24 Fevereiro 2013
Se começarmos a contagem em 1295, quando o Papa Bonifácio VIII exigiu pela primeira vez que os cardeais, para eleger um papa, fossem trancados em um quarto, a iminente edição de 2013 será o 75º conclave da história da Igreja Católica. Em certo nível, portanto, é possível dizer que já vimos isso antes, mais recentemente há oito anos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 22-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De muitas maneiras, o conclave de 2013 parecerá idêntico aos que vieram antes: a mesma procissão até a Capela Sistina, a mesma fumaça preta e branca, o mesmo momento Habemus Papam em que o novo papa foi escolhido. (Curiosidade: segundo a tradição, o anúncio é feito pelo protodiácono, ou seja, o cardeal sênior na ordem dos diáconos, que desta vez é o cardeal francês Jean-Louis Tauran. Ele deve ser o homem que irá sair até a varanda para dar a notícia – a menos, é claro, que ele mesmo seja eleito).
Apesar dos ecos do passado, há diversas características únicas sobre este conclave que alteram a política e, talvez, sugerem um processo mais longo e mais difícil. Com isso, eis as 10 principais diferenças da edição de 2013 da eleição papal.
A diferença mais óbvia é que, pela primeira vez em 600 anos, os cardeais irão eleger um papa após uma renúncia, em vez da morte. Processualmente, isso não muda nada; é a mesma sede vacante, as mesmas regras para cada rodada de votação (conhecidas como "escrutínio"), e assim por diante. Psicologicamente, no entanto, o contraste é enorme.
Quando qualquer grande líder mundial morre, ainda mais o papa, o ar geralmente fica repleto de homenagens e desabafos de pesar e carinho. A simples decência humana implica em não falar mal dos mortos, especialmente enquanto a perda ainda é recente. Como resultado, é mais difícil que os cardeais critiquem o papado que recém-acabou – certamente em público e às vezes até mesmo entre si.
Ao separar o fim do seu papado do fim da sua vida, Bento XVI poupou aos cardeais essa pressão, permitindo-lhes expressar tanto os pontos fortes deste pontificado, mas também as suas fraquezas. Isso pode ajudá-los a chegar a uma avaliação mais equilibrada, mas também poderia complicar as deliberações e dificultar mais a identificação dos candidatos.
Outra grande consequência é que não haverá nenhuma missa fúnebre, o que significa que não haverá nenhuma plataforma para que um dos cardeais se destaque ao proferir uma homilia memorável prestando homenagem ao papa falecido. Da última vez, muitos cardeais citaram a performance de Joseph Ratzinger na liturgia fúnebre de João Paulo II, e mais amplamente a liderança de Ratzinger durante o interregno, como um fator decisivo para consolidar o apoio a ele dentro do Colégio dos Cardeais.
Apesar do que você possa ter lido, ouvindo a maioria dos cardeais, a eleição de Joseph Ratzinger em 2005 não foi um "acordo fechado" quando eles entraram na Capela Sistina para começar a votação. Os cardeais insistem que ainda estavam considerando uma grande variedade de nomes, e vários cardeais me disseram depois do fato que eles não tinham se decidido quando o show começou.
Por outro lado, todos eles relatam que todo mundo sabia que Ratzinger seria um forte candidato, e as suas deliberações pré-conclave, portanto, tinham um foco evidente. Eles sabiam que tinham que decidir se iriam apoiar o czar doutrinal de João Paulo II ou não, porque ninguém com olhos para ver poderia ter perdido os sinais do forte apoio que Ratzinger gozava.
Por consenso, não há nenhum desses pontos de referência claros, nenhum favorito óbvio desta vez. Há um certo número de candidatos que parecem plausíveis, mas nenhum que domine sobre o resto. Como resultado, as discussões pré-conclave podem não ter o mesmo foco, e pode demorar mais para que um consenso se construa.
Com a sua renúncia, Bento XVI provocou um choque maciço no sistema, rompendo com aquela que era uma espécie de convicção quase-dogmática em alguns setores segundo a qual, embora um papa tecnicamente pudesse renunciar, eles realmente não deveriam fazer isso. Como dizia o ditado, "você não pode renunciar à paternidade".
(Eu conversei com um cardeal nessa semana que estava no consistório do dia 11 de fevereiro, quando Bento XVI fez o seu anúncio histórico, e, mesmo que ele entendesse latim perfeitamente bem, ele disse que sua primeira reação foi: "Isso não pode estar acontecendo.")
Depois de já terem recebido uma enorme surpresa, talvez os cardeais vão estar mais dispostos a outras. Por exemplo, eles poderiam olhar para fora do Colégio de Cardeais em busca do próximo papa. (A última vez que isso aconteceu foi em 1378, apenas 50 anos antes do último papa a renunciar.) Nesse clima, todos os cenários-curinga parecem ser um pouco mais pensáveis.
Em abril de 2005, havia apenas dois cardeais que já haviam participado de um conclave antes, Ratzinger e William Baum, dos Estados Unidos, enquanto que desta vez há 50 veteranos.
Esse contraste pode funcionar de duas maneiras: ou ele significará que os cardeais estarão mais bem organizados e serão mais eficientes porque mais deles sabem o que é preciso; ou as deliberações serão mais prolongadas e fracionadas porque menos cardeais estão dispostos simplesmente a brincar de "siga o líder".
Em 2005, 16 dias se passaram entre a morte de João Paulo II no dia 2 de abril e a abertura do conclave no dia 18 de abril. É claro, estava claro que João Paulo II estava em declínio muito antes, mas, como ele passara muitas vezes por sustos de saúde antes e de alguma forma conseguia seguir em frente firmemente, muitos cardeais não pensavam seriamente na transição até que ele realmente morreu.
Muitos deles também não estavam em Roma quando o papa morreu, por isso alguns desses 16 dias foram necessários para as viagens.
Desta vez, porém, o anúncio da renúncia de Bento XVI ocorreu no dia 11 de fevereiro, ou seja, os cardeais poderiam começar a pensar sobre o que viria depois a partir daquele momento. Praticamente todos eles estão planejando estar em Roma para a audiência final do papa no dia 27 de fevereiro e na sua despedida no dia 28, de modo que todo o Colégio pode começar a trabalhar imediatamente depois.
Até o momento, a data precisa para o início do conclave ainda está no ar. A data mais realista, no entanto, é provavelmente o dia 9 ou 10 de março.
A linha de fundo é que os cardeais têm muito mais tempo do que em 2005 para se preparar, para ponderar vários candidatos e para se consultarem para ver quem parece ter apoio. Mais uma vez, isso poderia significar um processo mais simplificado, com os erros trabalhados com antecedência; por outro lado, poderia significar um conclave mais prolongado, já que vários blocos têm tempo para se organizar, e a mídia tem mais tempo para desenterrar o perfil dos candidatos, potencialmente levantando pontos de interrogação que possam fazer os eleitores refletirem a respeito.
A crise dos abusos sexuais de crianças já havia sido definido firmemente como uma questão definidora para os norte-americanos em 2005, mas ela realmente não entrou em erupção na Europa até 2010. Enquanto isso, o Vaticano também foi atingido por um grande número de outros episódios embaraçosos, como o escândalo Vatileaks e as persistentes alegações de corrupção financeira.
Nesse contexto, desta vez, uma parcela maior de cardeais provavelmente estará preocupada que o novo papa seja percebido como alguém de "mãos limpas".
Na prática, isso pode produzir uma espécie de fardo, em vez de benefício, da dúvida para qualquer candidato publicamente vinculado a algum tipo de escândalo. Na atmosfera de estufa do período pré-conclave, alguns cardeais provavelmente sentem que não têm tempo para separar a verdade da falsidade e podem concluir que o mais seguro a se fazer é se afastar de qualquer pessoa que pareça até mesmo potencialmente manchado.
Como um cardeal me disse outro dia com relação a um proeminente cardeal companheiro que foi identificado na imprensa italiana com negócios financeiros supostamente obscuros, "eu não sei o que realmente aconteceu, mas agora parece ser um risco grande demais".
As figuras mais importantes durante uma Sede Vacante geralmente são o decano do Colégio dos Cardeais, que preside as reuniões e lidera todas as funções públicas, e o camerlengo, que é encarregado dos assuntos eclesiais cotidianos que não podem esperar pelo próximo papa. Quando essas posições são detidas por sérios candidatos ao papado, isso pode oferecer um grande impulso para as suas perspectivas.
Como mencionado, a proeminência de Ratzinger da última vez como deão foi muitas vezes citada como um fator importante na sua eleição.
Desta vez, porém, nenhum dos "peixes grandes" realmente é considerado como um sério candidato. O cardeal Angelo Sodano, o deão, tem 85 anos e possivelmente está manchado pelas memórias da sua enérgica defesa do falecido padre mexicano Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo, que mais tarde foi considerado culpado de uma ampla gama de abuso sexual e má conduta. O camerlengo, o cardeal italiano Tarcisio Bertone, é criticado por muitos cardeais pela maioria das falhas gerenciais durante o papado de Bento XVI.
Como resultado, esses dois papéis não carregam uma vantagem política embutida desta vez, sugerindo mais uma vez um campo de jogo mais amplo e, possivelmente, mais complicado.
Quando João Paulo II emitiu suas regras para o conclave em 1996, com o documento Universi Dominici Gregis, ele incluiu uma cláusula permitindo que os cardeais elejam um papa por maioria simples dos votos, em vez dos tradicionais dois terços, se estiverem em um impasse depois de cerca de 30 votações, ou seja, mais ou menos sete dias.
Processualmente, o conclave de 2005 nunca chegou perto de invocar essa disposição, já que eles elegeram Bento XVI em apenas quatro votações. Psicologicamente, porém, alguns cardeais disseram depois que todos sabiam que aquela cláusula estava nos livros, de modo que, uma vez que o total de votos de Ratzinger ultrapassou o limiar de 50%, o resultado parecia tudo menos inevitável.
Em 2007, Bento XVI emitiu uma emenda ao documento de João Paulo II, eliminando a possibilidade de eleição por maioria simples. Desta vez, os cardeais sabem que quem quer que seja eleito deve obter o apoio de dois terços do Colégio sob quaisquer circunstâncias, o que pode significar que eles estão menos inclinados a simplesmente pular do vagão quando alguém receber metade dos votos em uma dada rodada.
Renunciando pouco antes do início da Quaresma, Bento XVI pode ter querido dar um tom penitencial ao conclave, convidando os cardeais à sobriedade espiritual e a um exame de consciência. Na prática, porém, o momento também ofereceu uma enorme plataforma para um possível sucessor: o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, que está pregando o retiro anual de Quaresma do Vaticano.
Tal cenário é realmente possível apenas com um papa renunciante. Os Exercícios Espirituais quaresmais são realizados para o papa e para a Cúria Romana. Se o papa tivesse morrido, ele obviamente não iria participar. E as autoridades da Cúria perdem seus cargos em uma Sede Vacante. A única maneira para que os Exercícios possam seguir para a frente é o papa ainda estar por aí, e os prefeitos e presidentes ainda estarem nos livros.
Segundo a maioria das análises, Ravasi está apresentando uma performance tipicamente brilhante. Ele está oferecendo três reflexões a cada dia, com base em sua experiência de biblista e de homem de profunda erudição. Um cardeal que está participando dos Exercícios me disse na última quarta-feira que, até agora, ele achou Ravasi "extremamente impressionante".
Esse veterano cardeal curial acrescentou, no entanto, que ele não sabe muito sobre Ravasi – uma declaração um tanto surpreendente, dado que Ravasi trabalha no Vaticano desde 2007. Ela reflete o perfil único de Ravasi como alguém que está no Vaticano, mas que realmente não faz parte dele, mais focado em se engajar com os mundos da arte, da ciência e da cultura do que em construir impérios eclesiásticos.
Essa reputação pode ajudar Ravasi no sentido de que ele é tudo menos um maquinador e certamente não carrega nenhuma bagagem pública relacionada a qualquer um dos recentes escândalos do Vaticano. No entanto, alguns podem se perguntar se ele seria outro papa mais interessado na vida da mente do que realmente em gerir a Igreja.
Este será o primeiro conclave a se desdobrar plena e verdadeiramente na era das mídias sociais, em meio ao Twitter, Facebook e a todas as outras novas ferramentas de comunicação existentes. As notícias e os comentários se movem muito mais rapidamente e através de muito mais canais do que ainda tão recentemente quanto 2005.
Nem todo cardeal passa o dia inteiro atualizando o seu status no Facebook e tuitando, é claro, mas eles e as pessoas ao seu redor certamente estão atentas ao que está sendo dito sobre o papa e os candidatos ao papado durante este período. Se, antigamente, os cardeais costumavam se queixar de que não sabiam o suficiente uns sobre os outros, desta vez eles provavelmente irão reclamar da sobrecarga de informações.
Além disso, as mídias sociais também criam oportunidades totalmente novas para que outros se injetem no processo – senão na votação real, certamente na fase anterior. Ativistas, especialistas, pessoas que têm interesses teológicos, políticos e até mesmo litúrgicos estão ocupando as ondas de rádio e TV e a blogosfera com força, ajudando a estabelecer o tom e a moldar o conteúdo da conversação pública.
Por mais que tentem insistir que não são influenciados por nada disso, a maioria dos cardeais, em seus momentos honestos, admitem que é difícil não sê-lo, e só isso já significa que eles terão mais do que o normal circulando pelas suas cabeças desta vez.
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Conclave 2.0: as 10 principais razões pelas quais esta versão é diferente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU