30 Janeiro 2013
As duas irmãs nunca se conheceram. Elas falam línguas diferentes. Normalmente, elas estão separadas pelas diferenças de cultura e de estilo de vida, sem falar dos cerca de 1.800 quilômetros e das miríades de leis e regulamentos referentes a viagens e cruzamento de fronteiras. Mas desde o primeiro olhar no rosto da Ir. Annah Nyadombo, do Zimbábue, você não saberia disso. Ela sorri amplamente na hora em que vê a Ir. Marie-Rose Ndimbo, natural da República Democrática do Congo.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 26-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Encontrando-se pela primeira vez no fim de agosto passado, as irmãs viajaram para capital do Quênia para um encontro de teólogos africanos focado em questões éticas, convocado sob a égide de uma rede global de estudiosos católicos chamado Catholic Theological Ethics in the World Church [Ética Teológica Católica na Igreja Mundial].
É um grupo ao qual, graças a uma série de bolsas de estudos pioneiras, essas mulheres podem participar.
Nos últimos anos, o grupo obteve financiamentos para que sete mulheres africanas pudessem realizar seus doutorados em universidades católicas africanas. Ele também arranjou financiamento para que uma oitava, Nyadombo, realizasse o seu doutorado no Trinity College Dublin, na Irlanda.
Descrevendo o programa de bolsa de estudos durante o evento dos dias 21 a 23 de agosto, o padre jesuíta James Keenan, presidente da rede de ética e professor de teologia do Boston College, disse: "Se este programa tiver sucesso, estaremos olhando para o futuro da pesquisa, do estudo e da escrita teológica do continente da África".
Do lado de fora de um centro de retiros e pousada no oeste de Nairóbi, onde os participantes da conferência estavam hospedados, Nyadombo estava saltitante de alegria já que a sua companheira de estudos, Ndimbo, havia chegado para o evento. Com apenas uma palavra, as duas se abraçaram em um longo abraço. Com a ajuda de um tradutor – o padre jesuíta Peter Knox, teólogo sul-africano –, Ndimbo, francófona, e Nyadombo, anglófona, começaram a comparar as notas das suas vidas.
As semelhanças não faltam: ambas são membros de ordens religiosas femininas locais, ambas são provenientes de áreas atingidas pela pobreza e se dedicaram a se concentrar sobre questões de justiça. Ambas também têm opiniões claras sobre os desafios que as mulheres enfrentam em toda a África. Um tema comum compartilhado entre Nyadombo, Ndimbo e várias outras no programa: usar o seu status de teólogas morais para abordar o lugar da mulher na sociedade e na Igreja africanas.
Outra semelhança: a profunda experiência pessoal de alguns dos sofrimentos sociais e econômicos mais debilitantes do mundo e as jornadas pessoais de esperança e triunfo inesperados.
Em todo o continente
As mulheres do programa de eticistas teológicos vêm de países de todo o continente: Quênia, Uganda e Tanzânia, no leste; Nigéria e Camarões, no oeste; Zimbábue, no sul; e República Democrática do Congo, na África central.
Sete das oito são membros de ordens religiosas femininas diocesanas. As ordens diocesanas não são internacionais e estão sob a autoridade canônica de um bispo diocesano em particular, que tecnicamente atua como o seu superior-geral.
As jornadas de fé dessas mulheres são complexas e variadas, embebidas em lutas pessoais e sociais.
A Ir. Verônica Rop, natural do Quênia, é membro da comunidade tribal Kalenjin, do Quênia, uma das dezenas de grandes comunidades tribais que compõem o pano de fundo étnico do país.
Convertida ao catolicismo, ela foi a primeiro cristã da sua família. Segunda dos oito filhos de sua mãe – o pai teve quatro esposas –, Rop cresceu sem eletricidade e caminhava cinco quilômetros de ida e volta à escola.
Rop é de Eldoret, uma cidade de rápido crescimento do oeste do Quênia, perto da fronteira com a Uganda. Sendo a primeira pessoa da família a terminar o Ensino Médio, ela logo se juntou a uma comunidade local de religiosas, as Irmãs da Assunção de Eldoret.
A Ir. Wilhelmina Uhai, que é da Tanzânia, vizinha ao sul do Quênia, teve uma formação quase oposta. Seus pais são católicos, e ela recordou como eles nunca deixavam que ela ou seus irmãos começassem a comer sem primeiro rezar.
"Nós não comíamos, não dormíamos, não fazíamos nada antes das orações", disse Uhai, agora membro das Irmãzinhas de São Francisco de Assis, com sede na Uganda. "Eles me ensinaram a moral. Senão, eu realmente não me sentiria disposta a amar as questões morais e a me tornar uma teóloga moral – e uma teóloga, em primeiro lugar".
Com a ajuda do grupo de eticistas teológicos, Rop e Uhai estão fazendo o seu trabalho de doutorado na Universidade Católica da África Oriental, uma universidade pontifícia ao sul de Nairóbi.
Antes de começar os seus estudos de doutoramento, Rop estudou por oito anos nos Estados Unidos, completando o grau de bacharel em teologia e em educação especial na Barry University, de Miami.
Uhai, que terminou seu mestrado em teologia moral na Universidade Católica de Nairóbi em outubro, antes de iniciar seu trabalho de doutorado lá, primeiro concluiu programas separados em filosofia, ministério pastoral e direção espiritual. Embora tais longos estudos acadêmicos possam separar algumas pessoas da experiência de vida normal, tanto Uhai quanto Rop disseram que são as luta cotidianas dos africanos, especialmente das mulheres, que moldam o seu trabalho.
Após quase uma década no exterior, Rop disse que finalmente decidiu voltar para o Quênia, porque ela queria ver que nova perspectiva o seu tempo fora poderia ter lhe dado.
"Eu senti que os estudos que eu fiz nos Estados Unidos me deram uma plataforma para falar para as mulheres", disse Rop durante uma entrevista, enquanto se sentava em sua cadeira e ajeitava um casaco marrom que usava sobre o seu longo hábito branco.
"Eu sinto que as mulheres aqui simplesmente não têm voz", afirmou. "Eu pensei que eu tinha que voltar a usar essa plataforma. Especialmente como religiosa, a minha voz pode carregar um pouco mais de peso".
"Por que não me pronunciar?"
Diversas mulheres do programa de eticistas teológicos expressou essa responsabilidade de se pronunciar pelas mulheres em todo o continente africano.
Cada uma mencionou esse sentimento de obrigação depois de compartilhar histórias profundamente comoventes de esforço social e econômico.
A poucos minutos do início do seu primeiro encontro, Ndimbo e Nyadombo aventuraram-se do quebra-gelo tradicional a uma conversa sobre o seu trabalho – em ambos os casos, focada diretamente na ajuda aos mais necessitados.
Nyadombo, que é membro das Servas de Nossa Senhora do Monte Carmelo, em Mutare, Zimbábue, ordem religiosa diocesana de carisma carmelita, explicou que está trabalhando em um projeto de pesquisa focado no desenvolvimento de uma abordagem pastoral holística para com aqueles que sofrem de HIV/Aids. Nyadombo representa a sua abordagem com a sigla AGAPE para Acesso, Generosidade, Ação, Pessoas/Prece e Envolvimento.
"É o mesmo problema em todos os lugares", disse Ndimbo, que antes de iniciar seus estudos de doutoramento serviu como superiora da congregação das Irmãs Filhas de Maria, ordem com sede na cidade congolesa de Molegbe. Há orfanatos em todo o Congo lotados com "centenas e centenas" de órfãos do HIV/Aids, disse, e todos precisando de cuidados. Sua própria congregação abriu várias casas de acolhida para jovens mães que não podem cuidar de seus filhos.
Em sua entrevista, Uhai também focou na sua experiência de vida face a face com a pobreza e os conflitos sociais. Mas ela também se concentrou sobre questões mais amplas de desigualdade de gênero.
Após a conclusão dos seus estudos iniciais em teologia e filosofia, disse Uhai, grupos de mulheres do seu vilarejo natal pediram-lhe para dar seminários sobre como abordar alguns dos temas mais difíceis.
A maioria das mulheres que se aproximam dela são mães solteiras ou refugiadas, contou, que vivem com seus filhos na rua e se tornaram viciadas em drogas.
"Elas não têm ninguém para ajudá-las", disse Uhai. "Ninguém que fale com elas sobre como viver".
O seu status, disse, também é prejudicado em algumas culturas africanas devido à relação das mulheres e dos homens.
"Em algumas culturas, as mulheres são considerados serviçais", disse. "Você não tem palavra, você não tem direitos. Você faz tudo pelo seu marido, mas você não pode desafiar o seu marido, porque você é casada. Então, quem você é na sociedade? Você não tem voz".
Falar para e com essas mulheres, afirmou, é fundamental para a forma como ela entende o seu papel como teóloga moral.
"Deus nos chama como teólogas morais para entrar nessas situações e para ajudá-las a sair delas", disse Uhai. "Talvez, não tenhamos coisas materiais para lhes dar, mas por meio do nosso conselho ou falando sobre os problemas maiores da nossa sociedade podemos fazer alguma diferença".
Rop ecoou esse sentimento, misturando o local e o global.
Embora a sua tese de doutoramento na Universidade Católica de Nairóbi se centralize na participação das mulheres Kalenjin nos esforços de desenvolvimento humano em Eldoret, Rop identifica entre os seus modelos de vida mulheres norte-americanas como a Ir. Elizabeth Johnson, das Irmãs de São José e teóloga da Universidade de Fordham, em Nova York, conhecida pelo seu trabalho sobre as questões feministas.
Indicando um ditado africano que diz que as mulheres são a espinha dorsal da família, Rop perguntou: "Se levarmos isso a sério, e as mulheres são tão importantes, por que não nos pronunciar?".
Ela disse: "Precisamos falar e falar, falar e falar, até que sejamos ouvidas, até que nos seja dada a oportunidade de participar no que está acontecendo".
Voltando ao lado de fora da casa de retiros, onde os sorrisos irradiam no primeiro encontro das irmãs do programa de bolsas de estudos, Ndimbo encontra uma nota semelhante.
Segurando Nyadombo pelo braço, Ndimbo conta à sua nova irmã que ela se sente fortalecida pelo seu encontro.
"É muito importante que as mulheres estejam agora falando sobre essas questões", diz ela a Nyadombo. "E não é apenas pela nossa geração. Há muitas mulheres que virão depois de nós por causa dessas bolsas de estudo".
Caminhando de mãos dadas, as duas buscam mais tempo para se conectar e compartilhar as suas muitas semelhanças – sem a ajuda do tradutor.
"Não precisamos dele", brinca Nyadombo, rindo. "Vamos falar de coração para coração".
* * *
Desde que essa história foi publicada, a Ir. Annah Nyadombo, das Servas de Nossa Senhora do Monte Carmelo, defendeu com sucesso a sua tese de doutorado em teologia pelo Trinity College Dublin. Sua tese foi: "Uma abordagem pastoral holística ao HIV/Aids: A redução da estigmatização no Zimbábue". Ela deverá se formar em junho.
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Programa ajuda teólogas africanas a refletir sobre suas lutas e esperanças - Instituto Humanitas Unisinos - IHU