Por: Cesar Sanson | 22 Outubro 2012
Em recente jantar na Califórnia, o filósofo esloveno Slavoj Zizek levou um acompanhante, um compatriota fumante. O amigo quis fumar um cigarro na varanda. Diante da resposta negativa do anfitrião, o cidadão esloveno ofereceu a opção de fumar na rua, mas o ilustre anfitrião disse que isso “pegaria mal” para sua reputação nas redondezas. Em seguida, o anfitrião ofereceu uma rodada de drogas consideradas “não tão leves” para os convivas, escreve Zizek em seu novo livro, O Ano em Que Sonhamos Perigosamente (Boitempo, 144 págs., R$ 23).
Drogas são mais perigosas do que fumar, o que está acontecendo neste mundo do politicamente correto?, pergunta Zizek. Ele mesmo responde: “Trata-se de um fenômeno lançado pelo mundo anglo-saxônico e isso tem uma dimensão de classe”. Em miúdos, os mais favorecidos doutrinam. Ao mesmo tempo, delineiam as diferenças entre o exagero de fumar um cigarro, um excesso, não um prazer, e o prazer de tomar uma droga, com moderação, é claro, que supostamente não provoca graves consequências.
O Ano em Que Sonhamos Perigosamente, em fase de lançamento no Brasil, é uma análise dos protestos que reverberaram de Túnis a Atenas em 2011. Para o autor, “embora os protestos sejam positivos, falta um programa”. Alma livre e espontânea, Zizek não prevê o futuro. Mas não deixa de ser iluminado. “Você pode”, diz Zizek, “canibalizar minhas respostas. Qualquer jornalista pode reproduzir o oposto do que eu lhe disse”. Não é o caso a seguir.
A entrevista é de Gianni Carta e publicada pela revista Carta Capital, 21-10-2012.
Eis a entrevista.
Há diferentes circunstâncias nos protestos de 2011. Mas quais as semelhanças?
Não vejo semelhanças na patética maneira de ver as coisas da esquerda. Eles dizem que há um desejo de liberdade. A meu ver, todos esses movimentos reagem a diferentes aspectos do capitalismo global. E é por isso que esses movimentos são interessantes. Como sabemos, os liberais ocidentais dizem que os manifestantes mundo afora buscam uma democracia ocidental. Mas eu não acho que esse seja o caso. No Cairo, por exemplo, o objetivo era lutar contra as forças autoritárias. Além disso, não creio que o capitalismo gere uma demanda por uma democracia. Há diferentes tipos de democracias.
Um exemplo seria a China?
A China é um sistema expansionista e dinâmico como países capitalistas do Ocidente. O sistema chinês é, no entanto, autoritário. O triste recado chinês é o seguinte: o capitalismo global será cada vez menos democrático. Imigrantes, que não estão integrados nas sociedades para as quais migram, são a prova. Em suma, mais capitalismo não resolverá esse problema. O problema é que os protestos de 2011 não oferecem uma resposta. Viajei mundo afora e me perguntei: “O que eles querem?” Não esperava um programa detalhado. Mas tudo o que você escuta dos manifestantes é uma crítica moralista: eles lutam contra a exploração e a corrupção. Querem uma volta de John Maynard Keynes, uma volta do Estado do Bem-Estar Social, controle de bancos, mais dinheiro para a saúde, a segurança e a educação. Ou seja, não há uma alternativa.
Mas há diferenças nas demandas dessas distintas revoluções. No seu livro¬, o senhor argumenta que no Egito houve sólidas demandas seculares, e, ao mesmo tempo, em Wall Street não houve programa.
Sim, claro, há diferenças. Mas há semelhanças nessa emergente nação global. Mas, como em Wall Street, as coisas voltam ao normal no Cairo. Mesmo com 1 milhão de egípcios a manifestar na Praça Tahrir, é uma minoria. A maioria das revoluções foram assim. A revolução de outubro de 1917 é um exemplo. Lenin conseguiu o apoio de camponeses insatisfeitos com a Primeira Guerra Mundial, mas não da maioria da população russa. Portanto, não creio que a situação esteja pior atualmente. O problema é que não vejo como transformar os descontentamentos em organizações positivas. Estive na Grécia. Falei com muita gente, e me disseram que querem um capitalismo mais eficiente. Retruquei ser um objetivo difícil. A Grécia não tem uma estrutura para o tipo de capitalismo atual. No Brasil, em contrapartida, houve o Bolsa Família, que deu certo.
O que o senhor acha do Bolsa Família?
O Bolsa Família foi um plano para redistribuir renda no País. Em miúdos, foi um plano para ajudar as pessoas com receitas inferiores.
Quais as suas expectativas, e eis uma pergunta no mínimo difícil, para o mundo?
Não gosto da maneira como as coisas estão se desenvolvendo. O povo quer mudanças, mas a esquerda não tem opções para ele. O problema é que hoje agremiações de esquerda podem, ao contrário dos velhos tempos, chegar ao poder. Mas a esquerda está confusa.
O senhor diz que essa esquerda tem um problema: ela moraliza.
Moralizar é sempre um sinal de derrota. Quando você precisa moralizar é porque você tem um problema real. Sempre desconfio de políticos que desconfiam de exploração financeira, especulação e banqueiros não honestos. Mas talvez devamos ser otimistas. A revolução no Egito não poderia ser o começo de algo novo?
No seu livro, o senhor mencionou o discurso, no Cairo em 2009, de Barack Obama. Ele propôs uma solução de dois Estados, Palestina e Israel. Mas o senhor não opina a respeito.
Obama não é uma pessoa ruim. Esses esquerdistas como o ativista Tariq Ali estão errados sobre Obama. Tudo bem, Obama poderia ter feito mais em um senso radical, mas não pôde. Seu espaço sempre foi limitado. Obama é um político com boas intenções.
Como reage quando críticos dizem que é um esquerdista populista?
A resposta está no livro Welcome To The Desert (Bem-vindo ao deserto), pubicado no Brasil. Em Israel, fui considerado antissemita. E no Cairo me chamaram de propagandista. Fiquei contente. Quando os dois lados atacam é sinal de que você está no caminho certo. Sabe, quando eu era jovem, sonhávamos com um socialismo com rosto humano. Veja, o socialismo não funciona. E nem, acredito, na social-democracia. Portanto, a crise econômica de 2008 é uma grande derrota da esquerda. O motivo? A esquerda não tem opções para a crise.
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A esquerda derrotada. Entrevista com Slavoj Zizek - Instituto Humanitas Unisinos - IHU