12 Novembro 2012
André Singer, cientista político, professor da USP e jornalista, escreveu um livro sobre Lula capaz de fazer um petista sorrir e um tucano estudá-lo como um guia eleitoral. Paradoxal? Não para quem percorre as 280 páginas de Os Sentidos do Lulismo.
Acompanhando os passos do PT desde 1989, o cientista político e professor da USP sustenta que o governo Lula, pela primeira vez na história, promoveu o casamento da esquerda com as classes pobres, algo com que o partido sonhou por anos, mas nunca conseguiu.
O segredo de Lula foi adotar uma política econômica conservadora e, ao mesmo tempo, combater a pobreza com programas de distribuição de renda. A fórmula cativou as classes emergentes, que, no Brasil, têm tamanho para definir uma eleição. Em pesquisas, Singer descobriu que o eleitor pobre quer mudanças, mas dentro da ordem. Ou seja, um tipo de conservadorismo do qual se alimentou a direita brasileira por décadas. Lula venceu a parada até agora porque foi mais eficiente nas políticas sociais, fez o Estado chegar aonde nunca havia chegado.
Por outro lado, a classe média se afastou do PT após o mensalão. Singer afirma que esse realinhamento eleitoral tem consequências profundas e duradouras, como uma inversão da polarização política nacional. Sob o lulismo, a disputa não se dá entre esquerda e direita, mas entre ricos e pobres – com vantagem para quem souber conversar com esses últimos.
Nesta entrevista, Singer, que foi porta-voz do governo Lula e secretário de Redação do jornal Folha de S.Paulo, comenta o livro e diz que a vitória de Fernando Haddad (PT) em São Paulo reafirma sua tese.
A entrevista é de Leandro Fontoura e publicada pelo jornal Zero Hora, 10-11-2012.
Eis a entrevista.
Como o lulismo influenciou na vitória de Fernando Haddad?
Em São Paulo, o realinhamento eleitoral que aconteceu a partir de 2006 colocou a periferia mais extrema alinhada ao PT. No primeiro turno, por razões que ainda não estão muito claras, o voto da periferia se dividiu e foi, em parte, para Celso Russomanno. No segundo turno, imediatamente esse eleitor foi para Haddad. É reflexo do realinhamento provocado pelo lulismo.
Mas esse eleitor que estava com Russomanno não é um eleitor conservador, que tenderia a votar em José Serra?
Esse é um dos aspectos que corrobora a tese do livro. Há um fenômeno que poderíamos chamar de conservadorismo popular. Não se trata do conservadorismo tradicional, mas um tipo que mistura aspectos conservadores e aspectos mudancistas. Ou seja, esses eleitores querem um certo tipo de mudança, com bastante intensidade inclusive. É uma mudança que tem a ver com a redução da desigualdade social e com o combate à pobreza. As razões para isso são óbvias, pois esses eleitores enfrentam dificuldades. Porém, os eleitores querem que a realidade seja mudada por meio da ação do Estado. As pesquisas que analisei mostram repetidamente esse elemento. Se você olha por este ângulo, não é propriamente um conservadorismo.
O que desejam esses eleitores das classes de baixa renda e emergentes?
Eles querem que as mudanças ocorram dentro da ordem. Eles não apoiam e até têm uma certa hostilidade em relação a movimentos que buscam mudar a situação por meio de uma ameaça à ordem, o que era tipicamente a proposta petista. O PT foi um partido que, por muito tempo, tinha como fundamento a organização da classe trabalhadora, de baixo para cima, para lutar contra o capital. Era uma posição de ruptura. Com a mudança do PT, hoje o partido tem apoio desse eleitorado conservador, mas o conservadorismo popular não pode ser confundido com o de classe média. São dois tipos diferentes.
Como o senhor avalia o apelo de José Serra ao conservadorismo religioso?
Não considero isso positivo, porém, analiticamente, acredito que ele esteja tentando encontrar uma porta de entrada junto ao eleitorado popular. Existe hoje um grande impasse no PSDB e, de um modo geral, na oposição, que é a dificuldade de falar com as classes emergentes, que, no Brasil, ainda são eleitoralmente decisivas. Para o PSDB, o realinhamento significou uma adesão em massa dos setores de mais baixa renda ao lulismo. E isso é um problema para quem está na oposição, pois o lulismo forma uma nova maioria.
Qual foi a influência do julgamento do mensalão sobre os eleitores?
Tenho uma observação sobre São Paulo, que pode ter ocorrido em outros lugares. No meio do primeiro turno, o julgamento teve um certo impacto junto ao eleitor de classe média. Houve uma pequena queda de Haddad neste período. Como no segundo turno ele teve a adesão dos eleitores da periferia, esse impacto acabou diluído.
Como escândalos de corrupção sempre existiram na política brasileira, a rejeição da classe média ao PT teria também outras causas?
Há claramente outras causas. Nem sei se a ética é a questão fundamental, embora seja um item importante. A ética é um tema que historicamente sensibiliza os eleitores de maior renda e maior escolaridade. Mas, na classe média, há uma forte rejeição aos programas sociais. Há um desgosto com esse processo de ascensão dos setores de mais baixa renda. Há um desconforto com o tipo de política social adotada pelos governos Lula e Dilma, e isso é parte muito importante na rejeição ao PT.
Mas qual é a origem desse desconforto da classe média?
Tenho hipóteses ainda não comprovadas. Há questões ideológicas, como a concepção de que os programas sociais dão dinheiro para quem não trabalha. Mas há também questões de natureza material. Por exemplo, houve uma redução do trabalho doméstico. Há menos pessoas dispostas a fazer esse serviço e, com isso, a mão de obra fica mais cara e exigente. As domésticas começam a exigir seus direitos, carteira assinada, horário de trabalho, enfim, benefícios previstos na legislação. Essas pessoas estão mudando de situação e, para a classe média, essas exigências representam um novo cenário que não está sendo absorvido de maneira fácil. Outros exemplos são a superlotação dos aeroportos e as ruas cheias de carros. São mudanças que incidem sobre a classe média e que estão produzido conflitos.
Em resumo, o que o senhor diz é que só vai tirar o PT do governo quem souber falar com as classes emergentes?
Sem dúvida. Ou então que ocorra uma tal mudança de comportamento político, a partir da ascensão social, que provoque uma mudança no cenário. Acho que é com essa segunda hipótese que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vem trabalhando. Ele tem dito que o PSDB deve conversar com aqueles que estão melhorando de vida. Não posso afirmar que seja isso que ele esteja pensando, mas essa hipótese tem um erro: parte do princípio de que todos que ascenderam socialmente foram para um patamar de classe média. Para mim, isso não aconteceu. O que há é uma nova classe trabalhadora que ainda enfrenta problemas de condições de trabalho e de renda. Não me parece que ela está em uma posição que leve a um comportamento político de classe média. Por enquanto, eu manteria a hipótese de que a vitória da oposição depende de saber conversar com esses setores.
Dilma é mais palatável para a classe média do que Lula?
Há vários pequenos indícios de que a presidente tem uma imagem mais simpática à classe média. Lula encarna uma liderança de tipo popular que suscita reações ligadas às questões de classe social. Dilma, pelo perfil biográfico, uma pessoa que veio da classe média, parece contar com uma maior tolerância. Mas essa questão não é relevante. Chegado o momento de decisão, esses eleitores votarão na oposição.
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“O lulismo alinhou a periferia ao PT”. Entrevista com André Singer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU