09 Novembro 2012
Faltam poucas semanas para a conclusão da sua década [1] à frente da Igreja da Inglaterra, como 104º arcebispo de Canterbury, primus inter pares entre os bispos da Comunhão Anglicana, incansável tecelão de "tramas de afeto" entre as almas liberais e conservadoras dentro da sua Igreja e de toda a Comunhão, mas também entre as diversas confissões da única Igreja de Cristo, em uma curva marcada pela "crise da comunhão" [2] para as Igrejas anglicanas e por um clima de inverno no movimento ecumênico.
A reportagem é de Daniela Sala, publicada na revista Il Regno, nº. 18, 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Teólogo e poeta, Rowan Douglas Williams conjugou um traço profundamente espiritual com uma capacidade de ler os acontecimentos históricos, que se traduziu em intervenções públicas às vezes críticas ao governo inglês: é o caso da guerra no Iraque, em 2003, ou da reflexão sobre o projeto da "Big Society", em 2011, ou da relação entre fé, democracia e modelo econômico do Estado-mercado [3].
Eu o encontrei no dia 16 de setembro em Bose, Itália: em uma espécie de retorno às origens, a comunidade monástica quis dedicar ao arcebispo um dia de ação de graças em virtude do profundo laço de amizade que os une desde que, em 2003, Rowan Williams ali se hospedou em um retiro espiritual antes de entrar em Canterbury.
Eis a entrevista.
Sua Graça, em poucos meses, o senhor irá deixar o cargo de arcebispo de Canterbury. Quais são os seus sentimentos?
Uma imensa gratidão pelo apoio e pela oração das pessoas da minha Igreja e de outras Igrejas – nas minhas visitas ao mosteiro de Bose sempre estive conscientes do apoio também desta comunidade –, e ambos foram algo muito importante para mim nesses 10 anos. Em segundo lugar, penso em todas as tensões e dificuldades que houve durante esse período da nossa Comunhão, e o meu sentimento é a esperança de que esse apoio continue a mantê-la unida e não a fazê-la se rachar. Pessoalmente, tentarei aproveitar a oportunidade para voltar a escrever, a rezar... a tentar ser um cristão.
Do que a Igreja da Inglaterra precisa?
Nos últimos anos, tivemos alguns progressos significativos para novos estilos de missão. Constituímos novas comunidades, algumas das quais se encontram durante a semana, outras são compostas por jovens, novos tipos de agregações constituídas por pequenos grupos com uma experiência muito intensa de leitura da Palavra e de serviço mútuo. São cerca de 2.000. Espero que no futuro a minha Igreja continue nesse estilo de missão. E penso que é igualmente importante que ela lembre o que significa ser Igreja, algo que existe pela vontade de Deus e pela ação de Cristo, não só um conceito sociológico. Às vezes, na Inglaterra, somos tentados a propor somente uma cultura religiosa, enquanto precisamos lembrar que somos Igreja. Devemos manter unidos esses dois aspectos: abordagem criativa e consciência de ser Igreja, chamada por Deus.
Chegar às pessoas
Qual é a condição do cristianismo no Reino Unido? Que papel ele pode ter hoje?
Eu não penso que a situação seja tão negativa como alguns a retratam. A participação ao culto certamente diminuiu muito se a compararmos com a de 100 ou mesmo de 50 anos atrás, mas ainda há interesse pela fé cristã e pelo seu olhar sobre a realidade. Na maior parte dos casos, é bem visto o envolvimento da paróquia na vida da comunidade civil. As pessoas ainda se voltam ao padre ou à paróquia nos momentos de crise. No Parlamento, na Câmara dos Lordes, os bispos ainda têm um lugar onde podem levantar questões perante o governo. Ao lado de tudo isso, eu penso que um problema real é o fato de que muitas pessoas que querem crescer espiritualmente já não consideram mais que a Igreja é o lugar que pode lhes ajudar. Devemos tentar chegar às pessoas onde elas se encontram, para levar-lhes um alimento cristão. Eu não sei como, mas penso que temos muito a trabalhar nisso.
O que o senhor pensa deste momento da Europa? Qual é a vocação das Igrejas europeias?
É um momento de grande desafio para a Europa, pela crise financeira, por uma sensação de confusão cultural, e a Igreja sozinha não pode esperar resolver esses problemas. Mas pode – eu acredito – lembrar à cultura europeia que ela é apenas uma parte da cultura global. A Igreja trouxe muitos dons na sua história, materiais e espirituais, dons compartilhados, e devem lembrar que, embora seja pesada a pressão da crise financeira, não podemos nos esquecer da situação daqueles que são realmente pobres na África, na Ásia e na América Latina. Em outras palavras, a importância da Igreja na Europa é que ela é maior do que a Europa, e a Europa precisa se lembrar de que existe um mundo ao seu redor.
Durante os 10 anos em que o senhor foi arcebispo de Canterbury, a Comunhão Anglicana foi atravessada por profundas tensões com relação aos laços de comunhão... O que o senhor pode dizer sobre essa década? O Pacto Anglicano será um instrumento útil para enfrentar as controvérsias? O senhor acredita que irá mudar o papel do arcebispo de Canterbury com relação à Comunhão Anglicana?
Eu não penso que o Pacto Anglicano irá modificar o papel do arcebispo de Canterbury, que nunca foi uma autoridade com poder executivo para toda a Comunhão. O arcebispo é alguém que tenta estar ao serviço da conexão, das relações entre as províncias. Certamente, eu sou um grande defensor do Pacto, embora nem todos na minha Igreja o apoiem, porque eu acredito que precisamos de um meio para gerir os nossos conflitos. Mas o pressuposto é manter vivas as relações, com uma contínua e vital troca de ideias, de recursos e de pessoal entre as Igrejas, e eu acho que, em muitos aspectos, a parte mais importante do meu papel foi a de viajar para manter viva a conexão, de acolher bispos e arcebispos de todas as sedes em Canterbury e em Londres, não só para a Conferência de Lambeth, mas também por vias mais informais.
Alguns meses atrás, eu tive como hóspedes por alguns dias em Canterbury três novos primazes de sedes do exterior para conhecê-los, para mostrar-lhes a Igreja da Inglaterra e para estreitar uma amizade. Na última Conferência de Lambeth e em alguns encontros depois dela, tentamos ardentemente encontrar um método que permita que todos falem e que cada um seja ouvido. Isso significa que, quaisquer que sejam as dificuldades e as tensões que se vivam em nível de instituição, há uma vontade de continuar o trabalho juntos, porque estamos unidos por laços de afeto e não pretendemos perder a amizade.
Também são importantes os inúmeros fóruns ou redes da Comunhão, como a Mother’s Union, uma associação de mulheres de todo o mundo que é muito ativa e eficaz em favorecer os laços intra-anglicanos especialmente no campo do desenvolvimento e da educação. Recentemente, instituímos a Aliança Anglicana, que é outra rede para a ajuda ao desenvolvimento e educação. Nessas redes, estão envolvidas todas as Igrejas e em todos os níveis, trabalhando lado a lado mesmo quando, ao invés, entre nós, bispos, manifestam-se distâncias.
Aprender a se reconhecer
Que avanço é possível hoje nas relações ecumênicas entre as nossas Igrejas, anglicana e católica?
Não é um momento fácil do ponto de vista institucional, porque a Igreja Católica Romana vê negativamente a ordenação sacerdotal das mulheres, por exemplo, e isso significa que progressos rumo a um verdadeiro reconhecimento dos ministérios não possam ocorrer. Portanto, eu não espero nenhuma surpresa no futuro imediato. Eu vejo, porém, que, em nível local, a cooperação é estável e regular. Na Grã-Bretanha, já temos a cada ano um encontro entre os bispos anglicanos e católicos, compartilhamos uma profunda amizade e colaboramos muito em termos de testemunho para a sociedade.
Em nível ecumênico, também existem muitas redes e experiências interconfessionais como Taizé e o Movimento dos Focolares, em que anglicanos e católicos se encontram construtivamente e rezam juntos. Penso que o trabalho lento desses e de outros grupos, às vezes até pequenos, atua em profundidade e ajuda a produzir a mudança. Acredito que deve ser muito desenvolvida a formação comum dos nossos padres.
Onde se encontra a Igreja no seu caminho rumo à unidade plena e visível?
É importante lembrar que há 50, 60 anos vivíamos em um mundo diferente. Na Inglaterra, era impossível dizer o Pai Nosso juntos em público. O caminho que fizemos é um milagre, um dom de Deus. Recentemente, eu enviei uma carta à Conferência Internacional dos Abades Beneditinos, porque convidaram um membro anglicano da Comissão Anglicana – Católica Romana (ARCIC) para o seu encontro quadrienal [realizado em Roma entre os dias 17 e 25 de setembro]. Temos essa estreita amizade com a comunidade monástica de Bose.
Temos peregrinações ecumênicas; há quatro anos, houve uma importante peregrinação anglicana a Lourdes, uma oportunidade realmente esplêndida. Eu não estou certo sobre aonde estamos indo, mas olho para trás e digo: quanta estrada já fizemos! Isso significa que, em 40 ou 50 anos, tudo será ainda muito diferente se os cristãos forem capazes de se reconhecer reciprocamente. Demos um enorme passo adiante, enquanto em nível institucional o movimento é mais lento. Individual e espiritualmente, o progresso continua com passo regular: devemos encontrar o modo de ligar o passo lento da instituição com o passo mais constante das experiências espirituais.
Notas:
1 – No dia 16 de março, Rowan Williams anunciou que renunciará ao cargo no dia 31 de dezembro de 2012 e voltará a se dedicar à atividade acadêmica como reitor do Magdalene College, da Universidade de Cambridge. Seguindo o exemplo dos seus dois antecessores, Carey (1992-2002) e Runcie, ele optou por se retirar ao completar uma década – ele assumira o cargo em 2003 –, ao invés de atingir a idade dos 70 anos, para permitir que o seu sucessor oriente a preparação da Conferência de Lambeth, que é um dos "instrumentos de comunhão" – junto com a própria figura do arcebispo de Canterbury – que unem as 38 províncias anglicanas e que deverá se realizar em 2018. A Crown Nomination Commission, que está examinando os candidatos à sucessão sob a presidência do lorde Richard Luce, confirmou que até o outono europeu cumprirão a sua tarefa, que é a de indicar dois nomes. A escolha entre eles cabe ao primeiro-ministro, enquanto é a aprovação da Rainha que formaliza a nomeação.
2 – No mesmo ano da sua "entronização", a Igreja Episcopal, isto é, a província anglicana dos EUA, consagrou como bispo Gene Robinson, um padre publicamente envolvido em uma relação homossexual. Foi o início de um racha dentro da Comunhão Anglicana entre as províncias liberais, que aprovam e abençoam as uniões homossexuais, e as províncias do Sul do mundo, que consideram isso um desvio do princípio da autoridade da Escritura. A mediação proposta por Williams consiste em um documento, o Pacto Anglicano, que explicita o papel dos "instrumentos de comunhão" e o procedimento para abordar as polêmicas entre as províncias, e que atualmente está em fase de avaliação. Neste momento, ele já foi assinado por oito províncias.
3 – Acaba de ser lançado na Grã-Bretanha, pela prestigiosa editora secular Continuum, o livro Faith in the public square [Fé na praça pública], que reúne as principais intervenções do arcebispo de Canterbury sobre temas de interesse público em relação à fé cristã.
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Ecumenismo: mistério de união Entrevista com Rowan Williams - Instituto Humanitas Unisinos - IHU