14 Abril 2013
Passei o início de abril em Buenos Aires, onde tentei descobrir mais a respeito do Papa Francisco através das pessoas que melhor o conhecem como Cardeal Jorge Mario Bergoglio. A ideia era obter percepções sobre o homem e sua visão da igreja, e publiquei parte do que descobri ao longo do caminho.
A reportagem é de John L. Allen Jr. e publicada pelo sítio do National Catholic Reporter, 12-04-2013. A tradução é de Luís Marcos Sander.
Entretanto, também tive de me ocupar com algumas perguntas difíceis sobre a trajetória do novo papa na Argentina. Elas incluem as seguintes:
• A reação de Bergoglio a dois sacerdotes acusados de abuso sexual, em que críticos sugeriram que ele pisou na bola;
• por que a conferência episcopal católica da Argentina não concluiu um conjunto de diretrizes sobre abuso sexual enquanto ele a presidiu;
• a relação dele com a ditadura militar argentina como provincial jesuíta durante a década de 1970;
• a atitude de Bergoglio para com a Teologia da Libertação; e
• confusão em torno da posição dele quanto à questão de uniões civis durante um contencioso debate nacional sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2009 e 2010.
As respostas que seguem são as melhores que posso dar com base no que fiquei sabendo na Argentina.
Sacerdotes abusadores
No dia 18 de março o Washington Post publicou uma matéria vinda da Argentina sobre o histórico de Bergoglio em relação à crise dos abusos sexuais que destacou dois casos: o Pe. Julio César Grassi, condenado em 2009 por duas acusações de abuso e absolvido de várias outras, e o Pe. Napoleon Sasso, condenado em 2007 por abusar de cinco meninas menores de idade.
De modo geral, a matéria sugeria que Bergoglio não lidou com nenhum dos dois casos segundo os padrões que agora são aceitos pela igreja em outras partes do mundo. Ela observava que ele não se encontrou com as vítimas, não pediu desculpas nem ofereceu reparação financeira e não tomou medidas eclesiásticas contra os padres envolvidos.
Para início de conversa, há um aspecto importante não mencionado pelo Washington Post nem pela maioria dos comentários subsequentes: nem Grassi e nem Sasso são sacerdotes da arquidiocese de Buenos Aires e, portanto, nunca estiveram sob a supervisão direta de Bergoglio. (Entre outras coisas, isso quer dizer que Bergoglio nunca esteve em condições de impor punições eclesiásticas, o que teria de ser feito pelos próprios bispos dos dois).
Além disso, observadores dizem que as duas situações deveriam ser consideradas separadamente, porque o grau de envolvimento de Bergoglio é diferente em cada uma.
Sasso vem da pequena diocese de Zárate-Campana. A maior parte de sua atuação sacerdotal teve lugar na arquidiocese de San Juan, onde acusações de contato sexual com menores de idade surgiram pela primeira vez em 1994. Depois de uma avaliação psicológica feita em 1997, ele foi enviado a um centro de tratamento para sacerdotes em crise em Buenos Aires chamado Domus Mariae.
Fontes da igreja dizem que Sasso não recebeu faculdades sacerdotais de Bergoglio, e em nenhum momento Bergoglio exerceu qualquer tipo de supervisão sobre ele.
Durante 2002 e 2003, Sasso esteve de novo na diocese de Zárate-Campana, trabalhando num sopão na cidade de Pilar, onde supostamente cometeu ao menos cinco atos de abuso contra meninas que tinham entre 11 e 14 anos de idade. Esses são os delitos pelos quais ele foi condenado criminalmente em novembro de 2007, tendo recebido uma pena de 17 anos de reclusão.
O bispo de Zárate-Campana na época em que as acusações surgiram pela primeira vez era Rafael Eleuterio Rey, que renunciou em fevereiro de 2006 por problemas de saúde. Seu sucessor é o Bispo Oscar Domingo Sarlinga. Durante o julgamento de Sasso em 2007, foi juntada aos autos do processo uma carta do arcebispo Italo Destéfano, de San Juan, que morreu em 2002, instando os bispos a tomar alguma medida em relação a Sasso.
A maioria das fontes eclesiásticas na Argentina acredita que a responsabilidade pela maneira como o caso de Sasso foi tratado é primordialmente desses prelados, e não de Bergoglio.
Grassi, por sua vez, é sacerdote da diocese de Morón, onde foi incardinado depois de deixar os salesianos em 1991. Entretanto, ele tinha uma relação mais direta com o futuro papa, já que Bergoglio apoiava publicamente a fundação “Crianças Felizes” que Grassi criou em 1993 para atender jovens pobres do centro da cidade.
Grassi tem um elevado grau de exposição na mídia argentina como arrecadador astuto, competente para cultivar relações com doadores em potencial. Além disso, diferentemente de Sasso, a maior parte de sua carreira sacerdotal teve lugar em Buenos Aires.
Uma rede de televisão argentina levantou, pela primeira vez, acusações de molestamento contra Grassi em 2002. Quando um julgamento de nove meses de duração terminou em 2009, Grassi foi condenado por dois atos de abuso e recebeu uma pena de 15 anos de prisão, embora tenha sido absolvido de várias outras acusações feitas por duas outras pessoas.
Essa sentença foi mantida por um tribunal de apelação em 2010. Atualmente, Grassi está solto, depois que uma ordem de prisão domiciliar foi anulada em fevereiro último, enquanto aguarda o resultado de outro recurso perante o Supremo Tribunal Provincial de Buenos Aires.
Três aspectos podem ser mencionados quanto à reação de Bergoglio no caso de Grassi.
Em primeiro lugar, os críticos acusaram Bergoglio de deixar de tomar medidas eclesiásticas contra Grassi, como, por exemplo, afastá-lo do sacerdócio. Sob o direito canônico, entretanto, tal medida teria de partir do bispo Luis Guillermo Eichhorn, de Morón. Ao longo do desdobramento do caso, a diocese de Morón disse que aguardará um resultado definitivo do sistema de justiça penal, que não chegou ainda.
Em segundo lugar, quando o primeiro julgamento de Grassi terminou em 2009, a conferência episcopal encarregou um jurista muito conhecido na Argentina, Marcelo A. Sancinetti, de estudar o caso. Bergoglio era o presidente da conferência na época, e um porta-voz dos bispos, Pe. Jorge Oesterheld, disse-me que o cardeal aprovou a decisão de solicitar uma revisão jurídica independente.
Sancinetti produziu três volumes até agora, e atualmente está trabalhando num quarto, num total de mais de 1 mil páginas de material. (Tenho um exemplar do segundo volume de Sancinetti, que examina as acusações pelas quais Grassi foi efetivamente condenado).
Sancinetti conclui que Grassi é inocente de todas as acusações, insistindo que elas são inconsistentes e desfiguradas por contradições internas. A acusação dos críticos é que Sancinetti se baseou quase inteiramente em materiais da defesa ao expressar essa avaliação, mas sua crença na inocência de Grassi continua forte entre alguns católicos, o que pode ajudar a explicar por que Bergoglio hesitou em fazer declarações ou se encontrar com os acusadores.
Oesterheld me disse que a posição básica de Bergoglio no caso de Grassi é que “ele não queria se adiantar ao sistema judiciário”, preferindo esperar que o processo recursal fosse concluído para fazer qualquer juízo.
Em terceiro lugar, algumas agências de notícias divulgaram que Bergoglio, ou a igreja em geral, estava pagando as despesas jurídicas de Grassi. De acordo com seu advogado, Daniel Cavo, esse não é o caso.
Cavo me disse, através de um intérprete, que as despesas de Grassi estavam sendo pagas por pequenas doações de pessoas que ainda apoiam a ele e sua fundação “Crianças Felizes” e que ele não recebeu qualquer assistência financeira da igreja.
Diretrizes sobre abuso sexual
No dia 5 de abril, o Wall Street Journal relatou que a conferência dos bispos da Argentina não tinha cumprido o prazo de maio de 2012, imposto pelo Vaticano, para apresentar um conjunto formal de políticas de combate ao abuso de crianças, observando que Bergoglio é o ex-presidente da conferência.
Aos olhos de algumas pessoas, esse prazo não cumprido levanta algumas perguntas sobre o quanto Bergoglio levou a sério a questão dos abusos sexuais.
Quatro pontos ajudam a completar a matéria.
Em primeiro lugar, a versão original da matéria do Wall Street Journal não observou que o mandato de Bergoglio como presidente da conferência episcopal da Argentina terminou em novembro de 2011, de modo que, ao menos tecnicamente, a responsabilidade pelo não cumprimento do prazo do Vaticano é de seu sucessor na presidência, o arcebispo José María Arancedo, de Santa Fé.
Em segundo lugar, os bispos dizem que um conjunto de diretrizes está prestes a ser concluído. Um rascunho será discutido numa reunião da conferência na segunda-feira e depois encaminhado ao Vaticano para revisão, de acordo com o bispo Sergio Buenanueva, bispo auxiliar de Mendoza, que está supervisionando o processo.
Em terceiro lugar, os bispos dizem que uma das razões pelas quais levou tempo para concluir a tarefa é que eles queriam esperar por um simpósio de fevereiro de 2012 sobre a crise dos abusos sexuais que ocorreu na Universidade Gregoriana de Roma e foi organizada, em parte, para ajudar as conferências que ainda não tinham diretrizes a elaborá-las. A ideia era dar às conferências as informações de que elas precisavam para garantir que suas políticas fossem consistentes não só com as expectativas do Vaticano, mas também com as melhores práticas existentes em outras partes do mundo, como a Alemanha e os Estados Unidos.
Essa é basicamente uma afirmação digna de crédito, pois representantes de várias outras conferências com os quais falei naquele evento disseram a mesma coisa. Buenanueva disse que quando as diretrizes estiverem prontas, elas vão prever uma abordagem de “tolerância zero” em conformidade com o modelo americano.
Em quarto lugar, Oesterheld disse que outra razão pela qual o processo tomou mais tempo do que se esperava é que, durante seu mandato como presidente, Bergoglio teve “muito respeito” pelo fato de que cada bispo tem uma relação direta com o Vaticano e o desejo de não “suplantar” essa autonomia talvez seja parte da razão pela qual a elaboração de políticas comuns está levando tempo.
O mesmo respeito pela autoridade local, disse Oesterheld, provavelmente levará Francisco a apoiar uma “descentralização” mais ampla como papa em favor de uma maior liberdade de ação das igrejas e conferências episcopais locais.
Bergoglio e a “Guerra Suja”
Uma acusação específica contra Bergoglio que surgiu pela primeira vez na véspera do conclave de 2005 e voltou a aparecer após sua eleição como papa é se ele estava envolvido na prisão e tortura de dois sacerdotes jesuítas, Orlando Yorio e Franz Jalics, em 1976. Ambos estavam engajados no ministério social, e os militares suspeitavam que estivessem ligados a movimentos esquerdistas de oposição.
Essa acusação entrou basicamente em colapso à luz de uma declaração feita dia 20 de março por Jalics, que atualmente vive num convento alemão: “O fato é que Orlando Yorio e eu não fomos denunciados pelo Pe. Bergoglio”, disse ele.
Quanto à questão mais ampla da atuação de Bergoglio durante a ditadura militar, consultei o historiador Roberto Bosca, da Universidade Austral de Buenos Aires. Perguntei a respeito da relação de Bergoglio com o governo militar que assumiu o poder em março de 1976 e governou o país durante o “Processo de Reorganização Nacional”, como era chamado eufemisticamente, até dezembro de 1983.
A opinião básica de Bosca é que Bergoglio, como a maioria das pessoas na Argentina daquela época, não era nem um apoiador nem um crítico.
“Quase não há registro de qualquer coisa que ele disse ou escreveu durante aquele período seja a favor do regime, seja contra ele”, disse Bosca.
“Bergoglio não era realmente uma autoridade eclesiástica naquela época. Ele ainda não era bispo em Buenos Aires; era simplesmente o superior regional de uma ordem religiosa. A natureza de sua função não se prestava a tomadas de posição a favor ou contra o governo, e minha impressão é que durante aquele período ele estava simplesmente tentando cumprir sua tarefa”, disse Bosca.
“Se é justo perguntar que posição Bergoglio assumiu, poder-se-ia perfeitamente fazer a mesma pergunta aos integrantes de qualquer outra profissão – que posição foi assumida por um médico individualmente, ou por um mecânico, ou por um barbeiro? Além disso, não há razão para que o governo lhe desse ouvidos se ele tivesse dito qualquer coisa, porque ele não era uma autoridade suficientemente alta para ser levado a sério”, disse Bosca.
“Sua forma de enfrentar o regime foi mais ou menos a forma pela qual a maioria das pessoas na Argentina lidou com ele, ou seja, elas ainda iam ao trabalho e tentavam tocar a vida em frente”, disse ele.
Teologia da libertação
Apesar da reputação de Bergoglio de ser um oponente da Teologia da Libertação durante a década de 1970, Bosca insiste que esse não foi realmente o caso. Ele disse que Bergoglio aceitava a premissa da teologia da libertação, especialmente a opção pelos pobres, mas de uma forma “não ideológica”.
A insistência de Bergoglio em enviar sacerdotes para as favelas de Buenos Aires reflete esse instinto, disse Bosca.
Se Bergoglio se opunha a alguma coisa naquela época, disse Bosca, era dar uma bênção católica à insurgência armada. Isso não era apenas uma possibilidade teórica na Argentina, disse Bosca, à luz da ascensão do movimento dos montoneros.
Os montoneros, disse ele, eram “um movimento guerrilheiro católico” baseado em “três pilares ideológicos: o socialismo, o peronismo e a teologia da libertação”. (“Peronismo” designa as várias correntes políticas da Argentina que se inspiram no ex-presidente Juan Perón e sua esposa Eva, que pretendia construir uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo).
“Houve alguns poucos sacerdotes na Argentina que aderiram aos montoneros e se tornaram sacerdotes guerrilheiros, como Camilo Torres na Colômbia”, disse Bosca.
À medida que o regime militar argentino se arrastava, os montoneros se tornaram menos um movimento de resistência e mais um grupo terrorista urbano de esquerda, semelhante às Brigadas Vermelhas na Europa. Uma estimativa de meados da década de 1980 considerava os montoneros responsáveis por aproximadamente 6 mil mortes entre os militares, as forças policiais e a população civil durante a década anterior.
“[Bergoglio] certamente se opunha aos montoneros”, disse Bosca. “Não era oposição à teologia da libertação em si ou à opção pelos pobres.”
Casamento entre pessoas do mesmo sexo e união civil
Em 19 de março, o New York Times relatou que quando a Argentina estava se preparando para um áspero debate nacional sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2009 e 2010, Bergoglio favorecia silenciosamente uma solução conciliatória que teria incluído uniões civis de casais formados por pessoas do mesmo sexo.
Uma das fontes dessa matéria foi um jornalista argentino chamado Sergio Rubin, coautor, com Francesca Ambrogetti, de um livro de entrevistas com Bergoglio intitulado El Jesuíta. (Encontrei-me com Ambrogetti quando estive em Buenos Aires. Ela me deu a versão completa de como levou anos para que Bergoglio, que era notoriamente avesso à mídia, concordasse com a entrevista).
A versão dos eventos dada por Rubin foi prontamente negada por Miguel Woites, diretor da Agência Católica Argentina de Informações, uma agência de notícias ligada à arquidiocese de Buenos Aires. Woites insistiu que Bergoglio “jamais” seria a favor de qualquer reconhecimento legal de uniões entre pessoas do mesmo sexo e disse que a matéria do Times era “um erro total”.
Quanto a este assunto, três fontes me disseram na Argentina que o Times estava basicamente certo: Bergoglio era de fato a favor de uniões civis.
Isso foi confirmado confidencialmente por duas autoridades da conferência episcopal argentina; ambas trabalharam com Bergoglio e participaram das discussões a portas fechadas quando a conferência tentou definir sua posição.
“Bergoglio apoiava as uniões civis”, disse-me uma dessas autoridades.
Mariano de Vedia, um jornalista veterano que trabalha para o La Nación, tem coberto questões de estado/igreja na Argentina há anos e disse que podia confirmar que a posição de Bergoglio tinha sido descrita corretamente na matéria do Times.
Guillermo Villarreal, jornalista católico argentino, disse que era bem conhecido na época que a posição moderada de Bergoglio tinha a oposição do arcebispo Héctor Rúben Aguer, de La Plata, que era o líder dos falcões. A diferença não dizia respeito à questão de se opor ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas sim ao grau de ferocidade com que se deveria fazê-lo e se havia espaço para uma solução conciliatória para a questão das uniões civis.
Villarreal descreveu o impasse em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo como a única votação que Bergoglio perdeu durante os seis anos em que presidiu a conferência episcopal.
Por trás dos bastidores, fontes dizem que Bergoglio queria evitar espalhafato em torno da questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um jovem católico me contou, por exemplo, que quisera organizar uma recitação pública do rosário na véspera da votação fora do prédio do Legislativo, ciente de que apoiadores do casamento entre pessoas do mesmo sexo estariam lá e a oração seria uma provocação. Esse jovem escreveu a Bergoglio pedindo conselho, disse ele, e Bergoglio ligou diretamente para ele, sugerindo que, em vez disso, eles rezassem em casa.
Oesterheld sugeriu que Bergoglio acompanhou a linha mais dura adotada pela maioria dos integrantes da conferência episcopal, mesmo que isso não fosse seu próprio instinto.
“Naquela época, havia opiniões diferentes dentro da conferência episcopal sobre quão aberta [para soluções conciliatórias] a igreja deveria ser”. Disse Oesterheld: “O cardeal acompanhou o que a maioria queria. Ele não impôs suas próprias concepções. Ele nunca expressou publicamente suas próprias opiniões sobre o assunto, porque não queria dar a impressão de que estava minando a posição comum dos bispos.”
***
Quanto mais a gente viaja, tanto mais se sente que os problemas que a igreja enfrenta são, muitas vezes, os mesmos em toda parte. A experiência que fiz na segunda e na terça-feira em Santiago do Chile deixou isso claro para mim.
Estive no Chile para participar de uma conferência sobre comunicação patrocinada pela Pontifícia Universidade Católica do Chile e pela conferência episcopal do país. A plateia era composta principalmente por pessoas envolvidas no trabalho com meios de comunicação sobre a igreja, ou como porta-vozes da igreja, ou como jornalistas independentes, blogueiros, etc.
Apesar das diferenças óbvias em termos de cultura e geografia que separam o Chile dos Estados Unidos ou da Europa, fiquei impressionado com o fato de que as conversas pareciam misteriosamente semelhantes. Encontrei a mesma preocupação com um clima hostil por parte da imprensa, a mesma frustração com a dificuldade de contar histórias positivas sobre a igreja, que se ouve com frequência por parte de católicos no Ocidente.
Meu amigo e colega Andrea Tornielli, por exemplo, falou no mesmo dia em que publicou um artigo para o La Stampa na Itália falando de como os sacerdotes estavam registrando um aumento na demanda por confissões, que eles atribuíam ao “efeito Francisco”. Tornielli disse aos participantes da conferência em Santiago que os sacerdotes tinham lhe dito que os italianos estavam aparecendo em grande número, citando a afirmação de Francisco de que “Deus nunca se cansa de nos perdoar; nós é que nos cansamos de pedir perdão”.
Tornielli disse que num momento em que os comentaristas estão focados em outros assuntos relacionados ao novo papa, parece que “eles não entenderam o que está realmente acontecendo”.
Em toda a sala cabeças expressaram assentimento quando os chilenos disseram que a mesma coisa se aplicava aos comentários feitos lá.
O padre espanhol José María La Porte, que leciona na Universidade da Santa Cruz em Roma, dirigida pela Opus Dei, descreveu uma recente viagem que tinha feito a Cuba em que se encontrou com sacerdotes que viajam pelo interior atendendo os mais pobres dos pobres, usando um carro velho e malconservado em que têm de levar latas de gasolina porque é caro demais comprá-la ao longo do caminho, mesmo que encontrassem postos funcionando. Ele descreveu que os viu parar o carro, tirar uma mangueira de borracha e chupar nela para fazer a gasolina fluir e depois a colocar no tanque.
“Eu gostaria que pudéssemos ver histórias assim sobre sacerdotes na mídia às vezes”, disse La Porte, obtendo mais uma vez uma vigorosa concordância por parte dos chilenos, que disseram que esse tipo de história raramente aparece nos meios de comunicação em seu país.
Fui solicitado a falar sobre a unidade na igreja. Brincando, eu disse aos participantes que convidar um jornalista para falar sobre unidade é mais ou menos como convidar um terrorista para falar sobre a paz no sentido de que nosso negócio realmente não é a unidade. Se todo o mundo se entendesse, francamente, teríamos muito pouco assunto sobre o qual falar.
Tendo dito isso, contei a eles que eu tinha pensado bastante sobre a questão da unidade, talvez porque provenha de uma cultura católica nos Estados Unidos que, de muitas formas, está profundamente dividida. Apresentei meu diagnóstico usual de que, embora muita gente diga que nós, católicos americanos, estamos polarizados, a verdade é que estamos mais tribalizados.
Olhando ao redor, o que se vê são tribos diferentes: católicos contra o aborto, católicos a favor de paz-com-justiça, católicos liturgicamente tradicionalistas, católicos a favor da reforma da igreja, católicos obamistas, católicos neoconservadores, os movimentos, várias igrejas de grupos étnicos, e assim por diante. Em princípio, toda essa diversidade é um tesouro, mas ela se torna disfuncional quando essas várias tribos começam a ver uma à outra como o inimigo, e essa é, com demasiada frequência, a situação em que nos encontramos.
Sugeri que o que a igreja nos Estados Unidos precisa é de um esforço na base para construir zonas de amizade que ultrapassem as linhas divisórias das tribos, lugares onde católicos de temperamentos e perspectivas diferentes possam se encontrar, não para debater assuntos, mas apenas para se conhecerem uns aos outros.
Fiquei impressionado com o quanto tudo isso parecia encontrar eco entre os chilenos, que me disseram que muitas dessas mesmas divisões tribais também existem no quintal deles.
Durante a palestra, contei uma história sobre a viagem de Bento XVI ao Reino Unido em 2010, e, como um aparte jocoso, disse que ridicularizar o papa é uma espécie de esporte nacional lá. Dentro de segundos, alguém da plateia tinha tuitado o seguinte: “E como é no Chile?”
É claro que a Igreja Católica é uma marca global com quase 1,2 bilhão de membros, e as situações com as quais ela se depara no mundo todo são extremamente diversas. A moral da história dessa experiência que fiz no Chile, entretanto, é que às vezes nós temos mais em comum do que talvez imaginemos.
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Perguntas difíceis sobre Francisco na Argentina e uma lição aprendida no Chile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU