11 Janeiro 2013
Fundar ou não um partido? No início de fevereiro, possivelmente em Brasília, jovens, empresários, intelectuais, políticos, líderes religiosos e ambientalistas se reunirão para decidir o desdobramento institucional do Movimento por uma Nova Política, a frente suprapartidária lançada em 2011 pela ex-ministra de Meio Ambiente do governo Lula e ex-senadora Marina Silva. Trata-se do coroamento de dois anos de discussões deste grupo. A maioria é a favor de uma nova sigla, mas há resistência à ideia, principalmente entre os jovens. Se a decisão for por um partido puro-sangue, que dispute as eleições em 2014, terá que ser diferente.
A entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 11-01-2013.
É esta ideia que fez Marina Silva mudar de opinião. Quando saiu do Partido Verde, ela se opôs à criação de algo feito às pressas, para disputar as eleições em 2012. Agora diz que viu o movimento amadurecer, decantar, estar em sintonia com um ativismo moderno e espontâneo, que reconhece no mundo todo e batiza de "ativismo autoral". É formado por pessoas descontentes com a estagnação política, econômica e de valores e que não consegue fazer frente à profunda e complexa "crise civilizatória" atual.
Este novo partido, se confirmado, pode ter novidades em seu estatuto e a sustentabilidade como vértice. Poderá abrigar candidaturas livres, ter presidência de curto prazo e rotatória e até um pacto de não agressão a rivais nas disputas eleitorais.
Eis a entrevista.
A senhora irá formar um novo partido?
É importante antes resgatar o processo político daquele grupo que viveu a experiência das eleições presidenciais de 2010, nestes últimos dois anos, desde que saímos do PV. Uma parte do grupo achava que se deveria criar imediatamente um partido. Eu era contra esta proposta.
Por quê?
Argumentava que não se cria partido por causa de eleição. Naquela época a avaliação era de se fazer um partido já para concorrer em 2012. Dizíamos que deveríamos apostar em uma articulação mais ampla, transpartidária, com a proposta da sustentabilidade e de uma nova forma de fazer política. E se, no futuro, uma parte deste movimento - que é muito maior do que a dos que querem fazer um partido -, quisesse decantar um grupo para ver se havia profundidade e identidade política para criar algo que não seja apenas mais um partido, com foco apenas em mais uma eleição, que era legítimo que estas pessoas fizessem isso. Eu só iria fazer esta discussão depois das eleições de 2012.
Como a senhora participou das eleições de 2012?
Apoiando candidaturas de forma exclusivamente programática. Engraçado como as pessoas se esquecem disso. Se fosse uma perspectiva puramente eleitoreira, eu teria me envolvido com muitas campanhas e com aquelas que poderiam estar comigo no futuro. Eu me envolvi com candidaturas que nunca vão se descolar dos seus partidos de origem.
Quais, por exemplo?
Apoiei a candidatura de Durval Ângelo [candidato derrotado à Prefeitura de Contagem], que é uma pessoa orgânica do PT de Minas, não vai sair do PT, mas tem compromisso com esta agenda. O próprio Serafim [Corrêa, candidato derrotado à Prefeitura de Manaus], ligado ao PSB. O Edmilson [Rodrigues, candidato derrotado à Prefeitura de Belém], que nunca vi questionar sair do PSOL. O Heitor [Ferrer, candidato à Prefeitura em Fortaleza], que não está cogitando sair do PDT. São mais do que indícios de que se está discutindo uma proposta de visão de mundo e de país. Aquela ideia de que o importante é formar uma comunidade de pensamento que pode ser de pessoas de diferentes partidos ou que não são de partidos, da academia, de movimento sociais, mas todos refletindo sobre a crise do modelo que estamos vivendo. Esta crise civilizatória que se expressa na política, na questão ambiental, na economia, em valores, em graves problemas sociais. É apostar em um movimento oceânico.
Como assim, oceânico?
Hoje uma parte da sociedade se movimenta de uma forma meio oceânica, integrada pelo forte questionamento do que está acontecendo no Brasil e no mundo, em relação à crise civilizatória. Me impressiona muito o reducionismo que se faz da discussão de tudo isso. A eleição faz parte de um processo, dá uma forte contribuição para a mudança da cultura política, mas não é um fim em si mesmo e não é a única forma de dar essa contribuição. Tem que existir um caldo de cultura transformador. Nestes dois anos tenho participado do processo político, mas não nesta agenda do poder pelo poder. Não fiquei na cadeira cativa de candidata à Presidência da República, mas no lugar de militante socioambiental. Queremos discutir a partir de novos patamares.
Há quem fale na falta de visibilidade sua nestes dois anos.
Continuei fazendo o que sempre fiz. Tive uma agenda intensa, para mim política é um processo vivo. E agora estou diante de um movimento que, pode ter certeza, não partiu de mim. Existem inúmeras pessoas, parlamentares, lideranças, grupos sociais que têm cobrado de mim uma posição. E eu, que segurei este processo até o fim das eleições de 2012, por uma questão de respeito ao legado que eu e Guilherme Leal [empresário da Natura e vice na chapa em 2010] suscitamos, tenho que me colocar. Não poderia me omitir diante do legado consistente que temos e que está propondo algo que, se não é um novo caminho, pelo menos é uma nova maneira de caminhar na política.
Mas a maneira de interferir na política é através de um partido. A senhora está considerando...
É também através de um partido. O problema é que os partidos começaram a ter o monopólio da ação política. No Brasil, infelizmente, como não existem candidaturas livres, avulsas, como há nos Estados Unidos e na Itália, ou você está dentro destas estruturas, em seus moldes tradicionais, ou você não existe. Mas não tivemos a reforma política e é preciso cumprir os processos legais se quisermos participar da política tradicional.
O que está sendo feito?
Lideranças políticas da sociedade, que querem partido ou não, mas que querem participar da política e não ser espectadoras mas protagonistas, têm me procurado para conversar. Tenho sugerido que, no início de fevereiro, se faça uma reunião para que este movimento tome a decisão. Vai continuar como movimento da sociedade? Vai ter uma participação na política institucional?
Já tem data e lugar?
A ideia é que aconteça antes do Carnaval, possivelmente em Brasília. Estes movimentos estão antecipando discussões, fazendo manifestos, propostas de estatuto. Isso está sendo feito independentemente da minha vontade, mas acho legítimo. Durante estes dois anos houve, de fato, um adensamento, uma decantação para evitar que fosse apenas mais um partido com apenas uma perspectiva eleitoral.
A militância política está mudando?
Acho que está mudando significativamente no mundo e no Brasil também. Hoje não é mais aquele ativismo dirigido pelos partidos, pelos sindicatos, pelas organizações clássicas que tínhamos. É um ativismo diferente, que chamo de ativismo autoral. Boa parte das pessoas que integram as causas do século XXI fazem isso porque estão alinhadas com os mesmos princípios mas também pelo prazer de experimentar uma ação política produtiva, criativa e livre. Muitos sentem desconforto com a política separada da ética, a economia separada da ecologia.
Quais são estes canais?
Pode-se identificá-lo, por exemplo, nas manifestações recentes contra a corrupção, que não foram convocadas por nenhum partido político. A menina que fez aquele movimento para melhorar a escola dela é caso típico deste ativismo autoral. Os movimentos "Ocupem Wall Street". A própria campanha de 2010 foi assim, porque o PV não tinha estrutura, não tinha tempo de televisão, as pesquisas diziam que eu estava estagnada em 8%. E mesmo assim, as pessoas, autoralmente, fizeram um processo político. Isto é uma tendência no mundo. Eu estou dialogando com isso. Talvez esteja mesmo no ostracismo para o velho ativismo, de movimentos a serviço de um partido.
Pode explicar melhor?
É como se tivéssemos uma grelha com brasas: as brasas juntas produzem calor para aquecer uma pessoa, mas se estiverem separadas, irão se apagar. O que agrega as pessoas são os ideais e um dos fortes ideais hoje é a sustentabilidade. Mas entendendo a sustentabilidade não só como uma maneira de fazer, mas como uma maneira de ser, uma visão de mundo, um ideal de vida que deve perpassar a economia, a ciência, a tecnologia, a relação do homem com a natureza e consigo mesmo.
E como poderia se traduzir isso na realidade de um partido?
Se a decisão for por um partido, no meu entendimento tem que ser com esta visão antecipatória. Não dá para ser a favor da reforma política e não agregar neste novo instrumento institucional os elementos da reforma política que queremos que aconteça.
Como o quê, por exemplo?
O PT foi capaz de antecipar várias coisas no seu tempo. Naquela época os partidos se constituíam e as decisões eram tomadas pelas convenções com os delegados oficiais. O PT colocou em seu estatuto que as decisões seriam pelo pleno do partido e a convenção oficial referendaria a decisão tomada pelo pleno do partido. Foi assim até que se transformou em um partido convencional como qualquer outro, mas isso é recente. É possível, mesmo na atual legislação, ter uma política mais aberta, democratizar a democracia. E os partidos políticos têm que dar a sua contribuição.
Se o movimento decidir pela criação de um partido, como ele seria diferente dos outros?
Sou a favor, e boa parte do grupo também, das candidaturas livres. No Brasil, sem reforma política, não se consegue isso, mas dá para antecipar. O partido tem um programa e princípios, e quem está vinculado a eles poderia, mesmo não sendo orgânico do partido, ter uma legenda. Do mesmo jeito que se tem 30% para mulheres, se poderia ter, também, 30% para candidaturas respaldadas pela sociedade desde que coerentes com princípios e valores. É possível antecipar a ideia das candidaturas livres resguardando 30% de vagas para personalidades, ou pessoas de movimentos sociais, que queiram articular programaticamente uma lista de apoio e ser homologado pelo partido. Porque, para concorrer, é preciso ter uma homologação institucional.
E no financiamento?
O financiamento público de campanha hoje não é possível. Mas é possível um financiamento popular de campanha? Em vez de poucos contribuindo com muito ter muitos contribuindo com pouco? Há duas propostas sendo debatidas. Uma, que seria só pessoa física, sem limite de contribuição. Advogo a ideia de que poderia ser empresas e pessoas físicas, com teto de contribuição. Teríamos que discutir este teto.
Defenderia a reeleição?
Sou contra a reeleição para cargos executivos, que no meu entendimento é um atraso na realidade do Brasil. Poderia até ter mandato de cinco anos, mas sem direito à reeleição, porque as pessoas não fazem o que é necessário e estratégico para o interesse do país, mas fazem o que é estratégico para o interesse da sua própria reeleição. Esta é uma visão minha, não do grupo.
A legislação permite todas estas mudanças?
Com certeza. Se você estabelecer que o financiamento da campanha vai ser só de pessoa física, isso está no estatuto do partido. Se disser pessoa física e empresa, com um teto, se está no estatuto do partido, não há problema. Se alguém consegue uma lista de assinaturas o endossando, proporcional à realidade de seu município ou sua região eleitoral, por exemplo, e se essa sua plataforma é coerente com os valores do partido, pode-se homologar a filiação sabendo que esta pessoa não quer ser um militante orgânico do partido, mas é alguém que representa a sua causa. E que a sua filiação é puramente uma exigência da atual legislação, que não permite candidaturas livres.
A sustentabilidade seria o eixo do partido?
A questão da ficha limpa seria algo a priori e o compromisso com a sustentabilidade seria algo no vértice de tudo. A ética na política teria que ser condição "sine qua non", não pode ser uma bandeira. Mas, por exemplo, poderia ser um partido que tenha uma presidência por um tempo, que não seja por um tempo eterno. A cada ano, teríamos outro presidente para evitar cristalizações. O PV na Alemanha, por exemplo, tem um homem e uma mulher como presidentes. Tem coisas que já dá para fazer. Pessoas como o economista José Eli da Veiga, o cineasta Fernando Meirelles, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca não sei se vão se filiar, mas são pessoas que têm o direito de participar, de votar, de apresentar propostas. São protagonistas do processo político. Tem que ter mecanismos novos porque senão vai ser mais do mesmo. O que está se discutindo é outra coisa, é uma visão de país, de mundo, do que o século XXI exige de nós. É um esforço, ninguém tem a resposta. As coisas estão sendo produzidas nos espaços da polarização, que é estagnante.
Outra novidade?
Um partido político hoje tem que ter um pacto de não agressão. Eu posso fazer uma critica à presidente Dilma [Rousseff] ou ao [ex-]governador [José] Serra e não precisa ser no diapasão destrutivo que virou a política. Viramos a cultura da acusação e da queixa.
Há quanto tempo esta discussão vem acontecendo?
Estou repensando a ideia do partido. Não poderíamos fazer de forma só para participar da eleição de 2012. Isso aconteceu, o amadurecimento desta ideia, ao longo de dois anos. Há muitos que querem mais do que um partido, algo que seja um projeto de país. Isso não é uma decisão que será tomada agora, isso está em discussão desde que nos separamos do PV.
Mas dá tempo de participar da eleição de 2014?
Não sei se dá tempo. Me perguntaram se poderia ser mais fácil ir para um partido já existente ou fazer uma fusão. Poderia ser mais fácil, mas não o mais coerente. É preferível correr o risco de tentar manter a coerência. Se não for possível, paciência. Tentou se fazer algo que faça diferença e não um processo puramente eleitoral.
Como a senhora vê o Brasil hoje? A crise energética, por exemplo?
Infelizmente o Brasil não foi capaz de criar uma agenda do século XXI. O Brasil tem condições de dar energia diversificada e distribuída, mas não tem levado isso a cabo, e aposta em modelos que estão falidos, centralizados, dos grandes empreendimentos. Ser o país detentor da maior área de insolação do planeta e não apostar em energia solar, dá uma tristeza. Temos um modelo que não se abre aos diversos segmentos da economia.
Como a senhora vê a discussão do PIB, do quanto o Brasil cresceu. Poderia ter sido mais?
A gente não pode tratar o Brasil como se fosse uma ilha separada do mundo. O Brasil faz parte desta velha economia e está em crise junto com ela. Uma crítica que eu faço é que não se aproveita a crise para ir rumo à nova economia, mas não posso imaginar que o Brasil é uma bolha de prosperidade separada do mundo. Tanto estão errados os que estão dentro do governo e venderam a ideia de que o Brasil está imune à crise, como se a presidente Dilma pudesse fazer uma mágica e nos colocar em uma ilha de prosperidade separada do mundo. Poderíamos fazer investimentos em outra direção. Mas a presidente Dilma não tem uma varinha de condão para fazer essa mágica.
E quais são os próximos passos do movimento?
As pessoas estão conversando entre si. Parlamentares, ex-PV, ex-PT, pessoal da academia, da juventude, gente que quer partido, gente que não quer. Todos estão conversando. No início de fevereiro a ideia é ter este encontro, como uma preliminar. Feito isso, os grupos podem criar um instrumento para a política institucional. E aí há grupos se antecipando para levar propostas para a segunda parte da reunião, por causa do calendário eleitoral.
Qual é a sua posição?
Acho que amadurecemos sim. A própria forma como as coisas estão acontecendo fez uma boa decantação daquelas ideias de que se tratava de só mais um partido e que precisávamos ter alguma coisa para estar nas eleições de 2012 de qualquer forma. Agora está claro que se trata de algo maior do que um partido. É um movimento.
Se o partido sair, será de esquerda?
Na campanha, quando me perguntavam e ao Alfredo Sirkis [deputado federal do PV do Rio] se estávamos à esquerda ou à direita, dizíamos que estávamos à frente. Uma frente da sustentabilidade na política, na economia, nas instituições. É importante criar um caldo de cultura política para terminar com esta estagnação da política.
E os líderes evangélicos, como estão nesta discussão?
Ninguém está participando como líder religioso, mas como cidadão. Ninguém vem em nome de sua ONG, mas como cidadão. Estamos vendo a política como um processo novo e vivo, 2010 não tem como ser repetido. É um novo processo.
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Marina diz que proporá novo partido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU