09 Abril 2013
Jean Raguénès morreu em São Paulo no dia 31 de janeiro de 2013, aos 80 anos. O seu nome pode não dizer muito aos jovens, exceto àqueles interessados pela longa marcha dos agricultores sem terra iniciada em 1979 no Rio Grande do Sul.
A reportagem é de Jean-Pierre Mignard, publicada no sítio da revista Témoignage Chrétien, 03-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para outros, que viveram na França do maio de 1968, ele é aquele frei dominicano, membro do Comitê de Ação da fábrica Lip, quando esta viveu um período de autogestão operária e de liberdade social, ornada por aquele slogan vivificante: "A empresa está onde estão os trabalhadores".
Contratado em 1971, desde 1973 ele se comprometeu com uma longa luta que começou por causa do plano de reestruturação da fábrica de relógios fundada por Fred Lip em Palente (perto de Besançon), luta que buscava se opor ao desmantelamento e às demissões. A fábrica, então, teria tentado a experiência, embora efêmera, de uma comunidade de "cooperadores de um mundo em criação".
O comitê de ação liderado por Jean Raguénès e por outros servia como "processador de ideias" e de vínculo entre assalariados e sindicatos, e levou ativamente à retomada da produção sob controle operário. Ele promoveu o famoso slogan: "É possível: produzir, vender, pagar", expressão de uma dinâmica comunitária nas antípodas do individualismo e do coletivismo "em que cada um desempenha um papel particular no encadeamento causal".
Ao slogan identitário dos agricultores sem terra brasileiros: "Resistir, organizar, produzir", a expressão dos operários da Lip piscava maliciosamente, uma polinização de palavras de ordem ou, melhor, talvez, de liberdades...
Uma vida pelos outros
A Lip retomou a produção, as vendas recomeçaram, e 100 mil pessoas marcharam ao lado dos "paroquianos de Palente" sob uma chuva torrencial no dia 29 de setembro de 1973. Parece ainda ressoar a injunção de Maurice Clavel, comentador inspirado daquela "sublevação de vida": "Não esperem mudanças senão da sua busca, esquerdistas preguiçosos".
O compromisso de algumas personalidades eminentes da vida empresarial social e cristã – José Bidegain, Antoine Riboud e Renaud Gillet –, sem esquecer, evidentemente, o verdadeiro cúmplice, Claude Neuschwander, ofereceu alguns anos de fôlego para a empresa, que voltou a ser classicamente capitalista e dirigida por um patrão em um mundo econômico em mudança irreversível.
A história de Jean Raguénès, bretão nascido em 1932, que entrou tarde nos Carmelitas e depois na Ordem dos Pregadores, é um percurso de fé, de fogo e de amizade pelos outros.
Devemos saber em que circunstâncias, ou por graça de quem, ao invés, esse ex-capelão do centro Saint-Yves, da Faculdade de Direito de Paris, transformou em maio de 1968, juntamente com outros "pilares" (Henri Burin des Roziers e Bernard Rettenbach), esse lugar "em ponto de resistência e de utopia estudantil" para continuar o seu próprio percurso em uma fábrica do leste da França que se tornou o sonho a olhos abertos da autonomia operária, depois literalmente como irmão hospitalar no Brasil dos "miseráveis abandonados, fugitivos do trabalho escravo ou sem trabalho", como escreve Henri Burin des Roziers, seu "irmão em São Domingos".
Um fogo que nunca se apaga
Jean Raguénès era cego desde os 12 anos de idade e o foi até o último suspiro. Ele ofereceu o que podia para as crianças de rua de São Paulo. Ele não via mais, mas sentia de mais longe, certamente "mais fortemente" do que nós que vemos e, em todo caso, muito além do que a nossa época nos permite apenas vislumbrar.
A sua vida, verdadeira dedicação aos outros, totalmente inclinada ao "desenvolvimento integral e total de todo homem e de todos os homens e, em primeiro lugar, o desenvolvimento da pessoa", na esperança da Populorum Progressio (encíclica de Paulo VI sobre o desenvolvimento humano, de 1967), testemunha toneladas de generosidade e de determinação.
Na nossa obscuridade, Jean Raguénès é uma daquelas pessoas que acendem o fogo. Retomemos para ele, curvando-se com ternura, as palavras do fundador histórico da sua ordem, o luminoso Domingos de Gusmão: "Que Deus não permita que ele seja enterrado em outro lugar que não sob os pés dos seus irmãos".
Aos freis dominicanos da província francesa, a Témoignage Chrétien expressa a sua dor e a sua profunda gratidão pelo maravilhoso exemplo que Jean Raguénès nos deixa. Ele acendeu um fogo que não se apaga. Que ainda arde na Comissão Pastoral da Terra, lá no Brasil.
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Jean Raguénès, o fogo que nunca se apaga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU