12 Novembro 2012
"A leveza do viver" é o tema dos dois dias dedicados ao frei Arturo Paoli pela associação Ore Undici, de Roma, que serão realizados em Lucca, no sábado, 10, e no domingo, 11 de novembro, com a colaboração organizativa da diocese de Lucca.
A iniciativa, que quer ser uma homenagem pelos próximos 100 anos do sacerdote de Lucca, reunirá no convento de San Cerbone amigos de toda a Itália para refletir juntos e festejar o frei Arturo. Na manhã de sábado, no convento, discursarão o teólogo padre Carlo Molari, amigo "histórico" de Paoli, e o presidente da Ore Undici, padre Mario De Maio, continuador no Brasil do projeto "Madre Terra", iniciado pelo frei Arturo em Foz do Iguaçu, em favor de jovens e de mulheres das favelas.
Arturo Paoli falará na tarde de sábado, no salão do arcebispado, onde também será projetado o vídeo "Dialogando con fratel Arturo", que abrirá o diálogo com os amigos presentes. No domingo de manhã, frei Arturo celebrará a missa na igreja de San Michele in Foro, onde ele foi batizado e onde começou o seu serviço sacerdotal.
Publicamos aqui o artigo do jornalista, escritor e deputado italiano Ettore Masina, publicado na revista Lettera, nº. 155, de outubro de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Enquanto a velhice pesa sobre mim e vejo crescer ao meu redor a ternura dos meus filhos, volto com meu pensamento ao mito de Anquises, o pai que Eneias carrega sobre as costas enquanto caminha rumo a um novo destino. Mas desta vez o mito não me sustenta porque devo falar de uma pessoa que tem 16 anos mais do que eu.
Observando-a enquanto se está em silêncio, essa pessoa parece um velhinho lindo e sorridente, um pouco curvado (mas certamente não tanto se pensarmos que ele nasceu em 1912), com um belo cabelo branco: imagem reconfortante, de bom avô, até mesmo semelhante à de certos comerciais; mas quando o velho Arturo Paoli é convidado a falar, então parece revestir o manto do profeta Eliseu e a sua voz grita um evangelho inquietante.
A voz de Arturo Paoli, como bem sabem os seus ouvintes, é acima de tudo um milagre fisiológico: ela vem de pulmões muito jovens que lhe permitem desdobrar-se em igrejas e em salas de congressos a tal ponto de fazer vibrar as fibras das mesas e os vidros da janelas. Uma vez um pneumologista me disse: "Esse homem respira Espírito Santo". As palavras que essa voz nos dirige nunca são ásperas nem ameaçadoras, ao invés, são marcadas de ternura por nós, mas severas com relação às nossas consciências e costumes e instituições por trás dos quais tentamos nos esconder.
As palavras que Arturo grita ou escrever, ou cantar na alvorada, como bem sabe quem o hospeda, mais do que nos indicar os nossos pecados pessoais infantis, nos apontam o enorme, genocida pecado coletivo, a arrogante resposta unânime dos apaixonados pelo poder – e de nós, muitas vezes seu servos pávidos – à pergunta do Criador: "Onde está Abel?". "E quem sabe? Talvez somos nós os guardiões dos nossos irmãos?", respondem e respondemos. "Sim, grita o Senhor com a voz de Arturo: sim, é por isso que eu os criei, para que cuidem uns dos outros". O velho amador de filósofos agora está convencido de que "metafísica" e "transcendência" são palavras que só adquirem sentido quando nascem da coragem de enfrentar os olhos de quem sofre.
Por trás dessa convicção e testemunho de Paoli, obviamente, está a sua experiência histórica. Ele tem o grande privilégio da lucidez senil: que se torna extraordinária ajuda para aqueles que sabem que a memória do passado é lição valiosa para o futuro. O nosso amigo (e mestre) era criança enquanto, no México e em São Petersburgo, tremulavam as primeiras bandeiras das revoluções populares; aprendia a ler e a escrever enquanto na Itália eram esculpidos nos mármore das lápides mentirosas os nomes de centenas de milhares de analfabetos muito pobres, jogados na fornalha da Primeira Guerra Mundial, e os sobreviventes voltaram chagados e curvados pela amargura de uma juventude perdida.
Ele era um rapaz quando via as praças da sua Lucca marcadas pela violência fascista; entrava no ginásio enquanto Mussolini liquidava com ferocidade a democracia parlamentar; era um padre de 32 anos quando a crudelíssima perseguição dos judeus o levou a arriscar a vida para salvar as vítimas do ódio de Estado e quando, poucos meses depois, se levantaram no céu os cogumelos venenosos do apocalipse atômico: e Auschwitz, Colima e Hiroshima deram nome às supremas barbáries de um século.
Mais tarde, assistiria na América Latina a horrendos regimes militares e resistências heroicas, a assustadores massacres, ao martírio dos empobrecidos; ouviria as assustadoras notícias que vazavam das câmaras da tortura e veria crescer um novo classismo (capitalista), uma nova luta de classes com a qual uma oligarquia da qual também nós, mais ou menos voluntariamente, fazemos parte, reduz à insignificância povos inteiros – e à fome.
A estrada sobre a qual Arturo caminha há tantos anos é ladeada pelas ruínas de muitas ideologias, esperanças, ilusões, civilizações, filosofias, pequenos Mozart (nas palavras de Saint-Exupéry) assassinados pela miséria. Na mesma estrada, caminhou a Igreja, a "sua" Igreja: aquela que ele ama enormemente, mas da qual conhece o drama de ser semper casta et meretrix, como a definiam os antigos Padres: congregada em torno do Crucificado ressuscitado, mas povoada por homens quase sempre, quase todos, infiéis por vilania e por egoísmo.
Muitas dessas infidelidades também marcaram as costas de Arturo e um pouco também as de quem viveu uma parte da sua história. Lembro-me com dor dos anos entre 1948 e 1958. Eu estava no Conselho Diocesano da Juventude Italiana de Ação Católica de Milão, grupo rebelde. De vez em quando, os ukases chegavam da Roma vaticana.
Recusávamos a entrar no "grande" partido anticomunista no qual Luigi Gedda, com a complacência de Pio XII e da Confindustria, desejava fundir as "tropas" católicas, os fascistas, as forças patronais, as maçonarias militares e assim por diante, para uma guerra religiosa.
Para nos encorajarmos nos momentos mais escuros, fazíamos um censo dos nossos "protetores" romanos: listávamos Mons. Montini, Mons. Dell'Acqua, Carlo Carretto (mais tarde Mario Rossi), Pe. Arturo Paoli... Exceto Dell'Acqua, todos os outros foram desautorizados e dispersos "nos dias da onipotência", os últimos tempos pacellianos.
Então, perdemos (eu perdi) notícias de Arturo, depois soube que ele embarcara nos navios que transportavam os nossos emigrantes na Argentina de Perón que os socorria. Depois, que havia se tornado Irmãozinho. Depois, ele desapareceu novamente (ou assim me pareceu) no trágico panorama da América Latina: villas-miserias, poblaciones, favelas, cantegriles.
O Cristo que lá ele alcançou era exigente, impunha conversões, mas era também era um Ressuscitado fraterno, às vezes festivo. Lembro-me da emoção com a qual recebemos durante o Concílio uma carta enviada por ele a Mario Rossi: ele me pedia para ficar atentos para que a assembleia de todos os bispos da Terra não se tornasse um momento "jacobino", ou seja, a tentativa de reformar apenas intelectualmente a Igreja, sem imprimir-lhe o sinal e a linguagem dos pobres com os quais o Cristo se identificou.
Por isso, o velho indomável, de vez em quando, torna e retorna entre nós, deixando as suas novas pátrias. Ele vem como um mensageiro. Traz-nos o evangelho não mais comentado pelos sérios teólogos nas celas dos conventos ou nas salas de aula das universidades, mas restituído à sua arriscada pureza pela experiência dos pobres, pela sua concretude, pelo seu amestramento tão eloquente mesmo quando é silencioso. Lembro-me de uma anedota contada uma vez por Arturo. Ele estava há alguns dias em um paupérrimo vilarejo da América Latina quando lhe chegou um pacote pelo correio.
Lá encontrou, dentre outras coisas, uma notificação da Congregação vaticana para o Culto Divino, na qual se dispunha que, para a consagração eucarística, se usassem apenas cálices revestidos internamente de ouro ou de prata. Arturo riu: "Tínhamos recém-celebrado a missa, como nos parecia necessário, na cabana de uma paupérrima viúva. E naturalmente, como cálice, usáramos um copo de vidro lascado. Aquela notificação nos divertiu enormemente. Foi motivo de recreação, de elevação...".
Tornando e retornando da Igreja dos pobres, todas as vezes me parece que Arturo nos perscruta, temendo que o sistema em que estamos mais ou menos tranquilamente assentados nos roube o coração. Há alguns anos, ele encontrou o pensamento do grande filósofo Levinas (também ele pobre: refugiado, estrangeiro), lhe dedicou um dos seus inúmeros livros e releu continuamente os seus ensinamentos.
Dizer, como Levinas, que devemos dar-nos como reféns ao rosto do outro, do irmão que sofre, parece-lhe uma versão do evangelho, relida finalmente por um filósofo disposto a se curvar sobre as dores e as esperanças dos pobres. Também não o detém o fato de que Levinas não fosse (ou não se dissesse) cristão. Mas eu acredito que Arturo, ao invés de ler livros, prefira entender as vozes da Terra: o fragor das cascatas de Iguaçu, perto das quais ele mora, que parece o imenso grito da América Latina ferida pela injustiça e o grito alegre da criança que ele acaricia na "sua" favela; as canções dos jovens que querem a paz e o sussurro de quem lhe confidencia os seus problemas: é um salmo que o acompanha e que ele, ao amanhecer, canta enquanto o sol mais uma vez sorri para as suas primaveras…
Sete anos depois
Eu escrevi essas palavras há sete anos, como prefácio para o belo livro que Francesco Comina dedicou a Arturo (Qui la meta è partire. In dialogo con Arturo Paoli, Ed. La Meridiana, Molfetta 2005). Sete anos para quase um centenário são muitíssimo, ou, ao contrário, pouco mais do que um suspiro? Eu não sei responder essa interrogação, sendo jovem demais ou velho demais com relação a esse peregrino. Ele não pensa nisso, eu diria. Aparentemente, mudou bem pouco.
Ele ficou um pouco mais curvado, quase como se quisesse diminuir a distância entre a sua orelha e o seu coração para sentir melhor o pulsar da história na qual está imerso; a voz enrouqueceu um pouco, e o rugido do profeta se transmutou no tom confidencial do avô que sabe que as crianças também o escutam, mas, ao invés de fábulas, conto a história dos pobres e das sua lutas de libertação.
Mudou o contexto em que esse peregrino da Igreja do Concílio continua a sua missão de evangelização. Frei Arturo assiste hoje, sem baixar os olhos, à trágica crise de um capitalismo que perdeu toda legitimidade e se envolve na violência de quem considera as pessoas como abstrações, cifras sem corpos, sem lágrimas, sem esperanças, sem direitos: e semeia sacrifícios e iniquidades escondendo-se atrás do rosto limpo dos professores que governam "sem fazer política", serenos especialistas de técnicas de governo que agridem os pobres como se fossem eles (os empobrecidos, os "condenados da Terra"), os culpados pela devastação do planeta.
Ele, o primeiro a usar em teologia a palavra "libertação", previra há meio século essa tragédia apocalíptica; e a ia profetizado aos Personagens do Fundo Monetário Internacional e aos Poderosos da Terra, aos quais o Pai negou a revelação das pazes possíveis.
Quantas imagens, quantas palavras de salvação, de perdão, quantos relatos de ódio, de amor habitam hoje o coração desse velho. Percebemos o seu suspiro assim que nos aproximamos dele, ou relemos os seus livros que as editoras continuam republicando como preciosas investigações do nosso tempo. Algum tempo atrás, ele confidenciou que o lema secreto do seu longo caminho sempre foi: "Não trair-se e não trair". Pensando bem, é a decisão de todo verdadeiro revolucionário, de uma força que a velhice não pode curvar.
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Homenagem ao centenário de Arturo Paoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU