24 Março 2013
Com Il complesso di Telemaco, o psicanalista italiano Massimo Recalcati inverte o paradigma de Freud.
A reportagem é de Luciana Sica, publicada no jornal La Repubblica, 20-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele se sente sozinho, está perdido, mas Telêmaco não é dominado pela desconfiança. Ele nunca conheceu o seu pai, mas talvez um dia poderá reconhecê-lo. Em uma condição melancólica, com o olhar voltado para o mar, ele espera que, daquele imenso horizonte de água e de céu, "algo" retorne. Não um fúlgido herói sem zonas de sombra, mas sim um pai que saiba se indignar diante das licenciosidades dos Proci e defender os seus afetos, um homem também imperfeito, mas que não ignora como a possibilidade do amor é dada somente na presença do respeito, do empenho, do senso de responsabilidade.
Telêmaco é o novo filho que se assoma à cena cultural graças a Massimo Recalcati, um analista nada estranho à dimensão política, capaz de refletir sobre os movimentos inconscientes da experiência humana, mas também de sair dos recintos do seu saber lacaniano, eficazmente utilizado também como uma teoria crítica da sociedade.
Com Il complesso di Telemaco (subtítulo: "Pais e filhos depois do declínio do pai", Ed. Feltrinelli), Recalcati acrescenta uma brilhante peça à reflexão sobre o tema central da paternidade, sobre a sua "evaporação", segundo a expressão cunhada por Lacan no fim dos anos 1960.
É um livro estreitamente ligado a Cosa resta del padre? – título de grande sucesso reeditado várias vezes pela editora Cortina. Telêmaco, de fato, é o "justo herdeiro" de um pai vulnerável que não se propõe como um modelo exemplar ou universal, mas pode representar "um testemunho ético, singular, irrepetível" sobre a possibilidade de estar no mundo com alguma paixão, sobre a capacidade de restaurar a confiança no futuro.
E, embora a verdade que ele transmita tenha se enfraquecido, não há nenhuma nostalgia pelo pater familias, o tirano que uma vez assegurava a ordem mais repressiva, "encarnação normativa do poder transcendente de Deus".
O ícone um pouco desolador de Telêmaco, que não transgride a Lei, mas, ao contrário, a invoca, que não se delicia no niilismo, mas pede ao mundo adulto a restituição de um sentido para a vida, afasta do imaginário a figura de Édipo, do filho inconsciente e culpado. Sobre esse mito de Sófocles, Freud construiu a sistematização da psicanálise – por assim dizer, a interdição paterna ao desejo da "Coisa" materna.
Mas se os pais não proíbem o incesto e, ao invés, o promovem, anulando a diferença entre as gerações, Édipo também "evapora", torna-se uma figura incapaz de descrever o empobrecimento dos laços familiares e sociais. Não basta a sua culpa cega para decifrar o enigma da identidade juvenil, muito menos o egocentrismo de Narciso, com aquele seu espelho que se revela suicidário.
É preciso um olhar diferente sobre a crise profunda que atravessa o Ocidente e a relação entre as gerações. São necessários olhos bem abertos, como os de Telêmaco, o filho de Ulisses e Penélope, de um homem capaz de cultivar uma dimensão ética da vida e de uma mulher que – apesar do corpo afetado pelos anos – pode contar com uma figura masculina não titânica, mas profundamente humanizada.
"Telêmaco se emancipa da violência parricida de Édipo; ele busca o pai não como um rival com o qual lutar, mas sim como um desejo, uma esperança, como a possibilidade de trazer novamente a Lei para a própria terra", assim escrevia Recalcati em um artigo há alguns anos atrás.
O livro retoma e amplia essa reflexão sem exceder em tecnicismos escolares, sem colecionar citações reboantes, mas recorrendo também às sugestões do cinema: Habemus Papam e Palombella Rossa, de Nanni Moretti, para falar sobre a dificuldade de suportar o peso simbólico da função público, a afasia e o esquecimento dos Ideais; o inferno de Salò, de Pasolini, para aludir ao horror destrutivo do prazer desprovido de desejo, à degradação do corpo sem Eros.
No capítulo mais original, estão os quatro grandes intérpretes do desconforto juvenil. O protagonista do teatro freudiano, paradigma do confronto entre o velho e o novo, serve como inevitável ponto de partida: "O filho Édipo experimenta o pai como obstáculo para a realização da sua satisfação. Nesse sentido, a sua figura inspirou as grandes contestações de 1968 e de 1977".
O filho-anti-Édipo (Deleuze e Guattari), "subfigura do primeiro", dominou nos anos 1970 com a vocação do órfão, decidido a se livrar do pai, em vez de combatê-lo. Mas, no momento posterior do refluxo, quando triunfa "uma falsa horizontalidade", o filho-Narciso curva a ordem familiar à lei arbitrária dos seus caprichos, espelha-se nos objetos que consome, com o doloroso resultado do esvaziar-se de toda força vital.
É nesses anos, com a grande crise não só econômica do mundo ocidental, que Telêmaco entra em cena: é ele – um personagem da Odisseia – que "nos mostra como podemos ser filhos sem renunciar ao próprio desejo".
"O que você herdou dos seus pais, reconquista-o, se quiser possuí-lo realmente": Recalcati evoca o célebre dito de Goethe (citado por Freud) para afirmar como é crucial "o movimento de retomada do passado", o confronto com os traços paternos cicatrizados no próprio destino.
Mas, no fim de um livro tão cheio de pathos, no epílogo, o autor dá mais um passo, coloca-se em jogo, fala sobre si mesmo, sobre as intemperanças adolescentes e dos seus pais: de um pai de italiano incerto inclinado ao cuidado das suas plantas doentes, de uma mãe que não foi à escola e o encoraja a estudar.
"Quando criança, eu tinha dois heróis: Jesus e Telêmaco. Era o meu modo de meditar sobre o laço com o meu pai e sobre a sua ausência...": pouco mais de quatro páginas que emocionam, deixando uma sensação de estupor. E restituem plenamente aquele fundamento cristão de Massimo Recalcati.
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Assista abaixo a uma entrevista, em italiano, com Recalcati, realizada em 2011, quando o autor abordava a temática do seu futuro livro.
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O desaparecimento de Édipo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU