12 Novembro 2012
Imagens quadriculadas e recortadas dos satélites mostram todo mês como está o desmatamento na Amazônia. Já há algum tempo alertam que, apesar de em geral a taxa estar caindo, é nos lugares onde o desmate realmente não deveria existir - as unidades de conservação criadas para contê-lo - que o problema avança perigosamente. Mas somente voando sob as nuvens é possível observar o tamanho do desafio de resolvê-lo.
A reportagem é de Giovana Girardi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 11-11-2012.
Partindo de Itaituba, no oeste do Pará, sobrevoamos um mosaico de áreas protegidas criadas no entorno da BR-163 a fim de conter desmatamentos que a obra poderia causar. Ao entrarmos na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, a primeira sensação é de alívio. Altamente preservada, faz pensar que teremos de voar muito até achar o problema. Não demora nem cinco minutos. Veios de terra vermelha cortam o verde escuro da floresta. São estradas em operação para todo lado, limpas, abertas para a retirada ilegal de madeira.
Na sequência voamos sobre a Flona Altamira, onde o cenário muda um pouco. Pelos locais onde passamos, a degradação surge em maiores proporções. Grandes áreas onde, depois do corte seletivo de madeira, foi ateado fogo para o início do processo de limpeza que, em mais algum tempo, pode preparar o terreno para a instalação de um pasto.
Estamos a bordo do monomotor de prefixo PAZ do Greenpeace, onde analistas da ONG tentam identificar visualmente e mapear desmates antes mesmo dos satélites - que não raramente são prejudicados pela presença de nuvens sobre a floresta tropical. O que eles observam é imediatamente georreferenciado e depois cruzado com informações prévias para checar se é algo novo ou não. No dia do nosso voo, no fim de outubro, vimos algo que parecia recente. Um mosaico de áreas desmatadas que, somadas, chegariam a cerca de 1 mil hectares, segundo a análise da ONG. Mais à frente vemos outro mosaico com corte raso e degradação ainda maior, de cerca de 3 mil hectares, já detectado pelo Deter, o sistema de monitoramento contínuo via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
"Coincidentemente, ele fica perto de três fazendas", ironiza Márcio Astrini, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace. "Esse desmatamento está na borda de dentro da unidade de conservação. Se o governo quiser diminui-la, já seria um bom lugar para passar o novo risco." A denúncia desses novos desmates deve ser entregue nesta semana pela ONG ao Ministério Público Federal.
Pressão
Quando as duas Flonas foram criadas (Altamira em 1998 e Jamanxim, em 2006), já havia várias propriedades rurais na região. Em Altamira vemos fazendas consolidadas, com gado e tudo, que vai pressionando trechos de floresta em pé, enquanto o governo federal não resolve o que fazer com esses proprietários. Se eles têm posse legítima, têm de ser desapropriados e indenizados. Mesmo se não tiverem, o governo têm ao menos de pagar pelas benfeitorias. Independentemente disso, porém, novos desmates após a delimitação da área protegida são ilegais.
"Talvez até fossem ocupações legítimas antes, mas depois a coisa avançou como não devia. E muitos outros simplesmente foram ocupando essas regiões à espera de regularização", afirma Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Essa falta de regularização fundiária é considerada um dos motivos para o avanço do desmatamento nas unidades de conservação. Tanto o Inpe quanto o monitoramento paralelo feito pelo Imazon mostram Jamanxim e Altamira liderando as listas de desmate em áreas protegidas neste ano.
De acordo com o Imazon, de janeiro a outubro deste ano Jamanxim perdeu 5.069 hectares, ante 972 ha no mesmo período do ano passado. Em Altamira o problema diminuiu um pouco, mas continua alto: 2.222 ha neste ano, ante 2.465 ha em 2011.
Além da falta de regularização, um outro acontecimento neste ano foi interpretado por muitos como o gatilho dessa onda de desmatamento. No início do ano, o governo federal diminuiu a área de oito unidades de conservação para a construção de hidrelétricas. "Passou a impressão de quando o governo quer reduzir uma floresta é fácil. Deu força para quem faz pressão para diminuir a área de Jamanxim para manter essas fazendas", complementa Barreto.
Procurado pelo Estado para comentar as denúncias, Roberto Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que cuida das unidades de conservação, disse não acreditar nessa relação de causa e efeito. "A área em que está sendo discutida a desafetação (redução) não é onde estão ocorrendo os desmates", diz. Segundo ele, desafetar não é uma prioridade do órgão.
Para os ambientalistas, no entanto, os desmates vão criando o que é interpretado como "fato consumado". Depois do estrago, os grileiros acham que vai ser mais fácil conseguir o título. "É preciso organizar o ordenamento territorial do oeste paraense e das atividades produtivas. Mas reconhecemos que a velocidade é lenta", diz Vizentin.
Reserva legal pode ser compensada em UC
O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Roberto Vizentin, diz que espera resolver partes das ocupações nas unidades de conservação (UCs) federais com compensação de reserva legal.
O mecanismo, previsto no novo Código Florestal, prevê que proprietários de terra que tenham desmatado ilegalmente partes da propriedade que deveriam ter preservado (a chamada reserva legal) possam pagar um outro proprietário no mesmo Estado, que tenha uma sobra de floresta, para manter a área equivalente à do passivo do primeiro.
Para Vizentin, fazendas legais em áreas que foram transformadas em unidades de conservação - mas cujos proprietários não foram indenizados para saírem da área - poderiam ser compradas por quem tem déficit e repassadas à União para ficarem protegidas dentro das UCs.
"Como não temos dinheiro orçamentário para desapropriar todas as propriedades legítimas que estão nas UCs, pode interessar aos agricultores, em vez de recuperar suas reservas legais, compensar aqui. A terra seria mais barata do que se essa compensação fosse feita em outro lugar. Podemos criar incentivos e pretendemos fazer uma campanha com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) para atraí-los."
Ele admite, porém, que o órgão não sabe qual é o status das ocupações nas UCs federais. Há 312 no País, perfazendo cerca de 75 milhões de hectares. O órgão estima que cerca de 20 milhões de hectares tenham algum tipo de ocupação, mas não sabe quantas são legais e passíveis de indenização, quantas são ilegais e têm de ser removidas, ou quantas ainda não têm título, mas estavam lá antes da criação da unidade e teriam de ser indenizadas ao menos pelas benfeitorias feitas.
"Não adianta tapar o sol com a peneira. A verdade é que a gente não tem esse controle. É por isso que estamos fazendo uma varredura em todas as unidades de conservação para levantar, cadastrar, identificar quem é quem", diz.
Nas unidades de uso sustentável, explica Vizentin, esse censo será feito mais no sentido de organizar as comunidades e a produção. Já nas de proteção integral, o foco será na execução de medidas compensatórias, de indenização e desapropriação.
Ainda para tentar resolver essa deficiência, o órgão iniciou um diagnóstico fundiário nas UCs para identificar quando ocorreram as ocupações e comprovar a legitimidade dos títulos que venham a ser apresentados. É a chamada cadeia dominial, que rastreia desde o título original (pelo poder público) até o último dono.
Só com isso vai ser possível colocar em prática o mecanismo de compensação. Do contrário, corre-se o risco de vender algo que na verdade é terra pública. Vizentin diz acreditar, no entanto, que boa parte seja legítima, para as quais poderia ser colocada essa oportunidade.
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Desmatamento avança em unidades de conservação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU