27 Fevereiro 2013
Tudo começou com uma entrevista com o então líder da Congregação da Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, em 1992. O encontro mudou a vida do jornalista alemão Peter Seewald, que, comunista, converteu-se de novo ao catolicismo e tornou-se o biógrafo do Pontífice. Da série de entrevistas, que prosseguiram depois que Ratzinger foi eleito Papa, surgiram os livros “O sal da terra”, “Deus e o mundo” e “Luz do mundo”, traduzidos para mais de 20 idiomas, com mais de um milhão de exemplares vendidos, best-sellers que mostram uma imagem diferente, bastante pessoal, do Pontífice que deixa o Trono de São Pedro esta semana.
A entrevista é de Graça Magalhães-Ruether e publicada pelo jornal O Globo, 27-02-2013.
Eis a entrevista.
Quando o senhor esteve com o Papa pela última vez, notou que ele pretendia renunciar?
Percebi que ele demonstrava estar esgotado. Parecia ter envelhecido. Estava com problemas de vista e aparentava ter perdido a energia. Ele falou sobre o terceiro volume de sua obra sobre Jesus como se fosse seu último livro. Disse que era um homem idoso, que perdia as forças. Mesmo assim, fiquei surpreso com a renúncia, dez semanas depois do encontro. Nessa conversa, para preparar uma biografia, falamos sobre a sua vida, desde a juventude, sobre o relacionamento que tinha com os pais, a era nazista, como ele desertou da Wehrmacht (o exército de Hitler) e sobre o início da vida como padre.
Ele falou algo sobre as intrigas na Cúria?
Falou, mas em um encontro anterior que tivemos, em agosto, na sua residência de verão. Ele disse que não conseguia compreender o objetivo do vazamento de informações por meio do seu mordomo, o caso chamado de VatiLeaks. Mas fez questão de dizer que o caso deveria ser julgado pela Justiça, e não por ele. Ele nunca procurou exercer poder, ficava de fora das intrigas do Vaticano. O Papa vivia com a humildade de um monge. Bento XVI nunca foi um manager, mas não é certo dizer que ele não governou no Vaticano. Ele mandou transferir milhões de euros para os programas de combate à Aids na Africa, reorganizou o Banco do Vaticano. Mas ele também admitiu erros, como o de ter reabilitado o bispo Richard Williamson, da Fraternidade de São Pio X. E seu maior sofrimento foram os casos de pedofilia, que combateu mandando punir os culpados.
Qual é o legado de Bento XVI?
Foi muito importante o diálogo com outras religiões, a visita a uma sinagoga, a uma mesquita e ao mosteiro de Martinho Lutero, o berço do protestantismo, como fez em visita à Alemanha. Bento XVI nunca teve problema com pessoas que pensavam de forma diferente da sua, pois ele mesmo era controverso como teólogo. E ele foi o Papa que escreveu uma grande obra. Nenhum, antes dele, deixou como legado uma obra tão monumental sobre Jesus Cristo. Ele é o mais bem sucedido teólogo da Alemanha. Quando era chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, muitos o chamavam de inquisidor, mas ele era um perseguido, que nunca falava mal daqueles que discordavam dele, nem de Hans Küng, que, há muitos anos, era um dos seus maiores críticos. Bento XVI vai entrar para a História como um Papa que cultivou as origens do cristianismo e fez com que outras religiões cristãs não vissem mais no Vaticano um concorrente, e sim um símbolo da unidade. E como o Papa que mais criticou o abismo entre ricos e pobres, a miséria nos países pobres e as guerras do Ocidente.
O que o senhor espera do próximo Papa?
Ele vai ter, com certeza, estilo próprio. Vai trazer carisma e prosseguir a grande herança de João Paulo II e Bento XVI. Mas a principal tarefa de um Papa é dar à Igreja e ao mundo uma boa palavra, que ajude a encontrar orientação nessa época em diversos aspectos confusa. A palavra do amor, da verdade. E isso é difícil, levando em consideração o paganismo, que está ficando cada vez mais forte, e o ateísmo, que adquire formas cada vez mais agressivas. Isso é o que interessa às pessoas. Uma palavra que venha de uma oração, de uma ligação intensiva com Jesus. Isso queremos ouvir de um Papa.
E quanto à reforma da Igreja?
Eu acho que as discussões sobre a reforma interna da Igreja Católica tiveram um efeito negativo, paralisador. Eu não acho, também, que o fim do celibato ou a abertura do sacerdócio para as mulheres ajudaria a melhorar a situação. As pessoas não iriam mais à igreja se os padres fossem casados ou se as missas fossem rezadas por mulheres. Aqui na Alemanha, a Igreja Luterana tem mais perdas de fiéis, embora já tenha feito, há séculos, essas reformas.
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‘Maior sofrimento do Papa foram os casos de pedofilia’, diz biógrafo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU