23 Outubro 2012
"A pobreza brasileira cai desde o fim da recessão de 2003, tendência sustentada durante as crises recentes. Olhando para a década como um todo, a proporção de pobres caiu 57,5% entre as Pnads 2001 e 2011", constata Marcelo Côrtes Neri, presidente do Ipea e professor da EPGE/FGV, em artigo publicado no jornal Valor, 23-10-2012.
Segundo ele, "52% da redução de pobreza experimentada na década foi provocada por mudanças na desigualdade de renda e o restante explicado pelo crescimento. Sem essa redução da desigualdade, a renda média precisaria ter aumentado quase 89% mais para a pobreza experimentar a mesma queda".
Ou seja, "quanto maior o grau de aversão à desigualdade, maior é a melhora de bem-estar percebida no período 2001-2011. Este cumulativo descolamento de performance é captado num gráfico em forma da boca aberta de um jacaré".
Eis o artigo.
A pobreza brasileira cai desde o fim da recessão de 2003, tendência sustentada durante as crises recentes. Olhando para a década como um todo, a proporção de pobres caiu 57,5% entre as Pnads 2001 e 2011, se usarmos a linha hoje utilizada no programa Bolsa Família de R$ 140 por pessoa mantida em termos reais. O Brasil cumpriu o compromisso de reduzir à metade em um quarto de século da primeira das metas do milênio da ONU, em menos de 10 anos.
Por sua vez, 52% da redução de pobreza experimentada na década foi provocada por mudanças na desigualdade de renda e o restante explicado pelo crescimento. Sem essa redução da desigualdade, a renda média precisaria ter aumentado quase 89% mais para a pobreza experimentar a mesma queda.
A desigualdade de renda domiciliar per capita no Brasil vem caindo desde 2001. Entre 2001 e 2011, a renda dos 10% mais ricos aumentou 16,6%, enquanto a renda dos 10% mais pobres cresceu 91,2% no período. Ou seja, a do décimo mais pobre cresceu 550% mais rápido que a do mais rico.
Os ganhos relativos de renda obtidos crescem paulatinamente na medida em que caminhamos do topo para a base da distribuição de renda brasileira. Os últimos no nível inicial de renda foram os primeiros no crescimento, e vice-versa. Nos demais Brics a situação está invertida favorecendo os mais ricos.
O Brasil atingiu em 2011, pela Pnad, seu menor nível de desigualdade de renda medido pelo índice de Gini desde os registros nacionais iniciados em 1960. Na verdade, a desigualdade no Brasil permanece entre as 12 maiores do mundo. Porém, isso significa que existem consideráveis reservas de crescimento pró-pobre, que só começaram a ser exploradas na década passada.
Em trabalho com Pedro Herculano, do Ipea, decompomos a redução da desigualdade observada na década passada pelas diversas fontes de renda captadas pela Pnad: trabalho (58%), Previdência (19%), Bolsa Família (13%), benefício de prestação continuada (BPC 4%) e outras rendas (6%) como aluguéis e juros. Ou seja, a maior parte da queda da desigualdade se deveu ao efeito da expansão trabalhista observada, o que confere sustentabilidade ao processo redistributivo assumido. Agora sem as políticas redistributivas patrocinadas pelo Estado brasileiro, a desigualdade teria caído 36% menos na década.
As fontes de renda especificadas acima, conforme seu papel relativo na redução da desigualdade observado, na década, podem ser avaliadas também pelo seu impacto na renda média, para que tenhamos condições de avaliar o montante de recursos envolvidos em cada uma delas: trabalho (76%), Previdência (21%), Bolsa Família (2%), benefício de prestação continuada (BPC, 2%) e outras rendas (-3%).
Notem que uma vez que as transferências públicas, como BPC, Bolsa Família e Previdência correspondem a recursos saídos dos cofres federais, pode-se avaliar a efetividade relativa em termos do impacto de cada real aplicado na queda de desigualdade obtida. Numa ótica de políticas públicas, a combinação da importância relativa de cada fonte de renda na renda e na desigualdade gera uma medida útil para análise da relação custo fiscal/benefício social medido em termos de ganhos de equidade observados. Estas relações assumem diferentes valores para diferentes fontes de renda, como Previdência (1,15), benefício de prestação continuada (0,504) e Bolsa Família (0,25).
Cada ponto percentual de redução de desigualdade na década custou 129,4% mais pelas vias dos aumentos da previdência social do que do BPC. Se todos os recursos adicionais pudessem ser canalizados para o BPC, ao invés de Previdência, sob o mesmo impacto distributivo, a desigualdade teria caído 129% mais do que pela alocação escolhida. Similarmente, cada real aplicado no Bolsa Família alavancou impactos distributivos 362,7% maiores do que no caso dos gastos com a Previdência Social.
Cabe ainda analisar o bem estar de todos indivíduos na sociedade num único número, o bem estar da sociedade. Estas medidas agregadas são mais ou menos sensíveis a média e a desigualdade de renda dependendo da especificação assumida. Por exemplo, o PIB é uma função bem-estar social que só se enxerga a soma de recursos, e não as diferenças entre pessoas. Vale comparar a evolução de medidas com diferentes sensibilidades a estas diferenças, como a proposta por Atkinson (1970). Quanto maior o grau de aversão à desigualdade, maior é a melhora de bem-estar percebida no período 2001-2011. Este cumulativo descolamento de performance é captado num gráfico em forma da boca aberta de um jacaré.
Quanto maior a sensibilidade a desigualdade, maior a boca de jacaré e o impacto do Bolsa Família e congêneres em abri-la. Se a aversão for baixa, os resultados levando ou não em conta o Bolsa Família são quase idênticos. Se a aversão for alta, então há marcada melhora de bem estar pode ser atribuída ao Bolsa Família. Neste caso, a abertura da boca de jacaré cairia a um quinto da observada, se o Bolsa Família não existisse. Ou seja, a abertura da boca do jacaré e a alavancagem proporcionada pelo Bolsa Família crescem com a preocupação com os mais pobres.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bolsa Família, bem-estar e boca do jacaré - Instituto Humanitas Unisinos - IHU