Por: Cesar Sanson | 31 Março 2013
Das 380 palavras usadas pelos moradores do município de Angicos, localizado a 194 km de Natal em 1963, FELICIDADE não foi identificada pelo grupo de educadores que implantaram na época o método de alfabetização 40 Horas de Angicos, pensado e implementado pelo educador Paulo Freire. Nas palavras usadas no dia a dia das 300 pessoas que se matricularam na primeira turma da experiência, DEUS, PROMESSA, ESMOLA, CHUVA, BRANCO, PRETO, TRISTE, ALVOROÇO, MEDO, CORAGEM, CONFORMAÇÃO e INVERNO eram algumas das que se destacavam. Esse universo restrito de formação ortográfica (assim como a falta de outras, como FELICIDADE) podem construir, ainda hoje com uma distância de exatos 50 anos o cenário social, cultural e religioso do grupo que conseguiu decodificar, após as 40 horas de estudo, muitas das palavras que verbalizava no cotidiano.
A reportagem é de Cledivânia Pereira e publicada pelo jornal Tribuna do Norte, 31-03-2013.
Pensado e estruturado pelo educador pernambucano Paulo Freire, o método de alfabetização testado em Angicos tinha um objetivo ousado: alfabetizar adultos de forma rápida e barata. E o primeiro passo era o de catalogar as palavras usadas pelo grupo de alunos, pois essas embasariam as aulas. Na próxima terça-feira, dia 2 de abril, a entrega dos diplomas de alfabetização dessa primeira turma completa meio século.
A comemoração da data será bem mais singela que o evento montado no dia da formatura 02 de abril de 1963. Na solenidade estavam presentes o presidente da República, João Goulart, o governador do RN Aluízio Alves, o secretário estadual de Educação, Calazans Fernandes, ministros de Estado, governadores do Nordeste, os 12 monitores do projeto entre os quais o advogado Marcos Guerra, os 300 alunos e suas famílias.
No grupo das autoridades uma presença chamava a atenção. Fardado, lá estava o general Castelo Branco, que um ano após aquela aula de conclusão de curso assumiu a presidência da República com o golpe militar de 1964. Ele não fez pronunciamento público no encontro, mas disse a Calazans Fernandes que o projeto estava engordando cascavéis. Um ano depois, um dos atos de Castelo Branco após sua posse foi o de desarticular o grupo do educador Paulo Freire, que foi preso e exilado. O advogado Marcos Guerra, coordenador do projeto de Angicos, também foi preso e exilado.
Com a prisão dos educadores e a desarticulação do grupo, o projeto foi impedido de ser expandido no Brasil e as primeiras experiências do RN foram extintas.
Nesses últimos 50 anos a experiência de Angicos foi base de alguns estudos acadêmicos, citados milhares de vezes nas cadeiras de Educação nas universidades pelo mundo, tida como referência por, pelo menos, 50 países, mas não houve, até agora, uma releitura ou apropriação do método para a implementação em grande escala como era o objetivo da época. O projeto é atual, precisa ser revisitado e atualizado. Mas está lá, pronto. Porque Paulo Freire não preparou um método de alfabetização. E sim um método de aprendizagem. De como conhecer. E isso não mudou, avalia Marcos Guerra.
Estudo
Em 2002, a educadora Nilcéa Lemos Pelandré analisou os efeitos a longo prazo do método de alfabetização. Após entrevistar alunos que se alfabetizaram em 1963, a estudiosa descreveu que os participantes aprenderam a escrever palavras isoladas e frases simples e curtas. A aprendizagem mais significativa, sendo a pesquisadora, foi a elevação da autoestima e a consciência de não se sentirem mais excluídos do mundo letrado.
ESPERANÇA estava entre as palavras catalogadas pelos coordenadores do curso de alfabetização em Angicos. ESPERANÇA de dias melhores, ESPERANÇA de entender melhor o mundo, como bem sintetizou o aluno Antônio Silva, à época com 51 anos, que falou em nome da turma às autoridades presentes: Temos muita necessidade das coisas que nós não sabia, e que hoje estamos sabendo. Em outra hora, nós era massa, hoje já não somos mais, estamos sendo povo.
2013: Ano Paulo Freire no RN
A governadora Rosalba Ciarlini decretou 2013 como o Ano Paulo Freire da Educação do RN. O decreto institui uma Comissão Executiva com a finalidade de cumprir algumas metas, entre elas, destacar a memória e a experiência de Angicos.
PROGRAMAÇÃO
A Secretaria de Estado da Educação também programou conferências e apresentações culturais nos dias 2 e 3 de abril. Veja detalhes:
2 de Abril
14h30 - Auditório Central do Campus de Angicos
- Apresentação cultural: cordelista Hailton Mangabeira
- Abertura Oficial
- Assinatura da Ordem de Serviço para construção do Memorial Paulo Freire: Museu e Centro de Formação pelo Magnífico Reitor da UFERSA
- Lançamento do Pacto Paulo Freire pela Educação de Jovens e Adultos pela Secretária de Educação do Estado do RN, Prof.ª Betania Leite Ramalho e Instituições parceiras.
16h30 - Conferência com Dr. Marcos José de Castro Guerra (ex-Coordenador de Círculo de Cultura): AS 40 HORAS DE ANGICOS: VÍTIMAS DA GUERRA FRIA?
19h - Escola Estadual José Rufino
- Apresentação Cultural: Atração musical regional e apresentação da peça Paulo Freire (Alunos de escolas públicas estaduais. Direção do Prof. Cláudio Cavalcante).
- Exibição do filme as 40 Horas de Angicos e Documentário produzido pelo Núcleo de Referência da História e Memória da EJA (NUHMEJA) da UFRN com entrevistas a ex-alfabetizandos
- Círculo de Cultura
3 de Abril
Local: Auditório Central do Campus de Angicos
8h às 8h30 - Lançamento da Revista de Informação do Semiárido (RISA) Edição Especial Angicos 50 depois do trabalho pioneiro de Paulo Freire nas 40 Horas
8h30 às 10h20 - Mesa Redonda: As 40 Horas de Angicos, Paulo Freire e sua influência nas práticas de Educação de Adultos no Brasil e em Portugal
- Composição da Mesa: Prof. Dr. Moacir Gadotti (Instituto Paulo Freire/Brasil) e Joaquim Alcoforado (Universidade de Coimbra/Portugal); mediação: Prof.ª Rita Diana de Freitas Gurgel.
10h40 às 13h00 - Círculo de Cultura: Relatos das experiências dos ex-Coordenadores dos Círculos de Cultura e ex-Educandos das 40 Horas
15h - Concessão de Título de Cidadão Angicano aos ex-Coordenadores dos Círculos de Cultura e homenagens póstumas pela Câmara Municipal de Angicos.
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Angicos: as 40 horas que mudaram vidas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU