19 Fevereiro 2013
Grande é a solidão do cardeal Roger Mahony, e não é a solidão do pecador. É a tristeza de quem se sente incompreendido pelo seu próximo. Posto à prova por Deus, através do calvário da "humilhação". Mas ele não tem a intenção de perder um conclave. Ele também estará lá, confirma ele em seu blog: "Não vejo a hora de ir a Roma para eleger o novo papa", assim que terminou de depor na Suprema Corte do condado de Los Angeles, aonde foi convocado no dia 23 de fevereiro: a esse tribunal ele deverá explicar, dentre outras coisas, a proteção que deu a um sacerdote acusado do estupro de 26 crianças.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 19-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os protestos provocados pela sua presença pré-anunciada no conclave não tocam no cardeal de Los Angeles. É ele que se sente vítima. E, se intercede nas suas orações, é para pedir a Deus que perdoe... quem o está "humilhando". Portanto, entre os grandes eleitores do novo papa ele também estará, um cardeal comprometido com os escândalos de pedofilia, a ponto de ter sido censurado pelo seu sucessor e removido de todo cargo operativo. Mas não excluído do conclave. Muitos católicos norte-americanos estão indignados, denunciam um escândalo no escândalo.
Quem condena Mahony são 12 mil páginas de documentos internos da diocese de Los Angeles. Arquivos secretos, até quando a Justiça norte-americana impôs a sua divulgação. Nesses documentos, estão as provas de um comportamento ainda pior do que os "encobrimentos": Mahony obstaculizou ativamente a ação da magistratura, transferindo para fora da Califórnia vários padres investigados por pedofilia, a fim de isentá-los da jurisdição que poderia condená-los.
Favorecimento, obstrução da justiça? A resposta chegará nas salas dos tribunais. São 122 os sacerdotes dessa diocese acusados de molestar crianças, um horror que durou anos.
O fato de que o comportamento de Mahony foi ignóbil foi admitido pelo seu sucessor, o atual arcebispo de Los Angeles, José Gomez. Antes, Gomez afastou Mahony de toda responsabilidade, depois acrescentou um comentário seu sobre aquelas 12 mil páginas, "São uma leitura brutal e dolorosa", declarou o arcebispo no cargo. "Lê-la foi a experiência mais triste. Não posso desfazer os erros do passado e as feridas causadas".
Mahony o rebateu com outra acusação: "Nenhuma vez o meu sucessor indicou uma única dúvida sobre os nossos procedimentos para enfrentar o problema dos abusos sexuais do clero contra menores". Uma rixa em plena regra, que aumenta a consternação dos fiéis nos EUA e a raiva de todos os observadores.
O Washington Post, em um editorial, afirmou: "O cardeal Mahony tem sorte por não estar na prisão. Sua contínua proeminência reflete a cultura de impunidade na Igreja Católica uma década depois que a sua tolerância e cumplicidade com o abuso de crianças foram reveladas".
A associação Catholics United, de tendência progressista, começou um abaixo-assinado para impedir que ao menos o cardeal vá ao conclave. No apelo da Catholics United, lê-se: "Fique em casa. Tendo posto tantas crianças em perigo, perdeu toda a sua capacidade de usar a sua voz dentro da Igreja". Uma vítima dos abusos sexuais é Manuel Vega sofreu assédios quando era coroinha. Vega disse ao Los Angeles Times: "Mahony tem as mãos sujas por ter encoberto durante anos as violências sexuais. Como ele pode participar do conclave?".
A esses protestos relativos à sua partida iminente para Roma, Mahony não fez nenhuma referência direta. No seu blog, ele se refere genericamente às "humilhações" que foi obrigado a sofrer. "Eu experimentei muitos exemplos de ser humilhado", escreve o cardeal. "Peço a graça para suportar o nível de humilhação neste momento". Palavras que, por sua vez, deram origem a fortes reações.
Um dos mais célebres blogueiros norte-americanos, Andrew Sullivan, comenta assim: "Ele está perdoando as vítimas de estupro infantil e aqueles que falam em defesa delas? A raiva me transborda".
Em outro blog, Truthdig, lê-se: "O nível de narcisismo e de insensibilidade demonstrado pelo protetor de pedófilos mostra apenas como ele está longe da realidade".
Mas os próprios fiéis que protestam contra a sua participação no conclave descobriram que o sucessor Gomez não tem o poder de proibir essa viagem a Roma. Mahony continua sendo um dos 11 cardeais norte-americanos que detêm um voto na eleição do novo papa. Ele tem 76 anos, e, portanto, o seu direito de voto expira apenas em 2016.
Há um precedente em seu favor, justamente nos Estados Unidos: no conclave de 2005 que elegeu Bento XVI, o cardeal de Boston, Bernard Law, também participou, embora tenha tido que renunciar à liderança da sua diocese por causa dos escândalos de pedofilia.
Além disso, o próprio Gomez teve alguma hesitação sobre o caso Mahony: depois de tê-lo removido das responsabilidades na diocese, ele especificou que "ele continua bispo em plena regra, pode celebrar os sacramentos e desempenhará atividades pastorais". O sucessor convidou os fiéis "a rezar por Roger Mahony, enquanto ele se prepara para ir a Roma para eleger o novo papa".
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Mahony: o desafio final do prelado que os EUA não perdoam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU