05 Dezembro 2012
"Enquanto se mantiver o dualismo on/off se multiplicarão as alienações. Enquanto se disser que é preciso sair das relações em rede para viver relações reais, se confirmará a esquizofrenia de uma geração que vive o ambiente digital como um ambiente puramente lúdico em que se põe em jogo um segundo eu, uma identidade dupla que vive de banalidades efêmeras, como em uma bolha isenta de realismo físico, de contato real com o mundo e com os outros". Palavras pronunciadas por Antonio Spadaro, diretor da revista Civiltà Cattolica durante uma conferência em que se perguntava como a rede pode ser uma fonte de sentido.
A reportagem é de Cristian Martini Grimaldi, publicada no jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, 30-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Spadaro defende que a rede é uma realidade paralela onde acontece tudo o que não acontece na realidade física de todos os dias, mas sim "um espaço antropológico interconectado radicalmente com os outros espaços da nossa vida".
Pode ser que ele tenha razão, mas certamente, no Japão, pensam diferente. A síndrome do isolamento do resto do mundo (hikikomori) é uma verdadeira chaga no país do Sol Nascente. Mas o isolamento é apenas fisico. Na realidade, esses jovens passam grande parte do seu tempo na rede.
Se realmente o espaço da rede não é "outro" com relação aos lugares convencionais da socialidade e do encontro, então, no Japão – mas o fenômeno já está se espalhando também para países ocidentais –, esses jovens que vivem reclusos nos seus quartos, automarginalizados da sociedade, mas muito vivazes na rede, não seriam essa chaga social: se a rede não é essa "bolha isenta de realismo físico", em suma, eles não correria o risco de nenhuma patologia de alienação.
Parece, porém, que esses jovens – muito jovens, mas também com mais de 30 anos – se encaixam justamente nesse dualismo on/off que se quer negar. No Japão, causou polêmica (mas casos semelhantes não são raros) o massacre de Akihabara, em que um jovem matou três pessoas investindo contra elas com um furgãozinho diante de uma estação. Tratava-se de um jovem que passava a maior parte do seu tempo navegando com o seu celular, mas não tinha nem um amigo.
Ouvimos a mesma coisa há vários anos, quando se é sarcástico sobre o uso do Facebook. Costuma-se dizer: "Temos 2.000 contatos online, e nem uma pessoa para ir comer uma pizza juntos".
Pode ser exagerado, mas se certos lugares-comuns resistem é porque a grande maioria experimentou e continua experimentando certas situações (comuns). Quem frequentou durante anos os albergues em todo o mundo sabe que esses eram os lugares por excelência da socialidade, em que o encontro com o outro era um mecanismo automático, bastava se sentar no hall, e alguém, antes ou depois, chegava para trocar duas ou três palavras.
Tudo isso é normal, quando pessoas de diversas nacionalidades, jovens e curiosas, se encontram para interagir no mesmo lugar por diversos dias. Mas os albergues deixaram de ser aqueles lugares de socialização internacional que eram antes. Agora, no hall, cada um está com o seu PC (tablet ou smartphone que seja), em contato com os "amigos" de sempre.
Enfim, no albergue, agora se fazem as mesmas coisas que se faria sentado no escritório ou na poltrona de casa. Continuamos viajando, sim, mas, digamos, sem wi-fi nos sentimos um pouco off.
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Rede e socialidade: entre realidade e preconceito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU