31 Março 2013
O programa do Papa Francisco está contido na série de discursos que o então arcebispo de Buenos Aires pronunciou em uma das assembleias plenárias dos purpurados, realizada às vésperas do conclave. É um discurso que martela duramente contra a autorreferencialidade da Igreja, faz referência à possibilidade de reformas e indica a necessidade de um pontífice capaz de levar a Igreja à periferia, com uma mensagem de "doce alegria".
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 28-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem divulgou isso em Cuba foi o cardeal Jaime Ortega, explicando que pedira o texto a Bergoglio durante o pré-conclave. (E não há dúvida de que, depois, Ortega o fez circular entre os cardeais-eleitores). Conciso, articulado em poucos pontos, a intervenção de Bergoglio serve de prelúdio à revolução que o Papa Francisco tem em mente. E é sintomático que, quando o cardeal de Havana pediu nestes dias a permissão para publicá-lo, o neopontífice disse que sim.
Na assembleia pré-conclave, Bergoglio expõe a sua visão de Igreja e papado de modo orgânico. Evangelizar – diz – significa que a "Igreja saia de si mesma e vá para as periferias (do mundo): não só geográficas, mas também as periferias existenciais". Se, ao invés, a Igreja permanece fechada em si mesma e "se torna autorreferencial (…), ela adoece". Os males que, com o passar do tempo, se manifestam nas instituições eclesiais – continuava o então arcebispo de Buenos Aires – "têm sua raiz na autorreferencialidade, uma espécie de narcisismo teológico". A Igreja autorreferencial possui Cristo dentro de si mesma e não o deixa sair.
Em poucas frases, o então arcebispo de Buenos Aires condena nada menos do que quatro vezes a atitude de "autorreferencialidade". Na sua opinião, existem dois modelos da Igreja: a "Igreja evangelizadora, que sai de si (...) ou a Igreja mundana que vive em si, de si e para si". E aqui Bergoglio oferece uma importante visão sobre o futuro: "Isso deve dar luz às possíveis mudanças e reformas que seja preciso fazer para a salvação das almas".
Bergoglio, portanto, indica a necessidade de um papa que seja "um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo (…), ajude a Igreja a sair de si para as periferias existenciais". Uma Igreja que deve ser "mãe fecunda, que vive da doce e confortadora alegria de evangelizar".
Evidentemente, o retrato convenceu os cardeais a votar nele. Em todo caso, ajudou os purpurados, que trabalhavam por uma solução "extraeuropeia e de centro", a levá-lo ao sólio de Pedro como candidato de amplo compromisso, uma vez tendo aparecido claramente nos primeiros escrutínios que os papáveis da véspera (Scola, Scherer, Ouellet) não alcançavam um número convincente de consensos.
Jorge Bergoglio é um papa incômodo. Por enquanto, no Vaticano, todos o circundam com o obséquio devido ao novo chefe, mas o desconcerto com a sua obstinada intenção de se comportar como "bispo pobre" começa a irritar os prelados mais conservadores. No Domingo de Ramos, Francisco já havia eliminado o anel de pescador dourado, retomando aquele de prata de Buenos Aires.
A duas semanas da sua eleição, ele ainda vive na residência de Santa Marta, na suíte que de especial só tem uma sala para receber os colaboradores. A recusa de entrar no apartamento pontifício – que ele considera exageradamente grande, como disse na primeira inspeção – obriga a sua equipe a procurar uma alternativa para ele. Em suma, um papa que prega a pobreza está bem: mas, no Vaticano, um papa que quer viver em dois quartinhos não era necessário!
Alguns prelados já fizeram desaparecer em ocasiões públicas a cruz de ouro que usavam, mas não é que isso deixe todos de bom humor. De fato, a duradoura essencialidade e o estilo pobre do sucessor de Bento XVI está se tornando um sinal de alerta para aqueles que, no Vaticano, consentem com aquela "mundanidade" do consumo, que Francisco não tolera, ou que se sujam nos tráficos econômicos pouco claros ou consentem com relações íntimas masculinas ou femininas.
Do outro lado do Tibre, basta conversar por dois minutos com os bem informados e não há necessidade do dossiê secreto dos três cardeais sobre o Vatileaks para ouvir a lista daqueles que estão incomodados.
São aqueles que vivem a chegada do papa-bispo como a irrupção de um inspetor. A menção feita pelo papa na manhã do dia 27, durante a missa em Santa Marta, àqueles que falam mal dos outros, à "alegria obscura da fofoca" que equivale a "o que Judas fez" é uma outro sinal de alerta para aqueles que, na Cúria, fizeram suas tramas. Bergoglio não é como o Papa Ratzinger, que se entristecia e não agia. O pontífice jesuíta não ficará de braços cruzados.
No dia 27, na Audiência Geral, o Papa Francisco retomou o tema de "ir para as periferias da existência (...) para os nossos irmãos e irmãs (...) os mais distantes, aqueles que são esquecidos, que mais precisam de compreensão e ajuda". Depois exclamou: "Que pena tantas paróquias fechadas!".
O ponto de força de Francisco (e de preocupação para aqueles que temem as suas reformas), além disso, é o fato de que ele absolutamente não exibe sobriedade. Ele é sóbrio, e ponto final. No conclave, quando lhe perguntaram se ele aceitava o pontificado, respondeu: "Sou um grande pecador. Aceito confiando na misericórdia e na paciência de Deus".
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O papa ''pobre'' não agradará a todos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU