião Anual dos accionistas da Vale, que tradicionalmente
acontece na sua sede mundial, na cidade brasileira de Rio de Janeiro. Entretanto, este ano terá
sido alterada a última hora para uma cidade do interior nos arredores do Rio de Janeiro, como forma de fugir dos protestos e denúncias dos atingidos de todo o mundo, incluindo os de Moçambique, que participam do Quarto Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale.
Refira-se que não é a primeira vez que as mais de 1365 famílias atingidas e reassentadas pela
Vale em Moatize protestam contra a violação de seus direitos e péssimas condições de vida a
que estão sujeitas, desde finais de 2009, altura da sua remoção das comunidades de Malabwé,
Mithethe, Bairros de Bagamoyo e Chipanga. No dia 10 de Janeiro de 2012, mais de 716 famílias reassentadas na região de Cateme insurgiram-se contra a Vale, exigindo a reposição de seus direitos relativos à terra, água, energia, transporte, casas condignas, entre outras reivindicações. Em resposta, foram brutalmente reprimidos e violentados pela Polícia da República de Moçambique (PRM) e sua Unidade da Força de Intervenção Rápida (FIR), que resultou na detenção arbitrária de 14 pessoas, seis (6) das quais contraíram ferimentos graves em resultado da tortura a que lhes foi submetida por elementos da PRM e da FIR.
Saiba-se que a ADECRU saúda, encoraja e apoia incondicionalmente a todas as famílias atingidas e forçadas ao reassentamento, que lutam incansavelmente em defesa da sua dignidade e reposição de seus direitos atinentes ao acesso e controlo de terra, água, rios, patrimónios históricos e culturais, bens comuns, meios de vivência, habitação condigna e alimentação adequada.
Lembramos igualmente que a sua acção corajosa de reivindicação realizada no dia 10 de Janeiro de 2012 e os sacrifícios que têm consentido para dizer basta a exploração, depois de esgotados todas as possibilidades de diálogo representa uma demonstração de luta para a qual vai a nossa solidariedade militante.
Queremos ainda deixar bem vincado que a nossa esperança pela vitória das 1365 famílias atingidas pela Vale e todas as que sofrem com os impactos dos megaprojectos de mineração, hidrocarbonetos e grandes plantações nas províncias de Maputo com a Mozal; Gaza com Wambao Agriculture; Inhamabane com a Sasol; Tete com a Vale, Rio Tinto, Jindal África;Cabo Delgado com a ENI Africa, Anadarko; Niassa com a Chikweti, Malonda Tree Farms, Prosava; Nampula com o Prosava, Matanuska e Lúrio Green Resource; Zambézia com a Portucel, Prosavana e Hoyo Hoyo, é inesgotável e para a sua conquista dirigimos todo o nosso esforço com vista a impulsionar uma ampla mobilização e unidade para a construção de um movimento popular a fim de oferecer uma frente de luta coesa, firme e vigorosa.
No êxito desta luta estão também as nossas esperanças e uni-las-emos solidariamente as dos
pobres e despossuidos do mundo, pondo todas as nossas forças e inteligência ao serviço do seu triunfo inevitável e construção de justiça baseada num poder popular, que coloque homens e mulheres na mesma linha de dignidade.
Maputo, 17 de abril de 2013.
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Atingidos pela Vale bloqueiam e forçam a paralisação da mina em Moçambique - Instituto Humanitas Unisinos - IHU