19 Novembro 2012
"Sugiro, portanto, Dom Odilo, que o senhor cure nossa perplexidade e volte atrás em sua decisão, respeitando a voz das urnas acadêmicas. Solicito a minha colega Anna Cintra que decline do convite do grão-chanceler para ser reitora: sua rica biografia não deveria ostentar essa mancha", escreve Jorge Claudio Ribeiro, professor doutor, livre-docente e titular do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Eis o artigo.
Escrevo ao senhor, Grão-Chanceler da PUC-SP, no calor das reações à sua nomeação, como reitora, da Prof.ª Dr.ª Anna Cintra, terceira e última colocada no pleito de agosto. Acabo de voltar do campus onde testemunhei intensos sentimentos de revolta e tristeza entre integrantes dos três segmentos. “Meus pêsames”, dizíamo-nos mutuamente.
Sabemos que o Regimento da Universidade lhe faculta o direito de agir assim. No entanto, direito não é necessariamente justiça, a ação legal nem sempre é legítima. Em função disso, gostaria de manifestar-lhe algumas perplexidades e, em função delas, desde já solicitar que volte atrás em sua decisão e mantenha o resultado da consulta/eleição que o senhor mesmo convocou.
Aqui se situa a primeira perplexidade. Até o busto do papa Leão XIII, diante do prédio da Reitoria, já sabia que a candidata Anna era a predileta de Vossa Eminência Reverendíssima. Mesmo assim, a comunidade universitária se lançou com entusiasmo no processo do pleito, certa de que era para valer. O resultado das urnas mostrou que a preferência da maioria não coincidiu com a do senhor. Entretanto, se não pretendia respeitar as urnas, não lhe teria sido mais prático pegar um atalho, não convocar eleições e nomear sua escolhida? Que nome podemos dar a essa situação?
Estou perplexo também em nível pedagógico. Em 1980, ao convocar eleições para reitora (havia duas candidatas), claramente Dom Paulo Evaristo Arns deu duas lições. Uma, à nação brasileira, ainda sob o jugo da ditadura: “Ao menos na PUC-SP, temos eleição direta para o principal cargo. Estamos construindo a democracia a partir das bases e esperamos que ela atinja toda a Nação”. Outra lição foi endereçada à comunidade: “Engajem-se com a democracia na PUC-SP; ela deve ser o clima que envolve uma educação que se pretende libertadora (haveria outro tipo de educação?)”. Então a democracia penetrou cada vez mais no DNA desta universidade, sendo praticada todos os dias e festejada a cada quatro anos; entrou também em nossas almas, que se desacostumaram de outro tipo de relação que não fosse democrática. Esse é o motivo de nosso orgulho de ser da PUC-SP. Agora, com o esvaziamento da consulta, que mensagem o senhor pretendeu enviar à comunidade universitária? À sociedade brasileira?
Outra perplexidade. Em todo mundo, as grandes corporações estimulam ciosamente a adesão de seus “colaboradores”, para que “vistam a camisa” e assumam como próprias as propostas da empresa. Ora, ao descartar os votos de toda a comunidade, V. Em.ª Revm.ª teria considerado a perigosíssima possibilidade de corroer a adesão de professores, funcionários e de alunos? Considerou que essa decisão poderá gerar desinteresse de possíveis futuros alunos por nosso Vestibular?
Não consigo entender o objetivo de esvaziar ainda mais o cargo de reitor(a). Será esse o ápice de uma queda de braço da mantenedora com a reitoria da Universidade? A professora Anna Cintra certamente viverá um calvário nos próximos quatro anos: a cada aparição pública, a cada contato cotidiano, sempre haverá alguém pensando “a senhora não nos representa”. Provavelmente será induzida a encolher-se cada vez mais em um gueto e, com ela, a própria instituição da qual o reitor(a) é o representante.
Uma Universidade nanica é tudo o que não queremos, é tudo a que não dedicamos nossa vida de docentes e de estudantes. É verdade que houve casos de mau comportamento nas últimas décadas, tanto da parte de reitorias como também da Fundação São Paulo, a mantenedora da PUC-SP. Então, ninguém se pode arguir de perfeição para impor-se sobre o outro: Reitoria e Fundação necessitam uma da outra e só na igualdade se poderá avançar em direção à excelência. Que, por sinal, ficou um pouco mais distante.
Enfim, lembro de suas manifestações mais recentes. Nas últimas eleições municipais, o senhor denunciou como antidemocrática a manipulação de fiéis por líderes de outras religiões, em nome do respeito à consciência cidadã: esse princípio deve valer para nossa cidade e também para nossa universidade. Além disso o senhor, corretamente, se opôs à violência que assola São Paulo. Pergunto-me se esse gesto, violento, na PUC-SP não retiraria legitimidade de suas manifestações como líder religioso em nossa metrópole?
Sugiro, portanto, Dom Odilo, que o senhor cure nossa perplexidade e volte atrás em sua decisão, respeitando a voz das urnas acadêmicas. Solicito a minha colega Anna Cintra que decline do convite do grão-chanceler para ser reitora: sua rica biografia não deveria ostentar essa mancha.
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A Dom Odilo Scherer: Perplexidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU