05 Janeiro 2013
A oração não é somente súplica, mas também canto, louvor, contemplação, peregrinação no mistério, até mesmo grito ao Ausente. Ou sussurro de amor.
A reflexão é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 30-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em quatro noites de novembro de 1993, o cardeal Carlo Maria Martini dedicou a sétima edição da sua conhecidíssima "Cátedra dos não crentes" a um tema surpreendente: "A oração de quem não crê". Quem interveio primeiro foi o psicanalista Mario Trevi, que, sem hesitação, confessou que – embora não sendo crente – rezava duas vezes por dia.
Sim, porque também existe uma oração do ateu. E não se trata só da inversão do Pai Nosso operada por Hemingway em um dos seus 49 relatos com aquele terrível martelar do "Nada", extraído do poço místico de João da Cruz, mas imerso na incandescência do Nada metafísico e existencial: "Ó Nada nosso que estás no Nada, Nada seja o teu nome, Nada o teu reino...", e assim por diante, até uma blasfema Ave-Maria: "Ave Nada, cheia de nada, o Nada é convosco".
Não, há justamente um invocar que aflora também nos lábios do agnóstico, ao estilo de Zinov'ev, o autor de Cime abissali: "Suplico-te, meu Deus, tenta existir ao menos um pouco, acompanhar o que acontece, esforça-te para ver, porque viver sem testemunhas é um inferno! Eu grito: Pai meu, te suplico e clamo: existe!".
Ao estilo também de Caproni de Muro della terra: "Ah, meu Deus. Meu Deus / Por que não existes?... Deus onipotente, olha / (esforça-te), com a fúria de insistir / – ao menos – em existir".
Introduzi essa longa premissa porque não gostaria que o leitor agnóstico evitasse acompanhar esta resenha, considerando-a somente como uma questão de padres ou de praticantes, prontos a recorrer ao bom Deus esperando por um milagre, como ironizava Turgenev, que também dedicou um texto à Oração: "Qualquer que seja a coisa pela qual alguém reze, reza sempre por um milagre. Toda oração se reduz a esta: Bom Deus, concede-me que dois mais dois não seja quatro".
Na realidade, como ensinara aquela longínqua "Cátedra dos não crentes", rezar é um ato muito mais complexo e radical, tanto é que um pensador certamente não ateu, mas também não muito devoto como Wittgenstein, nas suas Anotações de 1914-1916, afirmava lapidarmente que "rezar é pensar no sentido da vida", algo parecido com a famosa assonância heideggeriana denken ist danken, "pensar é agradecer".
O curiosa referência à etimologia de "oração", "orare" ad os, "boca", não é somente para imaginar um beijo lançado à divindade, mas também para se referir a uma respiração, uma alusão recolhida pela tradição e assim formalizada por Kierkegaard no seu diário: "Justamente, os antigos diziam que rezar é respirar. Aqui se vê quão tolo é querer falar de um 'porquê'. Por que eu respiro? Porque senão morreria. Assim também com a oração".
Respiro da alma, portanto, que reconhece o seu limite criatural e que invoca o ar da transcendência. Tensão para o além e para o outro que, para o crente, se transformam em um Além e em um Outro com quem dialogar. Martin Buber respondia ao ateu Ben Gurion: "Se se tratasse de um Deus sobre o qual falar, talvez eu também não acreditaria. Mas dado que se trata de um Deus ao qual se pode falar, por isso eu creio nele".
Eis, portanto, que a oração não é somente súplica, mas também canto, louvor, contemplação, peregrinação no mistério, até mesmo grito ao Ausente (o livro de Jó é totalmente uma interpelação ao Deus mudo, na tentativa de ter uma palavra sua e um encontro com ele). Ou sussurro de amor, como acontece com a mística muçulmana Rabi'a, do século VIII, que, em uma noite estrelada em Basra, murmurava: "No céu, brilham as estrelas, os olhos dos apaixonados se fecham. Toda mulher apaixonada está a sós com o seu amado. E eu estou sozinha aqui, contigo!".
Tudo isso e muito mais pode ser encontrado em muitos textos dedicados à oração. Mas agora quero propor um que eu acabei de ler com muito gosto, mesmo já sabendo das coisas que ele propunha (afinal, eu também publiquei um livro sobre a oração no ano 2000). Sim, porque toda a sequência dos componentes estruturais desse ato religioso – a Quem se reza, as múltiplas tipologias da oração, o louvor a Deus, a pergunta e a lamentação, os Salmos, a meditação, a oração pessoal e a litúrgica, e assim por diante – está expressa em uma forma narrativa muito original, às vezes até mesmo autobiográfica.
O autor nem mesmo hesita em reunir objeções mais contundentes, como ocorre com a evocação do caso do quadro XI da Mãe Coragem de Brecht, em que os agricultores de uma fazenda se recusam a assinalar aos cidadãos de Halle sobre o perigo do avanço das tropas imperiais, recorrendo apenas à oração.
Seria Kattrin, a filha muda e aleijada da Mãe Coragem, com o seu tambor, que provocaria a retomada do alto de um telhado, onde um soldado atiraria nela. Enquanto isso, porém, os cidadãos haviam captado esse alarme e já estavam prontos para reagir. Não rezem – diz, portanto, Brecht –, mas ajam!
Os Salmos, por exemplo, são enquadrados no marco das recordações de infância do autor nascido em Frankfurt, razão pela qual são comparados a uma espécie de casa, e aqui seria bom citar Nietzsche que, nos materiais preparatórios para Aurora, reconhecia que, "entre o que nós tentamos na leitura de Píndaro de Petrarca e a leitura dos Salmos, há a mesma diferença entre a terra estrangeira e a pátria".
E, ainda, a oração pessoal é traçada através da história de um menino que vive essa experiência crescendo em idade, com uma evolução em que muitos poderão se espelhar. Muitas são as referências à cultura contemporânea, a autores também secundários (por exemplo, para a música, em vez do mais célebre Joseph, recorre-se ao irmão menor, Michael Haydn); dos grandes místicos, também se passa ao cardiologista norte-americano Herbert Benson com os seu testes sobre o efeito terapêutico da oração, ou aos fiéis entrevistados na saída da missa.
Contudo, não falta nada dos elementos canônicos e tradicionais como a análise textual, a reflexão teológica, a representação litúrgica, a prática religiosa, a simbologia espiritual. E isso ocorre porque o autor é Gerhard Lohfink (Pregare ci dà una casa), professor emérito de exegese neotestamentária da prestigiosa Universidade de Tübingen, autor de livros importantes, dentre os quais uma original releitura da oração suprema do cristão, o Pai Nosso.
Ao lado dele, permito-me colocar o irmão Norbert, grande hebraísta e veterotestamentarista, com relação ao qual eu tenho uma dívida de gratidão, tendo sido seu aluno. No rastro do estilo dessa obra sobre a oração, eu gostaria de concluir, porém, acrescentando os versos surpreendentes e emocionantes de Paul Celan sobre o tema: "Recorta a mão orante do ar / com a tesoura dos olhos, / decepa os seus dedos com o teu beijo, / deixa ficar sem ar, hoje / as mãos unidas".
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Oração, respiro da alma. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU