Por: Jonas | 05 Dezembro 2012
Virgilio Hernández é congressista da província de Pichincha, pela Aliança PAIS, e provém da organização Pachacutik, de cuja direção se afasta junto com outros dirigentes para se somar ao processo político encabeçado por Rafael Correa. Há trinta anos está vinculado ao processo de organização política dos movimentos sociais, em especial com as organizações de bairro e de cidadania ligadas a temas culturais, processo que conheceu na Coordenação de Movimentos Sociais, que converge na Conaie [Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador].
No movimento Pachakutik, desde a sua criação, Virgilio Hernández militou nos processos de coordenação, criados de 1996 a 1999, e, posteriormente, até o ano de 2003, como responsável pela organização. Contudo, como acabou se estabelecendo o triunfo de forças étnico-conservadoras, que privilegiavam os espaços conquistados para o movimento indígena ao invés do programa político de refutação das políticas econômicas neoliberais e de seu modelo democrático, Hernández rompeu definitivamente com o movimento.
Juntamente com ele, importantes setores urbanos também se distanciaram deste movimento, dentro dos quais o atual prefeito de Quito, Augusto Barrera, as atuais ministras de Coordenação da Política, Betty Tola [renunciou ao cargo no dia 13 de agosto] e de Inclusão Econômica e Social, Doris Solíz. Formam, então, o grupo Alternativa Democrática, que no segundo turno, em 2006, resolve apoiar Rafael Correa. Em 2007, somam-se na nova Aliança PAIS [Pátria Altiva e Soberana].
Virgilio Hernández foi eleito congressista constituinte pela província de Pichincha, e, em seguida, congressista nacional pelo mesmo distrito eleitoral. Desde 2009 é o presidente da Comissão de Governos Autônomos.
No Equador, o processo conduzido por Correa expõe um debate com os movimentos sociais e agrupações de esquerda que se alinham na oposição, junto aos setores tradicionais da direita.
A entrevista é de Mario Toer, Agustín Burbano de Lara e Federico Montero, publicada no jornal Página/12, 03-12-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como vem sendo construída a força que sustenta o projeto da Aliança PAIS, e como este processo se vincula com sua própria experiência?
Precisamente, o interessante do processo são os itinerários intelectuais e como foram convergindo na política. Na Aliança PAIS coincidem várias tradições da esquerda - eu provenho do Pachakutik e da militância na esquerda radical -. A maior ou menor sensibilidade para algum tema, em grande parte, depende do itinerário de cada um. Nós, por exemplo, partimos de uma permanente relação com as comunidades e organizações de base. Por isso, eu digo para você que aquilo que se apresenta como confrontação do governo com os movimentos sociais, quando um pouquinho questionado, não é tanto assim.
Sim, certamente nem tudo se reúne nas marcas registradas...
Contudo, nós, um importante número de pessoas que hoje fazem parte da Aliança PAIS, nos separamos do Pachakutik, em 2005. Junto à falida aliança do movimento com a Sociedade Patriótica, persistiram algumas práticas de manobra política que desnaturalizaram a essência de que o movimento pertencesse à cidadania. Lamentavelmente, as forças predominantes no PachaKutik, que denomino forças étinico-conservadoras, privilegiavam o tema étnico antes que o tema político programático central na estruturação do movimento Pachakutik.
Essa projeção de Correa no cenário político, sem contar com força própria e nem organizações com alguma história ou consistência prévia, sempre chama a atenção.
É correto o que você diz. Acredito que aquilo que Correa faz é apostar numa liderança suficientemente forte, que seja capaz de abrir um caminho de mudança para a transformação, mas, no entanto, quero ressaltar algo: essa liderança é possível porque durante vinte anos foi construída uma sensibilidade que rejeitava as políticas neoliberais. A importante imagem utilizada pelo presidente Correa, como “a longa e triste noite neoliberal”, é uma metáfora que coincidiu, imediatamente, com o que foi, durante vinte anos, o combate diante de um modelo econômico de desincentivo às políticas produtivas, de privilégio ao capital financeiro, que basicamente apoiava apenas as atividades agroexportadoras, de desatenção nos investimentos sociais em educação e saúde.
Como evolui a presença do “establishment” das classes dominantes no cenário político, quando isso começa a ser desembaraçado como instância articuladora? A partir do “establishment”, como a oposição se expressa hoje?
Veja! O que Correa faz? Desconfigura o cenário. Isto foi fundamental. De alguma maneira, o cenário das eleições de 2007 estava prescrito. Quando surge a proposta de Correa, este cenário preestabelecido é desafiado, além disso, ele apresenta um ponto de ruptura, que para mim é definitivo: o anúncio de não defender candidatos para as listas nacionais e provinciais do Congresso Nacional. O futuro governo de Correa se instalou no imaginário popular como um governo que ia triunfar e com o incentivo dessa força popular modificar as regras do marco democrático. Quando Correa apareceu dizendo “eu não terei deputados, eu não quero que companheiros nossos se contaminem neste espaço que é a representação do velho Estado”. As pessoas entenderam: “Ah, não! Ele está nos propondo uma nova forma de construir a representação, uma nova forma de pensar a política, que precisamente é não voltar aos pactos de bastidores com os setores políticos tradicionais”. Eu acredito que esse é um elemento definitivo...
E que foi muito efetivo...
Diante dessa ruptura política, a direita se juntou e daí para frente faz uma oposição permanente e sistemática, mas que, eu acredito, atua com pouca capacidade de proposta e de resposta.
Porém, em seguida, pelo mesma razão, surge o problema da necessidade de trabalhar com o mau ou o mais ou menos já existente. Como foi sendo lidado com as tensões junto a esses ex-atores da partidocracia, que tiveram que se reciclar em posições inferiores e que é visto que eram necessários para a governabilidade. Além disso, gostaria também que nos contasse sobre a recuperação das tradições política. Quais tradições de luta orgânica ou ideológica são recuperadas? Quais se somam e quais são essas forças que seguem juntas durante um tempo e depois diminuem?
O velho Marx nos ensina que as mudanças não são feitas nas condições ideais almejadas, são feitas nas condições concretas em que se vive. Situo isto porque me parece que para entender os projetos progressistas, que se apresentaram na América Latina e na região, exige-se uma leitura não dogmática do processo que vivemos.
Neste momento, na América Latina há um ressurgimento do que podemos chamar de correntes democráticas progressistas, que agora são governo e que foram eficazes para enfrentar, por meio de políticas pró-cíclicas, a crise do capitalismo mundial. Por que situo isto? Porque nos dá uma ideia das condições de possibilidade que os nossos governos possuem, mas também nossos limites. Conhecer os limites e as possibilidades nos possibilita entender quais são, neste momento, as alianças e os setores que são necessários para os projetos progressistas. Para exemplificar com alguma coisa. Visto dogmaticamente, a partir do marxismo, todos aqueles que se beneficiam da força de trabalho do proletário são inimigos de classe, mas o que tínhamos antes destes anos, no Equador e em grande parte da América Latina? Um modelo que desestimulava os processos produtivos, porque sua ligação com o sistema mundial sempre esteve subsumida à globalização capitalista e ao circuito do mercado financeiro internacional.
Visto desta maneira, o que ocorre neste momento? É revolucionário, neste momento, desenvolver processos, não apenas de industrialização, mas daqueles que acrescenta valor agregado, em nível nacional, e reativar a pequena e média produção. Isso explica porque no governo do presidente Correa há uma ênfase no investimento em setores estratégicos, em vias, na infraestrutura. Nosso plano nacional aponta para a mudança da matriz produtiva, porque pensar no desenvolvimento produtivo é um esteio para o processo revolucionário. Para conquistar este objetivo é necessário democratizar a propriedade, aumentar o número de proprietários, incentivar a economia associativa e combater alguns empresários acostumados a viver do rentismo e as prebendas do Estado.
Este processo é preciso ser desenvolvido nas condições concretas que temos, por isso entram diferentes setores da esquerda. Eu, por exemplo, provenho de uma variante da esquerda mais ligada ao cristianismo da Teologia da Libertação, outros afluem de outras posições de esquerda: socialistas, comunistas, maoístas, etc. Entretanto, há também outros setores que derivam da social-democracia, e, inclusive, pessoas que em anos anteriores estiveram com os partidos tradicionais. Este marco de possibilidades permite coincidir numa proposta e num programa, pelo país e para o país, nas condições concretas que temos.
Na medida em que vai se construindo a Aliança PAIS, com todas estas convergências, é perceptível que tenha contado com algumas tradições que recorreram a esta lógica da frente necessária ou do bloco que aceitava o caráter das contradições, da forma como se apresentavam neste tempo e neste lugar. Porém, também contou com outros que acompanharam algum período ou nem mesmo isso, mas, sim – acredito que é o caso do MPD [Movimento Popular Democrático] - acompanharam e, em seguida, perceberam que o imaginário que possuíam de uma revolução, associável com outra época, outros tempos e outro lugar, não acontece. Desta forma, começaram seus questionamentos na raiz dos problemas, nas reivindicações que não se resolvem, e, sobretudo, nessa abordagem – eu presumo – um tanto oportunista da questão ecológica como um elemento crucial, além do tema indígena, muitas vezes associado a isso. Como isso vai sendo produzido? Em que situação esse conflito se encontra?
Sim. Na América Latina há etapas análogas. Vivemos momentos muito fortes de neoliberalização e de seus efeitos, assim como também, em alguns países, a busca de respostas alternativas. Gostaria de destacar três elementos neste sentido. Em primeiro lugar, a respeito do que é a tradição organizativa da esquerda e daquilo que se vive, atualmente, no movimento Aliança PAIS; em segundo, também sobre certa esquerda que está concebida e pensada com pouca vontade de poder transformador, e que não pensa na tarefa de governar, mas em ser basicamente uma voz contestatória. O terceiro elemento é que assim como existe uma direita fortemente corporativista, também acredito que existe uma esquerda com grandes traços corporativos, e isso explica, em parte, o desencontro que atualmente temos.
Nós que viemos da esquerda, o que não inclui a todos os que hoje compõem o movimento PAIS, pensávamos – inclusive dogmaticamente – que era necessário primeiro construir instrumentos para alcançar o poder político. Um instrumento político, o partido, um instrumento de massas e, inclusive, em alguns setores da esquerda, nós pensávamos na necessidade de um instrumento militar. O que acontece então? Estes processos se veem desafiados quando Correa, que não tinha partido e não provinha de nenhum movimento social organizado, consegue recolher programaticamente as teses dos movimentos sociais e da esquerda radical, consegue pensá-las para a cidadania e democratização do programa da esquerda, convertendo-as no plano de governo vencedor, um plano de governo pelo qual é possível votar e numa liderança em que se pode acreditar. É importante resgatar a questão da liderança, porque é nisso que a população confia e que vê possibilidades de mudança e transformação.
Posteriormente, desafia-nos com a necessidade de dar resposta ao que, nesse momento, era a Aliança PAIS: um instrumento eleitoral. O movimento PAIS conseguiu capitalizar, acima dessa rigidez organizativa prévia, a confiança cidadã e esta se expressou, sobretudo, em votos. Em 2010, o movimento PAIS se propõe a pensar “como nos organizamos como movimento, qual será nossa estruturação como movimento”. Tudo o que veio antes teve basicamente o papel de gerar processos mínimos de coordenação política, mas, sobretudo, de estabelecer uma engrenagem eleitoral efetiva, que permita canalizar esse grande apoio popular e conquistar os triunfos eleitorais que soubemos administrar: o primeiro turno e o segundo turno das eleições de 2007, a convocação da Assembleia Constituinte e, depois, a vitória nas eleições dos congressistas constituintes, o referendo para a nova Constituição e, imediatamente, a vitória nas eleições gerais de 2009.
A última vitória eleitoral do governo foi a consulta popular em favor das mudanças na administração da Justiça. O esquema que tínhamos na cabeça, basicamente, diz respeito à construção de uma correspondência entre a organização social e a organização política. Ao contrário, aqui, o que você tem é que o maior acumulado do movimento PAIS não são as bases organizadas em processos sociais, o maior acumulado é a expressão de apoio da cidadania. Neste exato momento, trabalha-se no fortalecimento organizativo. Penso que nisto nos equivocamos muito, mas agora estamos empenhados em reconstituir os vínculos com os movimentos sociais. Ficamos isolamos de uma corrente de movimentos sociais que pode apoiar um conjunto de propostas e políticas, embora tenhamos discrepâncias em outros aspectos. Nos últimos tempos, o movimento PAIS tem reavaliado estas bases sobre as quais nos consolidamos e, ao mesmo tempo, busca recuperar a relação, pensando que há possibilidades de estabelecer acordos e discutir as desavenças e, inclusive, as formas em que os mesmos serão expressados.
Neste ponto, interessa-nos destacar algo que chama muito a atenção na América Latina, em seu conjunto, que é a limitada e escassa participação das universidades e dos universitários, sejam eles representantes de docentes, como do movimento estudantil, nas experiências políticas que estão sendo vividas atualmente. Com sorte alguém consegue certa neutralidade, mas, inclusive, esta neutralidade contrasta fortemente com as posturas dos anos 1960 e 1970.
Com esta pergunta me permitirei falar dos outros dois pontos que estabeleci. O segundo ponto era a posição de uma esquerda sem vontade de poder e pensada para ser oposição. O governo de Correa é de uma esquerda nas condições concretas do Equador e do mundo, mas busca também recuperar o poder do Estado e, por isso, não se rende diante das expressões corporativas, diante da qual essa esquerda acomodada pelos resquícios do poder se junta aos setores retardatários, para se constituir no braço esquerdo da direita. Não conseguem pensar num projeto que não acabe agora, neste período de governo, mas que considere construir uma verdadeira corrente de mudança. Inclusive, isto trouxe algumas perversões políticas, por exemplo, o MPD agora é absolutamente crítico em relação ao governo de Correa, no entanto, no passado, com esta lógica de poder incidir sobre espaços de governo, não se incomodou de pactuar com a direita, nem com o populismo mais crasso, com o objetivo de conquistar postos nos espaços do Estado: presença nas cortes, tribunais, nos órgãos de controle do Estado.
Talvez o que você diz a respeito do tema dos universitários me permite explicar o terceiro elemento relacionado ao forte corporativismo da esquerda, que confunde a defesa de interesses associativos com a defesa dos interesses da sociedade, perdendo sua vocação hegemônica. Assim como há uma direita eminentemente corporativa, também há uma esquerda forjada como reflexo de certos interesses associativos e, em parte, isto explica a oposição – apresento-lhe como exemplos concretos – no caso do MPD, sua base social de apoio que são os professores, o magistério. Hoje em dia, diante da nossa obrigação concreta de fazer uma revolução educativa e de avaliar os professores, eles se opõem, percebem nossa ação como violação de seus direitos adquiridos.
A estabilidade se transforma, então, em algo conservador.
Exatamente. Como pode assumir-se como uma reivindicação associativa a oposição à avaliação de professores? Apenas se explica, pois se deixou de olhar para o interesse geral! São obrigados a responder ao grêmio que os alimentam politicamente, embora isto signifique continuar mantendo a estabilidade de professores que atuam de maneira irresponsável, inconsciente e, às vezes, até de forma inescrupulosa. Somente assim você pode explicar uma política que seja de oposição às avaliações. Nessas circunstâncias, essa esquerda perdeu sua capacidade transformadora, de provocar mudanças e transformações no conjunto do país. E o mesmo ocorre com o tema das universidades. É exatamente o mesmo, pensar que manter uma universidade e alguns níveis da qualidade de ensino, absolutamente baixos, é mais preferível do contar com certos processos como a avaliação obrigatória, a categorização e que as universidades possam exigir – e aqui há outro tema em debate, e que tem a ver com a revalorização do público – que se de um lado o Estado investe na educação superior, que está garantida pela Constituição, por outro os beneficiários desses recursos públicos assumam sua responsabilidade com a sociedade e mantenham a qualidade, a excelência e a pesquisa como suportes para o futuro do país.
Outro exemplo, e eu o contextualizo no caráter do Estado, que historicamente foi excludente, patriarcal e uni-nacional, que após jornadas de mobilização social do movimento indígena permeou-se através de certos espaços e lugares institucionais, que em seguida tornaram-se encraves do movimento indígena. Não importava a deterioração permanente da educação e saúde públicas, com a condição de que fosse mantida a educação bilíngue ou a Direção Intercultural de Saúde. Agora que o Estado é sacudido, que se muda a lógica do mesmo, essas forças que questionaram o modelo neoliberal e a democracia restrita se unem a uma oposição cega e radical, deixando de lado a perspectiva.
A implementação da Constituição colocou em jogo alguns debates, muitos que para mim são falsos e que deveriam encontrar outros termos para sua discussão. Por exemplo, o tema do ambiente versus desenvolvimento, esta é outra expressão paradoxal da mineração ou da vida. Quando o debate é posto desta maneira, a questão não tem solução, significa não pensar em termos estratégicos e concretos da sociedade. Agora, este país tem uma Constituição que garante uma carta de direitos, que devem ser implementados, e para eles precisamos de recursos. O debate correto consiste em perceber como podemos fazer uma utilização responsável, solidária, sustentável desses recursos.
Alguns concebem que existem setores que estão mais radicalizadas nos processos vividos pela América Latina, que seriam representados pela Venezuela, Equador ou Bolívia versus alguns setores que são caracterizados como mais mornos, entre os quais estaria a Argentina. Marco Aurélio García assinala, por sua vez, que o Cone Sul gerou transformações, constituindo um mercado interno e certos processos de industrialização que fazem com que os processos sociais tenham uma complexidade, que no setor cordilheiro, onde as elites eram absolutamente depredatórias e parasitárias e onde nunca haviam constituído algo semelhante, gerou outro tipo de dilema e outros tipos de protagonistas. E isso fez com que, embora todos estes processos convirjam, cada um tenha bases de sustentação diferentes, estejam colocados de maneira diferente, e por isso ele disse algo que me pareceu interessante: mudança de época para a região andina, época de mudanças no Cone Sul, mas todos nós nos necessitamos mutuamente.
Os brasileiros sempre acreditaram na necessidade de constituir uma burguesia nacional, aqui temos, ao contrário, uma burguesia absolutamente rentista, parasitária. Uma burguesia acostumada a viver do Estado, e que quando teve recursos para investir, retirou-os, nem sequer investiram, porque é tão parasitária que o que fez foi comprar mansões e casas. Aqui, a dimensão das mudanças estabelece outras magnitudes para ler a realidade. Um exemplo concreto: há quantos anos na Argentina existe um controle e uma regulação antimonopólio do mercado? Aqui, o governo teve que enviá-la como projeto econômico urgente! Bem agora, neste ano, aprovamos as leis de controle do monopólio e da regulação dos mercados. Antes, quem pagava impostos no Equador? Os que não tinham poder, porque os que tinham negociavam. No Equador havia uma institucionalidade escrita, mas a institucionalidade que imperava e operava era a dos grupos de fato. Tínhamos um Estado absolutamente rentista, desinstitucionalizado, sem nenhuma capacidade de ação e coerção, em camaradagem com os setores oligárquicos, que pensavam basicamente em como posso aproveitar do Estado para maximizar meus benefícios e os de meu grupo. Esta concepção de Estado é a que marca a natureza das mudanças e o que precisamos fazer na cordilheira.
Quais dificuldades e que possibilidades você percebe para que o projeto da Aliança PAIS se sustente no futuro? Que perspectivas de futuro você enxerga para o movimento?
A primeira coisa que é preciso pensar é que a dimensão das mudanças necessita ser de tamanha envergadura que obrigue, independente de qual seja futuro, que o Estado sempre seja distinto. Há pontos que são irreversíveis, já existe um ponto de não retorno. Pensar, por exemplo, as bases que estão sendo cimentadas para passar de uma economia agroexportadora para uma economia em que se venda valor agregado, inteligência e serviços, para que seja inimaginável retroceder.
O alcance nacional da soberania energética é outro exemplo que rompeu com o antigo modelo das termoelétricas e com seus donos, que estavam e estão contra a construção de novos megaprojetos hidrelétricos. Nisso não se retrocede. As represas estão sendo feitas, as pessoas não permitirão o retorno ao ponto anterior. Inclusive, há uma ideia de modernização democrática que as pessoas não aceitarão deixar de lado. Há mudanças que são pontos de não retorno. A exigência do sistema educativo é mais um dos casos em que a sociedade incorporou elementos básicos, não apenas politicamente falando, mas também em termos culturais.
Nosso movimento político ainda tem um déficit em relação ao papel que tem para cumprir, e acredito que aí estão os nossos desafios. Queremos ser um movimento que tenha a capacidade de se organizar melhor, de manter a confiança do povo, de formar lideranças e de construir poder popular. Temos que manter esta relação permanente com a cidadania. A conexão sabatina de Correa, todo sábado, é um tema simbólico muito forte. Quantas pessoas assistem as mensagens presidenciais anuais? Entre 200 e 400. Quantas pessoas ouvem o mesmo semanalmente? Incontável! Isso me parece que é um bom sinal daquilo que precisamos continuar nutrindo, no movimento PAIS, para fazer com que essa conexão com a liderança do Presidente, para repensar o público como um assunto coletivo, converta-se numa liderança partidária. E nisso ainda estamos em dívida.
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“Correa é uma esquerda nas condições concretas do Equador e do mundo”, afirma Virgilio Hernández - Instituto Humanitas Unisinos - IHU