01 Novembro 2012
Em seu novo livro, Le Goff nota que os santos adquiriram na Idade Média uma importância maior do que no passado, porque, na concepção otimista de Jacopo de Varazze, eles são chamados a levar ao céu a maior parte dos seres humanos e todas as almas do purgatório.
A análise é de Chiara Frugoni, historiadora italiana, especialista em Idade Média e história da Igreja e ex-professora das universidade de Pisa e de Roma Tor Vergata. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 25-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O título na capa da edição italiana, Il tempo sacro dell'uomo [O tempo sagrado do homem], é tentador e enigmático. Só dentro se descobre que o sujeito é a Legenda Aurea do dominicano Jacopo de Varazze, entendendo-se, em latim, como é óbvio, por Lenda: coisas que devem ser lidas.
Esse livro de ouro, podemos dizer (que o autor compôs a partir de 1260, mas no qual continuou trabalhando até 1297, ano da morte), foi, na Idade Média, o mais lido depois da Bíblia e logo traduzido para as línguas vulgares, incluindo o italiano. O sucesso se deveu à habilidade narrativa do autor, à capacidade de manter quem o lê com a respiração suspensa, à presença generalizada e fabulosa do maravilhoso no relato da vida dos santos.
Um livro que os leigos liam mais do que com gosto (exorto a retomar nas mãos a Legenda), mas que, segundo Le Goff, dissimulava a seriedade de um empenho muito corajoso por parte de Jacopo de Varazze, fornecer uma reflexão abrangente sobre o valor e o significado do tempo, combinando três dimensões: "temporal, ou seja, o tempo cíclico da liturgia cristã; santoral, o tempo linear marcado pela sucessão das vidas dos santos; escatológica, ou seja, o caminho da humanidade cristã no tempo até o juízo final".
O livro sustenta com muita determinação essa tese, muitas vezes em desacordo com aquelas expressas por outros estudiosos eminentes com quem Le Goff polemiza de modo pacato, mas firme, prosseguindo com a sua límpida prosa convincente. O título francês – À la recherche du temps sacré – sublinhava, mais do que o italiano, o sistema ideológico que, segundo Le Goff, estrutura a Legenda Aurea, sistema que o grande medievalista se propõe iluminar e demonstrar.
Encerrada a leitura, veio-me à mente o que diziam as companheiras de Clara. A santa muitas vezes fazia vir ao mosteiro pregadores cultos, explicando, depois, às coirmãs o conteúdo e o significado do que foi ouvido: "Clara gostava de ouvir um sermão douto, pensando que dentro da casca das palavras se esconde a amêndoa, que Clara sabia penetrar com agudeza, assimilando todo o seu sabor e o seu gosto".
Jacques Le Goff, em um livro onde não faltam citações de trechos muito agradáveis da Legenda Aurea, nos oferece a sua "amêndoa", expondo as linhas de uma pesquisa aprofundada.
Louvor ao autor e ao editor que fazem voltar as notas de rodapé: um retorno que deve ser destacado, que permite que o leitor formule imediatamente um julgamento sem se distrair, forçado, caso contrário, a interromper, a ir buscar as referências no fim do volume, ou, pior ainda, solicitado a ficar com preguiça e a se contentar sem verificá-las. Imaginando que o livro logo será reimpresso, seria muito útil adicionar um índice dos nomes e dos lugares: impossível lembrar tudo, na multidão de santos e autores chamados ao palco (o índice, além de ser de grande ajuda para o leitor, permitirá eliminar algumas deformidades de citação, por exemplo o papa que consagrou o Pantheon, e outros pequenos erros).
Jacques Le Goff, além disso, destaca justamente a precisão da colocação histórica dos personagens por parte de Jacopo de Varazze, com desvios mínimos com relação à realidade, porque – observa Le Goff com perspicácia – Jacopo quer convencer o leitor de que tudo o que ele aprende é verdade: são verdadeiras as histórias dos santos, são verdadeiros os milagres e são verdadeiras as coisas maravilhosas que acontecem; respectivamente, prodígios realizados por Deus mediante os santos, fenômenos surpreendentes, mas naturais. Le Goff chega a declarar que o título francês, "Em busca do tempo sagrado", poderia ser substituído por: "Em busca do tempo verdadeiro".
Quando Jacopo escrevia a sua Legenda Aurea, o Purgatório já havia se afirmado (aqui a referência obrigatória é ao célebre livro do próprio Le Goff), e tal crença aumentava a responsabilidade dos vivos com relação aos mortos. Deus, então, permite que os santos desçam do Paraíso à terra para indicar aos fiéis os comportamentos virtuosos que abreviam as penas dos seus entes queridos. Além disso, as orações dos santos são muito eficazes e ouvidas por Deus.
Eis, portanto, que os santos adquiriram, nota ainda Le Goff, uma importância maior do que no passado, porque, na concepção otimista de Jacopo de Varazze, eles são chamados a levar ao céu a maior parte dos seres humanos e todas as almas do purgatório.
Conclui Le Goff: "O nossa dominicano quer mostrar como só o cristianismo soube estruturar e sacralizar o tempo da vida humana e acompanhar a humanidade rumo à salvação".
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Quando o tempo era feito de milagres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU