05 Março 2013
"Esses atentados estão ligados a uma facção criminosa chamada Primeiro Grupo Catarinense – PGC", diz o capitão da polícia militar de Santa Catarina ao mencinoar os atentados violentos que têm vitimado o estado.
Confira a entrevista.
Desde o ano passado, uma onda de violência assola o estado de Santa Catarina, que tem sofrido uma série de consequências em vários âmbitos da vida social. Quem estaria por trás dos atentados, que envolvem incêndios a ônibus e carros particulares, é uma facção criminosa nascida dentro dos presídios catarinenses, conhecida como PGC – ou Primeiro Grupo Catarinense. O capitão da polícia militar do estado, José Ivan Schelavin, realizou uma pesquisa sobre as facções criminosas, dentre elas o PGC, e publicou um livro intitulado A Teia do Crime Organizado (Florianópolis: Conceito Editorial, 2011). Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele fala sobre as características desse tipo de grupo criminoso e sobre a realidade no estado de Santa Catarina: “oficialmente não chegam a 11 mil vagas que temos em todos os presídios que hoje comportam cerca de 17 mil presos. Isso já mostra um problema muito grande de superlotação”, afirma ao esclarecer que os protestos em relação ao corte de regalias e a problemas pontuais é algo que envolve todo o sistema prisional brasileiro. Em resumo, destaca: “precisamos de humanização do sistema e pulso firme por parte de quem estiver no comando. Em nível nacional deveria ser trabalhada fortemente a questão da penalização, buscando a criação de uma legislação que punisse o preso, ou o egresso do sistema, a fazer parte de algum grupo criminoso”.
Graduado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, José Ivan (foto abaixo) deixa claro que todas as declarações dadas nesta entrevista são reflexões dele como pesquisador e não representam a posição das instituições as quais integra.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que há por trás dos atentados que vitimam Santa Catarina desde o ano passado? Quem são os atores e o que buscam?
José Ivan Schelavin – Esses atentados estão ligados a uma facção criminosa chamada Primeiro Grupo Catarinense – PGC. Isso é fato e já foi tornado público e reconhecido pelas autoridades. Esse grupo surgiu no ano de 2003 como forma de dissidência ao Primeiro Comando da Capital – PCC, que teria alguns de seus membros na Penitenciária Estadual de Florianópolis. Foi lá que alguns presidiários líderes em Santa Catarina começaram a se bater de frente com as lideranças ligadas ao PCC. Daí começou a disputa que acarretou na afirmação desse novo comando criminoso dentro da cadeia, de forma pequena, pontual em uma penitenciária. Mais tarde, três presos (Chico Medalha, Nelson de Lima e Sagin) que eram lideranças catarinenses na época, fundaram o PGC ainda com pouca estrutura de organização. Mais tarde esses presos foram sendo remanejados para outros presídios do estado de Santa Catarina, que tem cinco penitenciárias. E passaram a disseminar a ideia de criação dessa facção com a filiação de outros detentos para esse grupo. Essa seria a gênese do grupo, que se iniciou na Penitenciária de Florianópolis e depois passou para a Penitenciária de São Pedro de Alcântara.
IHU On-Line – E qual é a relação entre o surgimento do PGC e o corte de algumas regalias dentro das penitenciárias?
José Ivan Schelavin – Os protestos em relação ao corte de regalias e a problemas pontuais é algo que envolve todo o sistema prisional brasileiro. Em algum momento é possível, sim, que pessoas ligadas a certas lideranças se movimentaram e se manifestaram em função de alguns cortes de regalias, essas das mais absurdas possíveis. Isso faz parte da sistemática dos presídios brasileiros, mas Santa Catarina tem uma peculiaridade. É um estado relativamente pequeno, que tem um índice de resolução e enfrentamento a grupos criminosos (externos às prisões) de forma eficiente. É um dos estados do país com mais baixa taxa de homicídios e dificilmente se estruturam e se criam grupos criminosos de assalto a banco e outras iniciativas do gênero. Quando ocorrem esses crimes geralmente são com grupos que vêm de fora, que logo são presos. Temos uma taxa alta de prisão.
IHU On-Line – Como está a situação das prisões em Santa Catarina? Há superlotação?
José Ivan Schelavin – Oficialmente não chegam a 11 mil vagas que temos em todos os presídios que, hoje, comportam cerca de 17 mil presos. Isso já mostra um problema muito grande de superlotação. Esses dados estão disponíveis no sistema nacional de informações penitenciárias, ou seja, é um fato.
IHU On-Line – Que outros problemas estruturais podem ser apontados nas prisões do estado?
José Ivan Schelavin – Outro problema que envolve a questão estrutural é a postura de misturar todos os presos na mesma galeria. Vejo isso com preocupação. Ainda vivemos no interior, em um ambiente pacato. A região sul, em geral, é assim. Então, há muitos presos que estão lá por crimes menores e se misturam a outros que têm um currículo criminoso avançado e que impõem uma lei dentro do sistema. Muitos presos acabam ficando reféns dessa condição por estarem misturados nessa relação de promiscuidade com os criminosos de maior quilate. Então acabam cedendo a várias coisas, dentre elas a filiação a esse grupo chamado PGC. Alguns presídios conseguem realizar um bom exemplo desenvolvendo trabalho com os apenados. Como em Chapecó, que tem uma penitenciária agrícola, com uma massa carcerária de mil presos e onde os problemas são bem menores do que na capital e outros municípios catarinenses. Os presos precisam ter ocupação e trabalho. Eles são somente depositados e em situação de superlotação. Daí eles protestam por qualquer coisa. Aliado a tudo isso, eventualmente pode existir algum tipo de violência por parte dos agentes que lidam com essa massa carcerária.
IHU On-Line – Como se caracteriza o Primeiro Grupo Catarinense – PGC? Quais são suas principais regras?
José Ivan Schelavin – O que sei, pelas minhas pesquisas, é que essas facções copiam as regras umas das outras. O PGC se espelha muito no Comando Vermelho e no PCC. Mas muitos presos são coagidos a cumprir as ordens da facção, mesmo contra sua vontade. Por exemplo, tem apenados que saíram na dispensa de sete dias com a missão de matar alguém de fora, para cumprir uma ordem do grupo criminoso. Alguns indivíduos realizam, outros não, porque falta coragem. Não existe uma obediência cega. O que existe é a tendência de organização, de filiação e seguimento das regras estabelecidas. Outra coisa interessante é que a chefia dessas facções muda constantemente, em função de mortes, transferências, desfiliações. É algo muito dinâmico. Cada penitenciária acaba tendo uma peculiaridade.
IHU On-Line – Qual é a relação do PGC com o PCC?
José Ivan Schelavin – Competição e espelhamento são termos bem apropriados para definir essa relação. Os problemas das penitenciárias são iguais em todo o Brasil: é superlotação, falta de estrutura, violência entre os presos e entre agentes. Em relação às regalias, cada sistema tenta conter da forma que pode. Para entender os grupos/facções das penitenciárias, temos que remontar às suas origens, no final da década de 1970, no Rio de Janeiro, com o surgimento do Comando Vermelho. O PCC surgiu depois, com o aumento da massa carcerária em São Paulo, que é um estado que tem uma taxa de prisão muito alta também.
IHU On-Line – Como tem sido o trabalho da polícia militar de Santa Catarina em função dos ataques?
José Ivan Schelavin – Todo o sistema de segurança pública está mais alerta. O que precisa ser feito é que esses problemas sejam tratados com mais seriedade, no sentido de aceitar a ajuda da Força Nacional e dos presídios nacionais. Quando se dissipam essas mentes criminosas que são as lideranças, elas acabam perdendo o contato com familiares, advogados e agentes. Esse corte com a comunicação que estava sendo feita é importantíssimo. Em resumo, precisamos de humanização do sistema e pulso firme por parte de quem estiver no comando. Em nível nacional deveria ser trabalhada fortemente a questão da penalização, buscando a criação de uma legislação que punisse o preso, ou o egresso do sistema, a fazer parte de algum grupo criminoso. Na polícia militar já nos deparamos com a situação de abordar pessoas de madrugada transportando recipientes com combustível. Essas pessoas eram levadas para a delegacia e lá não se sabia de que forma iria enquadrá-la, porque não há nenhum tipo penal que trate do pertencimento a uma facção criminosa que provoque atentados. Essa necessidade de atualização legislativa é algo imperioso para que se consiga ter uma melhor resposta ao que vem ocorrendo.
IHU On-Line – Em linhas gerais, o que o senhor apresenta no livro "A teia do crime organizado"?
José Ivan Schelavin – Em 2007 fui trabalhar pela Força Nacional nos morros cariocas e fiquei durante oito meses no Complexo do Alemão. Chamou-me muito a atenção ver um poder paralelo controlando uma região a ponto de os policiais que estavam cercando o morro não poderem dar um passo para o lado do terreno deles que tiros eram disparados de cima do morro. Ficava me perguntando até quando o Estado brasileiro iria admitir que dentro do seu território tivesse grupos que comandassem, que ordenassem, que ditassem as leis. Em função disso comecei a fazer minha pesquisa, entrevistando pessoas que participaram de facções criminosas, como o Comando Vermelho. Quando voltei a Santa Catarina também acabei identificando esse problema que já existia aqui. Comecei a escrever em 2008 sobre o PGC. Aqui entrevistei um ex-preso, um egresso do sistema, que tinha feito parte do grupo e me passou diversas informações que achei importante relatar em uma publicação justamente para dar publicidade a isso e para que as autoridades como um todo se atentem a esses problemas.
IHU On-Line – Já houve alguma mudança, nesse sentido, da época da pesquisa para os dias atuais?
José Ivan Schelavin – Sim. A principal mudança foi no Rio de Janeiro. Fiquei emocionado, porque eu escrevi na época em que o Estado precisava pegar em armas para subir no morro, controlando e trocando tiros se fosse necessário, para depois subir com obras sociais e educativas. Eu estava espelhado no exemplo da Colômbia, que também fez isso. Depois acabei vendo isso acontecer de alguma forma, quando o Estado brasileiro cravou sua bandeira nacional no alto do Complexo do Alemão e no alto da Rocinha. Vi aquilo como um sinal positivo de retomada do controle. Embora o problema lá seja bem complexo porque é uma questão cultural de corrupção endêmica e envolva mais de 860 favelas.
IHU On-Line – Como você avalia o trabalho das UPPs?
José Ivan Schelavin – Quando falo em retomada do controle e do domínio pelo Estado, coloco as Unidades de Polícia Pacificadora como uma forma de estar lá presente.
IHU On-Line – E qual sua opinião sobre o possível “acordo” entre o Estado e as organizações criminosas?
José Ivan Schelavin – Em São Paulo, quando pararam as rebeliões, ouviu-se dizer que o Estado teria feito, de alguma forma, um acordo com o Marcola, que era um dos líderes do PCC. Mas isso é difícil de afirmar, em função das peculiaridades de cada situação. O que sabemos é que, eventualmente, esses grupos acabam tendo algum tipo de expressão e em alguns pontos o Estado acaba cedendo no sentido de mudança ou de flexibilização para melhorar a questão estrutural. Os fatos negativos que ainda acontecem no Brasil e aqui no nosso estado são lições para aprendermos e melhorar. Afinal, toda crise gera oportunidade.
IHU On-Line – Em que medida facções ou grupos como o PGC se tornam meios de sobrevivência para presos e criminosos?
José Ivan Schelavin – Eu rechaço um pouco essa ideia da facção como meio de sobrevivência. No entanto, é preciso admitir que o preso, eventualmente, tem que fazer certos malabarismos no sentido da adaptação e do convívio em determinados estabelecimentos prisionais, mas isso depende de cada caso. A mortandade tem se dado mais na disputa de poder entre presos e não no ato do preso não seguir as regras da facção ou se manter neutro. Não podemos dizer que é uma estratégia de sobrevivência a filiação a esses grupos. Eu ouvi de alguns presos que não cumpriram a ordem dada pela facção à qual pertenciam e não foram mortos por conta disso. O que também pode acontecer, porque é um sistema violento e bruto, onde não se medem as consequências e se age pela força.
IHU On-Line – Quais os principais impactos e consequências que essa onda de violência provoca em Santa Catarina?
José Ivan Schelavin – Os locais que sofreram mais impactos foram a capital e a cidade de Joinville, que tiveram a onda de ataques maior. Há um impacto na economia, na decisão das pessoas de saírem à noite, altera o direito de ir e vir, aumenta a sensação de insegurança. Mas tudo isso é uma oportunidade para a polícia ficar mais atenta e fazer o seu dever.
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Facções criminosas: umas copiam as regras das outras. Entrevista especial com José Ivan Schelavin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU