21 Fevereiro 2013
O conclave que está prestes a se abrir encontra a sua liberdade evidentemente limitada pela sombra do escândalo da pedofilia, segundo o historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, nos EUA.
Para Faggioli, “hoje é o cardeal Mahony, amanhã pode ser algum outro cardeal: tudo não com base em sentenças da magistratura (civil, não eclesiástica), mas com a base em sentenças emitidas por grupos de pressão (incluindo católicos), cujo 'senso de Igreja' foi obnubilado pela facilidade de acesso ao "mundo" que as novas mídias sociais oferecem”.
O artigo foi publicado no sítio HuffingtonPost.it, 20-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O abaixo-assinado do Catholics United – grupo de católicos próximos senão orgânicos ao Partido Democrata dos Estados Unidos – contra a participação do cardeal de Los Angeles, Mahony, dificilmente alcançará o presidente Obama em pessoa. A Casa Branca já teve muitos problemas nos últimos três anos dos bispos católicos norte-americanos com relação à lei de reforma do sistema de saúde, e o presidente não tem interesse em se deixar envolver em primeira pessoa em uma questão que enviaria aos católicos norte-americanos – também àqueles que votaram nele – outra mensagem acerca da relação ambivalente de Barack Obama com a Igreja de Roma em terra norte-americana: em particular, o "complexo católico" que o levou a encher de católicos o seu governo (do secretário de Estado, Kerry, até o chefe da CIA, Brennan).
Mas uma pressão da Casa Branca contra a participação de Mahony no conclave encontraria muitas portas abertas. O cardeal de Los Angeles será interrogado nos próximos dias pelos magistrados, mas, do ponto de vista da opinião pública, ele já está condenado. O cardeal de uma cidade como Los Angeles, desde sempre na vanguarda dos direitos dos imigrantes nos Estados Unidos, também foi condenado pela opinião pública católica. O que mais chama a atenção é que ele foi condenado não só pela opinião pública norte-americana, mas também pela italiana, agitada de modo irresponsável por uma enquete reacionária publicada online pela revista Famiglia Cristiana e pontualmente retomada pelas revistas católicas norte-americanas: um caso paradoxal e, nesse caso, bem-vindo – até mesmo pelos católicos norte-americanos com o "complexo antirromano" (como o chamava o teólogo Hans Urs von Balthasar) – de "Roma locuta, causa finita".
Um possível precedente semelhante de cardeal "indigno" é o do arcebispo de Viena, Groër, que foi acusado (mas não perseguido, porque o crime havia prescrito) de ter cometido abusos em primeira pessoa: em 1995, ele renunciou ao cargo de arcebispo da capital austríaca e, em 1998, renunciou a todos os direitos de cardeal, a pedido de João Paulo II. Morreu recluso em um mosteiro em 2003: mas, se houvesse um conclave entre 1995 e 1998, o cardeal Groër (nascido em 1919) teria sido excluído pelo colégio eleitoral pelo seu passado de child abuser.
Mas nenhum cardeal, no estado atual em 2013, foi condenado por uma magistratura por ter cometido abusos ou por ter encoberto os culpados por esses atos (um bispo norte-americano, Finn, foi condenado em 2012 por ter encoberto os abusos e, apesar dos apelos e dos abaixo-assinados, ainda é bispo de Kansas City).
O Papa Bento XVI renuncia oficialmente no dia 28 de fevereiro às 20 horas, mas a Sé Apostólica, de fato, já está vacante e deixa o governo central da Igreja Católica em uma situação grave. Em uma Igreja em que o direito – e os direitos individuais – não deveriam estar à mercê das pesquisas, até mesmo os católicos em busca de fácil publicidade deveriam lembrar a necessidade de preservar a liberdade do conclave.
Mas o conclave de 2013 reporta a Igreja de volta a mais de um século, àquele conclave de 1903 em que a eleição do cardeal Rampolla foi bloqueada pelo "direito de exclusiva" que, à época, a Santa Sé ainda reconhecia na prática ao Império Austro-Húngaro. O direito de exclusiva de hoje é ainda mais forte, porque é exercido por aquele poder generalizado que é o da mídia e que encontra uma legitimação em fatos criminais, nos dos abusos sexuais cometidos pelo clero, que dificilmente encontram advogados. Esse direito de exclusiva é exercido também por católicos: alguns convencidos de agir pela libertas ecclesiae com relação a um mundo horrorizado com o escândalo dos abusos sexuais, outros que, ao invés, agem para limitar a liberdade do conclave.
Este que escreve é um católico italiano e norte-americano que não tem nenhuma simpatia por eclesiásticos que encobriram por décadas os padres pedófilos e que tem conhecimento da gravidade do escândalo e das tentativas de muitos bispos e advogados ao seu serviço de impedir o acesso à verdade. Mas o conclave que está prestes a se abrir encontra a sua liberdade evidentemente limitada pela sombra do escândalo da pedofilia.
Hoje é o cardeal Mahony, amanhã pode ser algum outro cardeal: tudo não com base em sentenças da magistratura (civil, não eclesiástica), mas com a base em sentenças emitidas por grupos de pressão (incluindo católicos), cujo "senso de Igreja" foi obnubilado pela facilidade de acesso ao "mundo" que as novas mídias sociais oferecem.
Nesse sentido, o próximo papa deverá atualizar a constituição Universi Dominici Gregis de João Paulo II (1996), que regula a eleição do papa e recorda no parágrafo 80 que há a pena de excomunhão latae sententiae (automática) para aqueles que se tornem responsáveis por "qualquer interferência, oposição ou outra forma qualquer de intervenção, pelas quais autoridades seculares de qualquer ordem e grau, ou qualquer gênero de pessoas, em grupo ou individualmente, quisessem imiscuir-se na eleição do Romano Pontífice".
Em 1996, a internet recém havia nascido, o Facebook e o Twitter eram apenas ficção científica, e o maior perigo vinha dos meios de comunicação, que, porém, ainda estavam nas mãos de algumas elites respeitosas do último teatro do sagrado no Ocidente, a Praça de São Pedro.
O escândalo da pedofilia contribuiu para varrer com tudo isso. À luz do que aconteceu na última semana, a renúncia de Bento XVI assume um significado bem diferente, e o conclave que se abre poderia encontrar bem mais do que um cardeal indisponível para aceitar a eleição.
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A pedofilia e a liberdade do conclave. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU