Por: Cesar Sanson | 05 Fevereiro 2013
A presidenta Dilma Rousseff visitou nesta segunda-feira o assentamento do MST Dorcelina Folador, no município de Arapongas, a 30 km de Londrina, para o lançamento do Programa Nacional de Agroindústrias na Reforma Agrária. O dirigente nacional do MST João Pedro Stedile participou do ato como representante de movimento e na ocasião concedeu entrevista ao sítio Brasil 247, 04-02-2013.
Eis a entrevista.
Com o programa da agroindústria para os assentamentos, o diálogo entre o MST e o governo pode ser destravado?
Sempre tivemos diálogo com o governo. Com todos os governos, inclusive. A questão é que estamos diante de um governo de composição de forças políticas e sociais, em que as forças do capital e do agronegócio têm muito poder nos aparatos do Estado brasileiro. E isso dificulta que esse tipo de governo tenha uma proposta clara de Reforma Agrária, que é um programa de Estado para democratizar a propriedade da terra. É um programa para o desenvolvimento da indústria nacional e de distribuição de renda. Na atual correlação de forças, não está na agenda política nem um projeto de desenvolvimento nacional nem de reformas estruturas. Não só a reforma agrária que está travada, mas também a reforma tritbutária, a reforma política, a reforma educacional. Não avança nem a pauta da reduçao da jornada para 40 horas.
Os números sobre desapropriações no atual governo são os mais tímidos dos últimos 20 anos. Ainda há condições para a atual a presidente Dilma fazer mais e melhor? Como?
Temos apresentado ao governo uma pauta com a necessidade social de emergência, que é resolver o problema dos acampados. Há mais de 80 mil famílias do MST que estão acampadas debaixo de lona preta, algumas desde o inicio do governo Lula. É preciso fazer desapropriações de latifúndios improdutivos, como manda a Constituição, para assentar as famílias nessas condições. Há mais de 120 milhões de hectares improdutivos no cadastro do Incra. Então, basta cumprir a Lei, e enfrentar os interesses políticos dos latifundiários presentes em todas as esferas. O governo precisa priorizar o assentamento dessas famílias nos projetos de irrigação no nordeste. O governo diz que terá 200 mil hectares irrigados. Ora, só ali se poderia colocar 100 mil famílias. Há também o tema do limite que o Brasil precisa colocar na compra de terras por estrangeiros. O governo precisa dar um sinal claro nesse sentido. Por exemplo, o sr Dantas comprou em apenas três anos mais de 600 mil hectares de terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de investimentos dos americanos. Com isso, é claro que vai se agravar os conflitos pela terra no sul do Pará. O governo precisa interferir e sinalizar, que não vai tolerar a concentração da propriedade da terra por capitais especulativos estrangeiros.
Quais são as metas mais importantes a serem cumpridas no setor de reforma agrária, pelo governo, este ano, segumdo o ponto de vista do MST?
Resolvido o problema emergencial das famílias acampadas, que é um problema social - diante de um governo de composição que impossibilita uma reforma agrária estrutural combinada com um projeto de desenvolvimento nacional - precisamos então desenvolver políticas públicas, que consigam favorecer a produção de alimentos, sadios, e a agricultura familiar. Assim, desenvolver um novo modelo agrícola de produção, que gere emprego e renda para os trabalhadores. O agronegócio como modelo de produção é concentrador da terra e da produção. Produz só na base do monocultivo, desequilibrando o meio ambiente, e só produz com muito veneno. Nós queremos e apresentamos ao governo propostas de programas que incentivem a produção de alimentos saídos, para o mercado interno, e sem uso de agrotóxicos. Programas que garantam a compra da produção dos agricultores familiares. Programas que levem a instalar pequenas agroindústrias em todos os municípios e povoados do interior, como forma de beneficiamento dos alimentos, geração de empregos para a juventude. Assim vamos fixar a população no meio rural, distribuindo renda e melhorando a vida da população do meio rural. Não apenas de meia dúzia, como faz o agronegocio, que dá lucro para apenas 1% da população do meio rural.
O senhor tem criticado os técnicos do governo. É possível superar a barreira de burocracia? O entendimento está melhor hoje ou pior do que antes?
Há uma burocracia instalada no Estado brasileiro, que é um aparelho organizado apenas para beneficiar os ricos, a burguesia. Então, pela lógica normal de funcionamento dele, todos os programas que se destinam aos pobres, aos trabalhadores, esbarram nessa burocracia, que é de classe. Por isso, há programas bons que acordamos com o centro de governo e depois não chegam aos trabalhadores. Por exemplo: em abril de 2011, a Presidenta deu a ideia e determinou que para resolver o passivo das 180 mil casas que faltam nos assentamentos, a maneira mais barata e rápida seria enquadrá-los no programa "Minha casa, minha vida", da Caixa. Nós achamos muito interessante. Era uma ótima alternativa. Até hoje, passados dois anos, não saiu ainda a portaria, que é uma página de ofício A4, que qualquer funcionário poderia digitar e o ministro das cidades assinar, para que a CAIXA possa implementar. Então, o resultado é que 180 mil famílias tem terra, mas continuam morando em barracos. Na área do crédito rural, da mesma forma. Já provamos: o PRONAF só atende os pequenos agricultores remediados. Por isso, não consegue ultrapassar o patamar dos 25% do total de pequenos. Entre os assentados, 8% deles tiveram acesso.
Com isso, precisamos planejar outro formato de crédito rural para os camponeses mais pobres. Poderia ser vinculado à compra antecipada da CONAB, que seria mais prático e vinculado à produção. Outro exemplo é a comercialização dos alimentos. Durante o governo Lula tivemos duas conquistas importantíssimas. Uma foi garantir que 30% de toda merenda escolar em todo país fosse abastecida por produtos da agricultura familiar do próprio município. A outro foi o programa de compra de alimentos pela CONAB, que depois destina a entidades ou serviços públicos, o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Esses programas são ótimos e necessários. Mas esbarram na falta de recursos (só porque é para pequeno...) e na burocracia, falta de servidores e má vontade dos gestores na ponta. Resultado: de um universo de 4 milhões de pequenos agricultores que poderiam se beneficiar, com a lei existente, menos de 300 mil tem acesso. Então, a Presidenta vai ter que mexer nos métodos administrativos e na vontade política do segundo escalão.
Qual a importância do Programa da Agroindústria?
O programa de agroindústria para os assentamentos é fundamental. É a principal forma que temos de instalar pequenas e médias unidades industriais no interior, dentro dos assentamentos. Viabiliza agregar valor aos produtos, aumentando a renda dos assentados, e gerar empregos fora da lavoura, que exigem conhecimento especializado e assim absorvem a juventude do campo. Com isso, gera novas relações sociais, pois uma unidade de agroindústria precisa ser na forma de cooperação do trabalho, o que muda a cultura e a cabeça das pessoas. Estamos negociando com o governo há mais de três anos. E somente foi possível uma brechinha, por que encontramos servidores no Incra e no BNDES que tiverem visão política e sensibilidade social. Nesse primeiro passo esperamos implementar pelo menos três projetos de agroindústrias por estado. Mas ainda é muito pouco. Espero que nos próximos anos se formalize um programa mais leve, menos burocrático, mais rápido. Poderia envolver também a Caixa, que é um banco público e tem maior capilaridade por todo território nacional. Então, vemos esse lançamento do programa como um primeiro passo, para depois avançar para universalizar o seu acesso a todas as áreas de reforma agrária e pequenos agricultores. A agroindústria é uma necessidade para a geração de renda, fixação das pessoas no campo, com qualidade de vida. Ninguém sai da pobreza produzindo matéria-prima para as empresas do agronegócio e transnacionais ganharem dinheiro, como acontece agora.
E a questão da mecanização agrícola?
É outra área fundamental para o progresso e o desenvolvimento sustentável. O atual padrão de mecanização da produção agrícola é todo dominado pelas empresas multinacionais e pelo padrão da economia americana, que produz grandes máquinas para grandes áreas buscarem escala econômica e lucro máximo. Com isso, agridem o meio ambiente e desequilibram a biodiversidade, para ficar com no mínimo 20% de toda a renda agrícola. O estudo de custo de produção da CONAB de todos os produtos agrícolas no Brasil aponta que a indústria de maquinas fica com 20% da renda e outros 20% vão para os fabricantes de venenos. Então, mesmo os fazendeiros são ignorantes e não enxergam que 40% de toda a sua renda está sendo transferida para o capital estrangeiro. A alternativa é o governo criar uma empresa pública de pesquisa, ciência e tecnologia para novas máquinas agrícolas voltadas para o pequeno agricultor. Seria uma Embrapa das máquinas. E aí os pesquisadores criam os protótipos, para lavração, capina, colheita, beneficiamento, na pequena unidade de produção e a indústria brasileira passaria a multiplicar. Com isso, reduzimos o sacrifício das pessoas e aumentamos a produtividade do trabalho na lavoura. Espero que a Presidenta tenha visão estratégica sobre a importância de implementar um programa assim.
Qual é o atual estágio do histórico processo de violência no campo? A Justiça está mais eficaz? Os conflitos estão aumentando, se reduzindo ou permanecem nos altos patamares de sempre?
Na medida em que a sociedade brasileira vai se democratizando e as forças sociais melhoram sua capacidade organização, a truculência dos latifundiários diminui. Por isso, o padrão de violência, de trabalho de escravo, perseguições e assassinatos, tem diminuído. Embora sempre aqui e acolá se repitam vergonhosamente. Nos últimos dois meses perdemos dois líderes locais, que se dedicavam inclusive à agroecologia, o companheiro Mamede em Belém e o companheiro Cícero em Campos, no Rio. Assassinados, no caso, pelo conluio entre o poder econômico, ávido pela especulação imobiliária. Há ainda uma impunidade impressionante no Poder Judiciário, que continua como fiel escudeiro dos interesses da burguesia, defendem em primeiro lugar a propriedade de bens materiais, e depois a vida das pessoas. Dos mais de 1600 casos de assassinatos no campo, depois da redemocratização, apenas 80 deles chegaram a juri popular.
Nesse sentido, nossa avaliação é que agora a repressão aos movimentos sociais não é mais pela truculência física. Agora a maior repressão é feita ideologicamente e de forma preventiva. Os autores são o Poder Judiciário, que nos discrimina em todas as questões, e pela imprensa burguesa. A grande mídia faz uma campanha permanente contra os sem-terra, povos indígenas, sem-teto, quilombolas e contra todos os que fazem luta social. Constroem uma visão distorcida e discriminadora para a população que só vê TV, contra os que lutam.
Hoje, qual é o ser balanço de resultados da ação do MST? Quantos já são os assentandos, quantos ainda precisam de terra? Quanto se está produzindo nos assentamentos, quantos assentamentos ainda não conseguem produzir?
Apesar da paralisação das desapropriações nos últimos dois anos do governo Dilma - que se não se recuperar, vai colocá-la entre os piores governos nesse quesito, comparado apenas aos governos militares - o balanço histórico é positivo. Nesses quase trinta anos de redemocratização, mais de 800 mil famílias conquistaram terra, trabalho, escola, moradia digna, alimentação sadia e dignidade. Caso contrário, estariam nas periferias das cidades, enfrentando um inferno. Por mais que muitas dessas famílias ainda continuem pobres, tem dignidade, tem trabalho e podem educar seus filhos com cidadania. Nossa linha para o desenvolvimento dos assentamentos prioriza a produção de alimentos e requer uma mudança no modelo tecnológico, com a adoção da agroecologia. Temos a compreensão de que é processo lento, que depende da consciência das famílias, do trabalho do MST, das políticas públicas e do apoio das entidades da sociedade. Uma verdadeira reforma agrária, casada com um projeto de desenvolvimento nacional, viabilizará assentar mais de 4 milhões de famílias, que hoje trabalham no campo e recebem os piores salários da sociedade, porque não tem terra. Muitos vivem como assalariados, posseiros, arrendatários e outros estão nas periferias das pequenas e médias cidades, com trabalhos temporários na agricultura. Há dezenas de teses e pesquisas que comprovam que todas as familias depois de assentadas, por mais dificuldades que ainda enfrentem, vivem bem melhor do que antes. E sobretudo conquistam a dignidade, que não aparece em estatística nenhuma.
O MST se sente, até aqui, um movimento vitorioso?
A sobrevivência do MST nesses trinta anos já é uma vitória. Em outros períodos da história política brasileira, os latifundiários e a classe dominante sempre conseguiram destruir todas as formas de organização dos pobres do campo. Ainda estamos longe dos nossos sonhos. Estamos numa etapa de resistência e acúmulo de experiência. E o futuro nos pertence! O latifúndio, a grande propriedade, a produção em monocultura, os agrotóxicos, a expulsão dos camponeses e a agressão ao meio ambiente, que a burguesia faz no campo buscando apenas o lucro, é o atraso. É o passado. O futuro, é uma sociedade mais justa, igualitária, produzindo alimentos para todos, sadios, sem venenos, em equilíbrio com o meio ambiente, gerando vida digna para todas as pessoas. Esse é o nosso projeto, que será vitorioso!
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Composição do governo trava reforma agrária, afirma Joao Pedro Stedile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU